terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

J. R. Guedes de Oliveira* - Visita de um poeta a um advogado e escritor

Neste 2023, marcamos os 125 anos de nascimento do poeta Rodrigues de Abreu (1897-1927) e os 130 anos de nascimento do advogado, jornalista e escritor Paulo Setúbal (1893-1937). Ambos, falecidos em pouca idade: o poeta de Capivari, com 30 anos de idade, e o de Tatuí, Paulo Setúbal, com 44 anos de idade. Figuras exponenciais das nossas letras, cujas memórias devem e precisam ser sempre reverenciadas.

Conta-se que por volta de 1921, o poeta da “Casa Destelhada”, procurava trabalho na capital paulista, por interferência de Amadeu Amaral, seu conterrâneo de Capivari. Buscou, ele, o amparo do ilustre tatuiense, que, de sua grande generosidade, jamais lhe faltaria o apoio necessário.

Registra-se, por um artigo de Paulo Setúbal, publicado na revista A Razão, na época uma das mais célebres publicações culturais do Brasil, este encontro, na capital. Por ser um texto profundo e de real valor histórico, reproduzimos aqui o que, de fato, se registrou e que serve, inegavelmente, para se aquilatar a grandiosidade de um poeta e de um célebre escritor do nosso país:

“Meu pobre Rodrigues de Abreu... Ainda me recordo, com dolorido carinho, daquele moço pálido, cor de cera velha, que um dia surgiu, muito tímido, pela minha casa adentro. Era magro. Tinha os cabelos longos e negros. Vinha trajado, não com simplicidade, mas com marcada pobreza.

Entrou. Sentou-se. E, respeitoso, cheio de infinita doçura, disse-me humildemente:

- Eu queria falar com o doutor Paulo Setúbal.

- Sou eu mesmo. Que é que o senhor quer?

- Eu me chamo Rodrigues de Abreu e vim para...

- Quê? Você é o Rodrigues de Abreu? Você? E você a me chamar assim de doutor! Que é isso? Dá cá um abraço, Rodrigues! E outro.... E ainda outro...

Abracei-o com alvoroço. Abraceio-o com entusiasmos quentes. Abraceio-o com maior e com mais puro enternecimento. Estava ali, diante de mim, naquele rapaz humílimo, um dos mais altos valores da minha geração. Estava ali, naquele rapaz andrajoso, naquele vencido, um dos maiores, e, talvez num certo sentido, o maior poeta moderno do seu tempo. Esse moço, que morreu tuberculoso, que morreu longe do tumulto do mundo, aos 30 anos, não teve em vida louvores e palmas para glorificá-lo.

Não teve a fanfarra dos jornais para apregoá-lo. Não teve o trombeteiro de amigos para lançá-lo às alturas. Nada disso. Morreu quase ignorado. Morreu em Bauru, longe, num retiro esquecido dos homens. Apenas meia dúzia de amigos e, com eles meia dúzia de leitores, sabiam que, ao desaparecer aquele desditoso, desaparecia um poeta de raça, poeta dos que mais o tem sido, poeta da estirpe sagrada dos eleitos. Mas esse indeferentismo dos coevos, essa obscuridade em que ele afundou na morte, é coisa de que a posteridade há de rir. Ele deixou dois livros A Sala dos Passos Perdidos e, principalmente, Casa Destelhada. Essas duas obras lançá-lo-ão à imortalidade e à glória. Podem já agora correr os anos: o ingrato olvido terreno não o atingirá jamais.

Dia virá, estou certo, em que a justiça dos homens, às vezes ai! tão lerda, há de erguer num pedestal o nome de Rodrigues de Abreu, do poeta pobrezinho e desvalido que morreu tísico em Bauru, e, clangorosamente, triunfante, ao som de trombetas e rufos, há de coroá-lo de rosas e de guirlandas. Ele bem o merece!”.

Paulo Setúbal, com a sua grandeza pessoal e pelo carinho que ele nutria para com o poeta Rodrigues de Abreu, lhe presta esta homenagem cálida, recordando um fato ocorrido na década de 20. Vai além o seu depoimento. Mas seria muito longo reproduzi-lo. Assim, ficamos com a receptividade de acolhimento, em sua casa, do saudoso poeta capivariano.

A história da poesia e das figuras proeminentes do nosso país teve o impulso de outros tantos cultores da memória e admiradores patrícios. Em São Paulo, capital, uma praça em nome de Rodrigues de Abreu; Bauru, com a sua Biblioteca Pública Municipal “Rodrigues de Abreu”, Escola Técnica – ETC Rodrigues de Abreu e Praça Rodrigues de Abreu; Capivari, sua terra natal, com a sua herma localizada na Praça Dr. Cesário Motta e a Praça Rodrigues de Abreu (principal do centro da cidade). E outras mais que se espalham pelos cantos do país, em homenagem a tão grata figura.

Compreende-se, portanto, a obra de Rodrigues de Abreu como sendo uma das mais belas e sensíveis, não só pelo seu profundo teor religioso e espiritual, mas, também, pela sua forma de escrita, heranças estas que lhe passaram Olavo Bilac, Knut Hamson, Rabindranath Tagore, Antonio Nobre e, principalmente, pelo seu modernismo, Walt Whitman.

* Intelectual e historiador, autor de várias obras em que se destaca Quatro Figuras (Astrojildo Pereira, Tarsila do Amaral, Octávio Brandão e Rodrigues de Abreu), editada pela Fundação Astrojildo Pereira, de Brasília.


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