domingo, 5 de fevereiro de 2023

Elio Gaspari - A rede Americanas foi depenada

O Globo

Bem remunerados, diretores venderam R$ 244 milhões em ações da empresa no segundo semestre de 2022. A discussão sabia-não-sabia irá para os tribunais, a menos que ocorra uma trégua simulada

Com todo mundo brigando com todo mundo, é possível que a encrenca da rede varejista Americanas caminhe para uma falsa trégua. Seguiria o ensinamento do grande sambista Morengueira em seu “Piston de Gafieira”:

“Quem está fora não entra

Quem está dentro não sai.”

Apareceu um rombo estimado em mais de R$ 40 bilhões e, salvo o executivo Sérgio Rial, que ficou alguns dias à frente da empresa, tocou o alarme e afastou-se do cargo, ninguém sabia de nada.

O trio de grandes acionistas (Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles) informaram que “jamais tivemos conhecimento e nunca admitiríamos quaisquer manobras ou dissimulações contábeis na companhia”. A auditora PwC e os bancos que davam crédito à rede nunca tocaram o sino. Os responsáveis diretos pela administração da empresa ao longo dos últimos anos estão calados. Ninguém sabia de nada, mas o espeto vai também para fornecedores de mercadorias.

A discussão de sabia-não-sabia irá para os tribunais e lá poderá ser esclarecida com o exame das mensagens trocadas pelos doutores. Contudo, versões implausíveis raramente resistem a uma cronologia, e ela indica que a rede Americanas sofreu um golpe. Em português do varejo, foi depenada. A empresa mimava acionistas e diretores como se fosse um porta-aviões e era um casco condenado. Pelo menos as pessoas que mostraram os números a Rial sabiam disso.

No ano passado, o conselho da empresa orgulhava-se de “promover uma cultura de superação de resultados através da contratação e retenção das melhores pessoas, alinhadas com os interesses dos acionistas”.

A Americanas remunerava muito bem seus diretores. Nos últimos dez anos eles receberam R$ 505,4 milhões, o dobro do que pagaram redes concorrentes como a Magalu e a Renner. Entre 2013 e o terceiro trimestre de 2022 a Americanas pagou R$ 2,1 bilhões aos seus acionistas. Até aí, seria o jogo jogado.

O processo de escolha de um novo executivo para a Americanas começou em março do ano passado. Em agosto a rede anunciou que o veterano Miguel Gutierrez, com 30 anos de casa e 20 como seu principal executivo, seria substituído por Sérgio Rial, vindo do banco Santander. O repórter Nicola Pamplona revelou que durante o segundo semestre de 2022, diretores estatutários da Americanas venderam R$ 244,3 milhões de ações da empresa. O pico das vendas ocorreu entre agosto e setembro.

Em novembro a rede revelou um prejuízo de R$ 211,5 milhões para o trimestre. (No ano anterior ela havia lucrado R$ 240 milhões no mesmo período.)

A luz do Sol é o melhor detergente

Sérgio Rial assumiu a direção da Americanas no dia 2 de janeiro. Nesses dias obteve detalhes do que mais tarde chamaria de “inconsistências contábeis”. No dia 6, representantes dos acionistas reuniram-se com diretores da empresa e funcionários da área financeira. Daí até o dia 11, Rial viveu o que chamou de “escolha de Sofia”: “Falo ou não falo?” Falou. No dia seguinte as ações da empresa perderam 80% do seu valor e logo depois a Americanas entrou em processo de recuperação judicial.

O litígio da Americanas poderá vir a ser um dos maiores de todos os tempos, a menos que nas próximas semanas ocorra uma trégua simulada. Afinal, Morengueira cantava:

“A orquestra sempre toma providência

Tocando alto pra polícia não manjar

E nessa altura

Como parte da rotina

O piston tira a surdina

E põe as coisas no lugar.”

A luz do Sol é o melhor detergente. Há abundantes sinais de que houve uma fraude na Americanas e que ela só durou anos porque foi encoberta.

Os bancos pedem à Justiça acesso às comunicações internas da empresa. Esse acervo poderá levar a novas pistas para se saber o que aconteceu. Além disso, outra boa questão está no tabuleiro, para ser esclarecida com a Comissão de Valores Mobiliários:

Quais foram os diretores da Americanas que venderam R$ 244,3 milhões no segundo semestre do ano passado, quando a Americanas foram do lucro ao prejuízo e sabia-se que Gutierrez seria substituído por Rial? Por quê?

