Folha de S. Paulo
Com o aquecimento global, não será surpresa
se a historiografia "geografista" ganhar mais relevo
A tragédia em
São Sebastião mostra nossa fragilidade diante da inclemência da natureza. Ela
também nos faz lembrar dos altos riscos envolvidos na utilização
irresponsável do solo. Mas, dentro de mais alguns dias, esse ciclo
noticioso estará encerrado, e a maioria de nós não voltará a pensar no assunto,
até o próximo desastre.
Não temos dificuldade em ligar intempéries e outros fenômenos naturais a eventos catastróficos específicos, mas raramente os concebemos como forças a moldar a marcha da história. Não é que nossos historiadores sejam cegos para esses efeitos, mas a academia, por aqui, tem outros favoritos. A esquerda valoriza explicações de cunho econômico, na melhor tradição marxista. Liberais são fãs do institucionalismo. Autores que colocam o clima e, de modo mais geral, a própria geografia como elementos definidores do surgimento, expansão e desaparecimento de civilizações, como Jared Diamond, não encontram muitos adeptos.
Não vejo maiores problemas em pôr
explicações de todas essas e de outras escolas para conviver. E os
"geografistas" têm alguns achados interessantes. Raymond Fisman e
Edward Miguel, por exemplo, mostram que o clima explica conflitos civis na
África melhor do que as divisões étnicas e religiosas. Para esses economistas,
uma queda de 5% no PIB, comum em vários países nos anos de seca mais severa,
eleva em 50% o risco de ocorrer uma guerra nos 12 meses seguintes.
Na mesma linha, eles descobriram que a
estiagem também faz com que aumente o número de mulheres
assassinadas por bruxaria na Tanzânia. A deterioração das condições
econômicas leva as famílias a sacrificar membros. A escolha acaba recaindo
sobre as "bruxas", isto é, as duplamente vulneráveis: mulheres e
idosas.
O aquecimento
global está aumentando a ocorrência de eventos climáticos
extremos. Não será surpresa se a historiografia "geografista" ganhar
mais relevo nos próximos anos.
Especialmente no início das civilizações, a geografia é muito determinante, pois as características regionais, climáticas e vegetacionais definem o que é possível aos humanos de cada região, como mostrou Diamond. Com o passar do tempo, as civilizações vão se desenvolvendo e adquirindo novos potenciais, mas ainda são impactadas pelos ambientes naturais e modificados que ocupam e por onde se expandem, até se autodestruírem ou serem destruídas.
ResponderExcluirObviamente, não o conheço. Mas obrigado, Gilvan, pelo blog.
ResponderExcluirUsei este texto hoje, numa de minhas aulas.
Abraço!
😀
Mais um que agradece o editor do blog,como é bonito ler gente educada!
ResponderExcluirDe fato um texto muito importante e deveria ser lido com atenção pelos que hoje governam o país. Ministra Marina com certeza conhece bem toda esta questão.
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