Valor Econômico
Imposto menor para alguns elevará a carga
dos demais
Os primeiros passos da reforma tributária
neste ano indicam que sua aprovação não será tão célere quanto espera o
governo. O Executivo fala em votação no primeiro semestre. Porém, o grupo de
trabalho criado na Câmara para analisar a proposta tem prazo até o início de
maio para produzir um relatório.
Em seguida, o texto passará pelo Senado,
que desejará fazer uma avaliação criteriosa. Do ponto de vista de quem tem
pressa, o ideal seria alguns senadores acompanharem o debate na Câmara, para
ganhar tempo. Esse esquema funcionou bem na reforma da Previdência.
Estão sobre a mesa duas Propostas de Emenda à Constituição (PECs), a 45 e a 110. Em comum, elas fundem os tributos sobre o consumo para criar um imposto sobre valor agregado. De diferente, a PEC 45 propõe que a fusão resulte num só imposto sobre bens e serviços, enquanto a PEC 110 propõe um novo tributo dual: uma parte a cargo da União, e outra, dos Estados e municípios.
Uma vantagem da reforma é simplificar o
sistema. Por exemplo, com a uniformização de 27 regras diferentes que hoje
regem o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Outra,
acabar com a guerra fiscal. Ou ainda, permitir que as empresas deduzam
totalmente, a cada etapa de produção, os impostos que pagaram na etapa
anterior, acabando com o pesadelo que existe hoje. Assim, a reforma pretende
simplificar a vida das empresas e reduzir seus custos de conformidade. É
esperado impacto positivo nas decisões de negócio e no crescimento do Produto
Interno Bruto (PIB).
Os benefícios são muitos, mas a reforma
tributária aguarda aprovação há mais de 30 anos. Não é por acaso.
Olhando no detalhe, a simplificação pretendida
na reforma tromba de frente com uma constelação de especificidades e pressões
políticas. Ao longo dos anos, essas forças criaram esse monstrengo que temos
hoje e barraram as tentativas de reforma. O roteiro ameaça se repetir.
O grupo de trabalho da Câmara tem três
deputados do Amazonas. A Zona Franca de Manaus é potencialmente prejudicada com
a reforma, pois os tributos que não são cobrados lá (mas o são no restante do
país) deixarão de existir. Assim, deixa de existir o que é hoje um atrativo
suficientemente grande para levar indústrias a se instalarem num local distante
dos centros de consumo e com logística cara.
Além do fim do IPI, está previsto o fim do
PIS/Cofins, uma belezinha cujo funcionamento é regulado por um catatau de 811
artigos. Diz a lenda que ninguém na Receita Federal sabe tudo sobre ele. Hoje,
há 38 programas por meio dos quais setores específicos pagam menos ou não pagam
o PIS, e outros 43, o Cofins. Juntos, eles retiram dos cofres públicos R$ 130
bilhões.
Em teoria, o fim do PIS/Cofins acabará com
todos eles. Porém, não se espera uma rebelião generalizada dos setores hoje
beneficiados. Isso porque os regimes especiais foram criados para contornar o
problema da cumulatividade. Que, em tese, será resolvido pela reforma.
Assim, pelo menos na teoria, o fim dos
benefícios não resultará em aumento da carga tributária. As empresas pagarão o
mesmo.
Da mesma forma como a Zona Franca
pressionará por um tratamento especial na reforma, outros grupos farão o mesmo.
O setor de serviços é um deles. A PEC 45 diz que empresas dos setores de saúde
e educação terão 12 anos de tratamento diferenciado, a ser detalhado em lei.
Ninguém duvida que a lista aumentará, com itens de maior ou menor mérito,
limitando a simplificação pretendida. É o preço que está posto para a aprovação
da reforma.
Há, porém, um limite nessa construção. A
reforma tem de ser neutra, ou seja, tem de garantir que a arrecadação após sua
aprovação continue nos mesmos níveis de hoje. Assim, se algum setor for
beneficiado com recolhimentos menores, todo o conjunto restante terá de bancar
essa diferença. Como se diz no Executivo: não haverá bondade sem maldade.
Quanto mais exceções houver, maior será a
alíquota geral do novo tributo sobre o consumo que se pretende criar. Sem
tratamentos diferenciados, a alíquota seria de 25% para todos. Com tratamentos
diferenciados, poderá ficar maior.
O tamanho da alíquota era visto pelo
ex-ministro da Economia Paulo Guedes como um problema político. Embora apenas
reflita o que já pagamos hoje sem nos darmos conta, é um número elevado que
pode perfeitamente ser explorado pela oposição à proposta.
No governo anterior, a reforma tributária
tinha a seu favor um inédito consenso dos governadores em torno de uma proposta
elaborada pelo Comitê de Secretários de Fazenda dos Estados (Comsefaz) e
apresentada como emenda às duas PECs. Esse texto foi incorporado à PEC 110.
No entanto, dado que está em construção um
novo relatório, com parte das duas PECs, o apoio será reavaliado, disse a esta
coluna o governador do Piauí, Rafael Fonteles (PT), que no governo passado
presidia o Comsefaz.
Ele acha que não haverá unanimidade em
torno da proposta. Ainda assim, está otimista quanto à aprovação, dada sua
importância econômica. E também porque, desta vez, a reforma é apoiada pelo
presidente da República.
São Paulo quer protagonismo nessa discussão,
segundo se informa no entorno do governador, Tarcísio de Freitas. Acusado nos
bastidores de ter trabalhado contra a reforma tributária no ano passado, Guedes
deve ser conselheiro no Palácio dos Bandeirantes.
Não são poucos os obstáculos à frente.
Porém, além de seus inegáveis impactos econômicos, a aprovação da reforma
tributária ajudaria a desanuviar a percepção sobre a economia brasileira.
Acredita-se no governo que o clima hoje é pior do que as condições objetivas
determinariam.
Os ruídos em torno da política monetária,
ainda não superados, provocaram uma sensação de crise. Seria o contrário se o
governo tivesse centrado fogo nas duas prioridades que escolheu: reforma
tributária e arcabouço fiscal. A ver se o Carnaval contribuiu para recalcular a
rota.
Luzinha escreve verdades com delicadeza! Parabéns!
ResponderExcluirLendo e aprendendo.
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