segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

Irapuã Santana - Reforma do Supremo sem golpismo

O Globo

É bom lembrar que existem propostas de modificações do STF sem chegar a uma ruptura constitucional e democrática

Após a ditadura militar, criamos coletivamente em 1988 uma nova Constituição, que tem uma característica marcante para tornar o Supremo Tribunal Federal (STF) uma das instituições mais importantes do país. Ela é muito extensa, disciplinando desde os direitos fundamentais do cidadão (artigo 5º) até a que unidade da Federação compete a administração do Colégio Pedro II (artigo 242).

Por isso, durante sua sabatina no Senado, o ministro Luís Roberto Barroso declarou que “a Constituição brasileira trata de tudo, só não traz a pessoa amada em três dias”.

Na prática, tal desenho — que promete muito dentro de um Estado em que nada concede — fez com que tudo pudesse ser judicializado, inclusive a própria política.

Por isso, nos últimos anos a forma como nossa Suprema Corte vem se relacionando com os demais Poderes foi objeto de protestos, que chegaram a pedir seu fechamento ou a prever ainda outra alternativa: aumentar significativamente o número de ministros.

Obviamente não é exagero qualificar ambas as empreitadas como golpistas. Afinal, dentro de qualquer regime autoritário, um dos primeiros atos é justamente o fechamento do Congresso e da Suprema Corte. Do outro lado, em outubro de 2003, Hugo Chávez, com maioria no Congresso venezuelano, conseguiu implantar a medida, fazendo sua Corte sair de 20 para 32 juízes.

Entretanto é bom lembrar que existem propostas de modificações do STF sem chegar a uma ruptura constitucional e democrática. O curioso é que isso já vem sendo implementado por iniciativa do próprio tribunal.

Em dezembro do ano passado, o Supremo aprovou uma mudança importantíssima em seu regimento interno, durante a presidência da ministra Rosa Weber, estabelecendo que os pedidos de vista deverão ser devolvidos no prazo de 90 dias, contando da data da publicação da ata de julgamento. Assim, após esse período, os autos estarão automaticamente liberados para continuidade da análise pelos demais ministros.

Seguindo na mesma direção, a Emenda Regimental 58/2022 também determina que, em casos de urgência, a decisão monocrática do relator deve ser levada imediatamente para confirmação dos demais colegas no plenário virtual, como regra.

A reformulação do sistema se iniciou na gestão do ministro Dias Toffoli, em 2018, e recebeu propostas de todos os ministros, que a aprovaram por unanimidade, demonstrando que a Corte está integralmente dedicada a atualizar e sofisticar seus serviços.

Além de evitar paralisações por tempo indeterminado nos processos, buscou-se a implantação de um controle interno, com previsão de situações e consequências, a fim de evitar que decisões individuais deixem de ser julgadas em conjunto.

O resultado gerado é extremamente benéfico para o próprio STF e para o país, na medida em que ocorreu um aprimoramento do desenho funcional do tribunal em que o processo seguirá o seu curso, mesmo que eventualmente alguém possa tentar impedir seu andamento.

Trata-se, portanto, de retirar poder do indivíduo que está no cargo, dificultando abusos e desmandos pessoais. E passa-se a fortalecer uma grande instituição, solidificando a democracia.

 

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