quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

Fernando Exman - Adverte-se: mudar Lei das Estatais dá ressaca

Valor Econômico

Entidades do mercado reagem a possível mudança na legislação

Representantes de entidades do mercado desembarcaram em Brasília, às vésperas do carnaval, para ver a evolução da articulação para mudar a Lei das Estatais. Tendo o Centrão na comissão de frente e o governo na bateria, ela avança com cadência, para preocupação destes que estão de olho na governança das empresas controladas pelo Estado e com capital misto.

Já aprovada pela Câmara, ela agora aguarda só o sinal do governo para entrar na avenida do Senado. Deve-se ter clareza dos potenciais retrocessos que representa.

No recente périplo, interlocutores do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec) e da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca) falaram com autoridades do Legislativo e do governo Lula. Apresentaram nessas interações pontos positivos da atual legislação, como a promoção, entre as empresas estatais, de regras de governança corporativa semelhantes às das companhias listadas no Novo Mercado da Bolsa - segmento com elevados padrões de transparência e direitos dos acionistas. Dois exemplos: a obrigatoriedade de haver um comitê de auditoria que se reporte ao conselho de administração e que este tenha no mínimo 25% de membros independentes. Ou, pelo menos, um integrante independente.

Não é sem motivo que o mercado sempre dá nota baixa quando a Lei das Estatais entra em perigo. Ela eleva a confiança dos investidores, o que se traduz em valorização dos ativos, pois aumenta os requisitos profissionais dos administradores. A lei também busca dar mais transparência sobre a gestão dos recursos das empresas e incrementa os mecanismos de proteção contra interferências políticas.

Às fontes oficiais com as quais se reuniram, esses interlocutores também lembraram que aumentou o lucro de diversas empresas desde a instituição da lei, em 2016. Parte significativa desses recursos retornou aos cofres públicos. Além disso, entre 2017 e 2022, praticamente dobrou o índice de governança calculado pela área econômica do governo.

Não é pouca coisa. A legislação poderia até ser aperfeiçoada, por exemplo, no sentido de exigir ainda maior qualificação, autonomia e independência dos integrantes dos conselhos de administração. Isso reduziria o risco de as empresas serem tratadas como simples extensão da Esplanada dos Ministérios.

Uma ideia seria criar mais instrumentos para a punição de envolvidos em irregularidades e aprimorar os processos de comunicação entre governo e estatais para a sociedade civil. Faltam instrumentos que inibam agentes públicos de falarem em nome das empresas ou transmitirem informações privilegiadas. No governo passado, não foram raras as vezes em que agentes públicos, inclusive o ex-presidente Jair Bolsonaro, anteciparam movimentos da Petrobras. O Palácio do Planalto também interviu na empresa a fim de reduzir os preços dos combustíveis no período eleitoral.

Aprimorar esses pontos poderia contribuir para o Brasil deixar o grupo de acesso e entrar, definitivamente, no grupo especial chamado Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Mas esta adesão, antes considerada fundamental pelo governo Bolsonaro, agora não está mais entre as prioridades da atual administração federal.

Faz parte do jogo democrático e da alternância de poder. Contudo, é preocupante como, nesse contexto, a Lei das Estatais pode ser implodida sem maiores discussões com a sociedade.

Antes de o desfile começar, ainda durante a transição, o governo evitou imprimir a digital no projeto que foi aprovado na Câmara. Essa proposta, aliás, poderia ganhar premiação em algum baile de máscaras: deputados juravam que o texto a ser colocado em votação apenas ampliaria os limites de gastos de publicidade de empresas públicas e de sociedade mista, quando, repentinamente, foi acolhida uma emenda para facilitar a indicação de políticos para cargos de direção.

Houve quem não escondesse a alegria. Parlamentares da esquerda e do Centrão até hoje comemoram o que consideravam uma vitória contra o discurso de criminalização da política. E já se preparam para colocar o bloco na rua: o governo conta com os milhares de cargos que surgirão com a redução da quarentena imposta a políticos para contemplar partidos aliados e, assim, consolidar uma base mais ampla no Congresso.

Pode restar à oposição marcar posição, com PP e PL à frente, ainda que estes partidos também tenham atentado contra a Lei das Estatais em outros carnavais. O PSDB, fragilizado nas últimas eleições, vai aproveitar a oportunidade para tentar sambar em algum lugar de destaque.

Mas neste samba-enredo, governo, Câmara e Senado estão juntos. Tudo indica que ganharão nota dez em harmonia, mesmo ignorando o que se alerta da arquibancada: mudar a Lei das Estatais, instituída na esteira de escândalos de corrupção, diverge das melhores práticas internacionais, prejudica a imagem do Brasil no exterior e, no limite, pode gerar perdas para investidores minoritários e queda dos preços dos ativos.

Se houver maior mobilização contra a iniciativa, é possível que a proposta precise passar por algumas comissões temáticas do Senado. Outra possibilidade é o Supremo Tribunal Federal (STF) tomar o microfone e modular os limites de eventual mudança da lei.

Diante desse cenário, o governo instruiu os instrumentistas que ditam o ritmo do desfile a entrarem no recuo da bateria. A qualquer sinal, algum senador governista pode apresentar emenda para tornar as mudanças na lei menos radicais. Isso faria o projeto retornar à Câmara, mas dificilmente o tornaria menos polêmico.

Segundo relatos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu a auxiliares que garantam todas as condições de trabalho para que a Controladoria-Geral da União (CGU) e o Tribunal de Contas da União (TCU) o ajudem a impedir os malfeitos que marcaram as administrações anteriores do PT. É um bom começo. Mas, alterar a Lei das Estatais logo de saída vai contra essa diretriz e pode provocar uma forte ressaca.

 

Um comentário: