Valor Econômico
Entidades do mercado reagem a possível
mudança na legislação
Representantes de entidades do mercado
desembarcaram em Brasília, às vésperas do carnaval, para ver a evolução da
articulação para mudar a Lei das Estatais. Tendo o Centrão na comissão de
frente e o governo na bateria, ela avança com cadência, para preocupação destes
que estão de olho na governança das empresas controladas pelo Estado e com
capital misto.
Já aprovada pela Câmara, ela agora aguarda só o sinal do governo para entrar na avenida do Senado. Deve-se ter clareza dos potenciais retrocessos que representa.
No recente périplo, interlocutores do
Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), da Associação de
Investidores no Mercado de Capitais (Amec) e da Associação Brasileira das
Companhias Abertas (Abrasca) falaram com autoridades do Legislativo e do
governo Lula. Apresentaram nessas interações pontos positivos da atual
legislação, como a promoção, entre as empresas estatais, de regras de
governança corporativa semelhantes às das companhias listadas no Novo Mercado
da Bolsa - segmento com elevados padrões de transparência e direitos dos
acionistas. Dois exemplos: a obrigatoriedade de haver um comitê de auditoria
que se reporte ao conselho de administração e que este tenha no mínimo 25% de
membros independentes. Ou, pelo menos, um integrante independente.
Não é sem motivo que o mercado sempre dá
nota baixa quando a Lei das Estatais entra em perigo. Ela eleva a confiança dos
investidores, o que se traduz em valorização dos ativos, pois aumenta os
requisitos profissionais dos administradores. A lei também busca dar mais
transparência sobre a gestão dos recursos das empresas e incrementa os
mecanismos de proteção contra interferências políticas.
Às fontes oficiais com as quais se
reuniram, esses interlocutores também lembraram que aumentou o lucro de
diversas empresas desde a instituição da lei, em 2016. Parte significativa
desses recursos retornou aos cofres públicos. Além disso, entre 2017 e 2022,
praticamente dobrou o índice de governança calculado pela área econômica do
governo.
Não é pouca coisa. A legislação poderia até
ser aperfeiçoada, por exemplo, no sentido de exigir ainda maior qualificação,
autonomia e independência dos integrantes dos conselhos de administração. Isso
reduziria o risco de as empresas serem tratadas como simples extensão da
Esplanada dos Ministérios.
Uma ideia seria criar mais instrumentos
para a punição de envolvidos em irregularidades e aprimorar os processos de
comunicação entre governo e estatais para a sociedade civil. Faltam
instrumentos que inibam agentes públicos de falarem em nome das empresas ou
transmitirem informações privilegiadas. No governo passado, não foram raras as
vezes em que agentes públicos, inclusive o ex-presidente Jair Bolsonaro,
anteciparam movimentos da Petrobras.
O Palácio do Planalto também interviu na empresa a fim de reduzir os preços dos
combustíveis no período eleitoral.
Aprimorar esses pontos poderia contribuir
para o Brasil deixar o grupo de acesso e entrar, definitivamente, no grupo
especial chamado Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE). Mas esta adesão, antes considerada fundamental pelo governo Bolsonaro,
agora não está mais entre as prioridades da atual administração federal.
Faz parte do jogo democrático e da
alternância de poder. Contudo, é preocupante como, nesse contexto, a Lei das
Estatais pode ser implodida sem maiores discussões com a sociedade.
Antes de o desfile começar, ainda durante a
transição, o governo evitou imprimir a digital no projeto que foi aprovado na
Câmara. Essa proposta, aliás, poderia ganhar premiação em algum baile de
máscaras: deputados juravam que o texto a ser colocado em votação apenas
ampliaria os limites de gastos de publicidade de empresas públicas e de
sociedade mista, quando, repentinamente, foi acolhida uma emenda para facilitar
a indicação de políticos para cargos de direção.
Houve quem não escondesse a alegria.
Parlamentares da esquerda e do Centrão até hoje comemoram o que consideravam
uma vitória contra o discurso de criminalização da política. E já se preparam
para colocar o bloco na rua: o governo conta com os milhares de cargos que
surgirão com a redução da quarentena imposta a políticos para contemplar
partidos aliados e, assim, consolidar uma base mais ampla no Congresso.
Pode restar à oposição marcar posição, com
PP e PL à frente, ainda que estes partidos também tenham atentado contra a Lei
das Estatais em outros carnavais. O PSDB, fragilizado nas últimas eleições, vai
aproveitar a oportunidade para tentar sambar em algum lugar de destaque.
Mas neste samba-enredo, governo, Câmara e
Senado estão juntos. Tudo indica que ganharão nota dez em harmonia, mesmo
ignorando o que se alerta da arquibancada: mudar a Lei das Estatais, instituída
na esteira de escândalos de corrupção, diverge das melhores práticas
internacionais, prejudica a imagem do Brasil no exterior e, no limite, pode
gerar perdas para investidores minoritários e queda dos preços dos ativos.
Se houver maior mobilização contra a
iniciativa, é possível que a proposta precise passar por algumas comissões
temáticas do Senado. Outra possibilidade é o Supremo Tribunal Federal (STF)
tomar o microfone e modular os limites de eventual mudança da lei.
Diante desse cenário, o governo instruiu os
instrumentistas que ditam o ritmo do desfile a entrarem no recuo da bateria. A
qualquer sinal, algum senador governista pode apresentar emenda para tornar as
mudanças na lei menos radicais. Isso faria o projeto retornar à Câmara, mas
dificilmente o tornaria menos polêmico.
Segundo relatos, o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva pediu a auxiliares que garantam todas as condições de trabalho
para que a Controladoria-Geral da União (CGU) e o Tribunal de Contas da União
(TCU) o ajudem a impedir os malfeitos que marcaram as administrações anteriores
do PT. É um bom começo. Mas, alterar a Lei das Estatais logo de saída vai
contra essa diretriz e pode provocar uma forte ressaca.
Lendo e aprendendo.
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