segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

Miguel de Almeida - Diários da Flórida

O Globo

Diante das notícias de que Bolsonaro passa a maior parte do tempo dentro de casa, em Orlando, sem colocar o nariz na janela, imaginei que registre suas inspirações filosóficas e reflexões, vá lá, num diário:

 “Segunda-feira — Michelle voltou ao Brasil. Allan dos Santos me disse que estou engordando. Talvez seja porque deixei de fazer motociatas. Ele acha que a comida pode estar calibrada com calorias colocadas pelos petistas. Sempre eles! “Teus adversários querem te matar pela boca”, me cochichou. Perguntei em código ao Heleno o que acha da possibilidade de eu começar a fazer minha própria comida. Ele é um cara fiel. Respondeu também em código que me enviará a receita para fazer gelo.

Terça-feira — Passava do meio-dia quando acordei com telefonema do Pazuello. É outro amigo fiel. Ligou para dizer que Michelle voltou ao Brasil. Olhei no closet (adoro essa palavra) e notei de imediato que as roupas dela não estavam no armário. Abri a gaveta da escrivaninha e não encontrei lá a sua Bíblia, só uma foto da Damares. Estranho. Por que ela não levou a foto da Damares? Como fui treinado em Agulhas Negras, tratei de olhar no verso e, pimba!, achei uma mensagem em código: “Fé em Deus, Michelle. Quem crê, sempre alcança. Apoie-se em nosso salmo”. Quem será Salmo? Passei mais essa tarefa ao Heleno — “investigue esse Salmo, Heleno!”. Ele se desculpou por não ter enviado ainda a receita de gelo.

Quarta-feira — Dia cheio. Carluxo veio até aqui me avisar que Michelle voltou ao Brasil. É um filho fiel. Me mostrou uma foto dela ao lado do Costa Neto. Um pesadelo meu seria um segundo turno entre Janja e Michelle. Allan dos Santos me avisou que os petistas podem estar engordando Costa Neto.

Quinta-feira — Dormi mal. No meio da noite, Allan me acordou para dizer que Carla está em Miami. Isso me azedou o sono. Allan sabe tudo. Disse que poderia ser por causa dos dois sanduíches de linguiça com purê de batata, milho, picles, rodelas de salame e queijo prato do jantar. Discordei de imediato. Deve ter sido aquela garrafa de Fanta que encontrei aberta na geladeira. Desconfiei que estivesse sem gás.

Sexta-feira — Heleno continua me enrolando. Veio com conversa mole. Acha que tenho de redigir uma declaração aos meus eleitores. Fiquei sem entender. Seria por que Michelle voltou ao Brasil? Como escrever se continuo com azia? Disse que nada feito. Ando sem tempo. Estou colorindo um livro que José Aldo me deu de presente. Um amigo fiel.

Sábado — Carluxo avisou que Donald não ligou. Ele também perdeu a eleição, sei o que anda passando. Será que toma Fanta laranja sem gás? Faz tempo, disse que me chamaria para conversarmos na sua casa. Até separei uma roupa, mas nada até agora. Se Michelle não estivesse no Brasil, perguntaria a ela se o acha um amigo fiel.

Domingo — Allan me levou na Home Depot. Passamos lá a tarde inteira. Deu para comparar os preços de churrasqueira. Que emoção. Fotografei todas as opções. Agora tenho um álbum delas. São tantos os modelos, não consigo decidir sozinho. Estou me acostumando com a companhia do Allan.

Segunda-feira — Mais uma semana cheia pela frente. Não estou cansado de andar pela casa. Ao menos comecei este diário. Nunca pensei que escrever minhas atividades fosse tão difícil. Allan me contou que uma tia dele leu os diários do Fernando Henrique e não entendeu nada. Sou mais eu. Heleno, que anda me enrolando, disse que o Mourão também escreve um diário. “Kkk”, ri com ele. Mourão sempre quis ser um intelectual. Michelle nunca rezou pela mesma Bíblia dele. Me dizia que Mourão tinha inveja do meu potencial. Ouvir isso me faz voar. Hoje não tomei Fanta laranja. Preferi Fanta uva.

Terça-feira — Donald não ligou. Queria andar de jet ski com ele.

Quarta-feira — Dia cheio. Saí para comprar mais lápis de colorir. De todas as cores.

Quinta-feira — Estou achando que o Donald é um falso. Só se interessava por mim porque eu tinha poder.

Sexta-feira — Logo que acordei, Allan me leu o noticiário. Disse que Lula chamou Temer de golpista. Liguei na hora, queria prestar solidariedade, mas ele não me atendeu. Allan me ajudou a redigir uma mensagem. “Mantenha o foco”, escrevi. Allan sugeriu que eu acrescentasse: “A espinha ereta”. Mas achei que Temer poderia levar para outro lado. Só coloquei um “mantenha isso aí”. Essa discussão me tomou o dia inteiro.

Sábado — Nada novo na fronte. Michelle está no Brasil. Heleno não me passou ainda aquela receita. Será que Donald vai ligar? Amanhã vou comprar aquela churrasqueira.”

 

3 comentários:

  1. O que Bolsonaro espertamente escondeu do colunista!
    Na primeira sexta-feira, "Heleno acha que tenho de redigir uma declaração aos meus eleitores."
    Pensamento do "diarista" não incluído aqui, só no diário secreto que todo militar inteligente possui:
    "SERÁ QUE ELE QUER QUE EU CONFESSE TODOS OS CRIMES? Rachadinhas, tentativas de golpe, corrupções nos cartões corporativos, sabotagem e atrasos nas vacinas, abandono dos ianomâmis, estímulo às invasões das terras indígenas?"

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  2. A indescritível rotina de Bolsonaro nos esteites: só foi publicado o publicável. Os sonhos eróticos com Trump são inconfessáveis.

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