A estatal do Trem Bala é imortal

Marcelo Guerreiro Caldas, ex-diretor da Infra S.A., foi afastado do conselho de administração da estatal, acusado de ter apresentado um diploma falso para assumir o cargo.

Maganos com diplomas esquisitos fazem parte da vida, mas o doutor Marcelo jogou luz sobre a existência da empresa. Em burocratês, ela é uma “empresa pública que nasce da junção da Valec Engenharia, Construções e Ferrovias S.A. com a Empresa de Planejamento e Logística (EPL) e é responsável por obras ferroviárias, planejamento e estruturação de projetos para o setor de infraestrutura de transportes.”

Traduzindo, a Infra é um avatar do Trem Bala que ligaria o Rio a São Paulo em poucas horas. A ideia do trem surgiu em 1996 e encorpou dez anos depois e, aos poucos, foi virando poeira. O presidente da Valec, estatal que cuidaria de sua construção, passou algum tempo na cadeia por outros malfeitos. Morto o projeto do trem, seus interesses burocráticos reencarnaram-se na EPL. Do seu casamento com a Valec, surgiu a Infra.

Em quase 30 anos o Brasil teve governos de centro, de esquerda e de direita. Durante quatro anos, o ministro Tarcísio de Freitas ficou na pasta da Infraestrutura e elegeu-se governador de São Paulo. Só não conseguiu acabar com a estatal do Trem Bala.

Lula 2026

Lula anunciou que, se tiver saúde, poderá disputar a reeleição em 2026. Ele já havia condenado o instituto da reeleição e, na campanha, disse que seria “um presidente de um mandato só.”

Pena, porque jogou fora a oportunidade de extirpar a busca pela reeleição da lista de malignidades da política brasileira.

Hoje, a reeleição é a fonte dos piores males nacionais. Os planos golpistas de Bolsonaro estão aí para mostrar isso.

Eremildo, o idiota

Eremildo acreditou que Lula seria presidente de um mandato só. Ele também acredita que o ex-ministro Anderson Torres perdeu o celular e que foi a funcionária de sua casa quem guardou a minuta do golpe na estante. O cretino acha que a declaração de Valdemar Costa Neto de que todo mundo tinha cópias de minutas golpistas era apenas uma metáfora.

Acima de tudo, Eremildo acredita que o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) jamais se meteria numa operação para grampear o ministro Alexandre de Moraes. O general Augusto Heleno nunca concordaria com uma coisa dessas.

Grampos, hoje e ontem

Daniel Silveira, que teria planejado grampear uma conversa do senador Marcos do Val com o ministro Alexandre de Moraes, foi candidato a senador pelo PTB e não se elegeu. Fez campanha ao lado do ex-deputado Eduardo Cunha, que elegeu a filha, Danielle Dytz da Cunha.

Em junho de 1974 o ex-ministro da Fazenda Antonio Delfim Netto desceu em Brasília para uma conversa com o general Golbery do Couto e Silva. Delfim havia sido o todo poderoso ministro da Fazenda, tentou ser governador de São Paulo, mas foi vetado. Da conversa, resultou que Delfim foi para a embaixada em Paris.

Delfim achou estranho que Golbery lhe apontasse onde sentar. Claro, era para deixá-lo perto do microfone que transmitia a conversa para um gravador instalado na cozinha.

Quem montou o grampo foi o coronel Edson Dytz, do Serviço Nacional de Informações. À época ele era sogro de Eduardo Cunha.

 

4 comentários:

  1. Anônimo5/2/23 08:39

    Eles são os garimpeiros do asfalto.
    "Eu não sabia" é sua tribo. Com todo respeito às tribos indígenas.
    Logo, logo suas dragas voltam, com "o mercado" colocando as "vendas" nos idiotas.
    A tempo : EREMILDO para presidente.

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  2. Anônimo5/2/23 18:40

    Eremildo já presidiu o país entre 2019 e 2022! Ou, se não foi ele, foi alguém do mesmo tipo... Que no último dia fugiu covardemente pra Flórida e está escondido lá até agora!

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  3. Anônimo6/2/23 09:08

    Eremildo, o Bolsonaro, ou algo assim...

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