terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

Eliane Cantanhêde - Cadê o Lulinha paz e amor?

O Estado de S. Paulo.

Lula precisa revisitar Mandela: além de preencher lacunas e construir, curar feridas

“Chegou o tempo de curar as feridas. Chegou o tempo de preencher as lacunas que nos separam. Chegou o tempo de construir.” O discurso de Nelson Mandela, ao assumir a África do Sul, em 10 de maio de 1994, após 27 anos de cárcere, foi prestigiado por líderes de todos os continentes em Pretória e marcou não só uma nova era no país, mas no mundo.

Brasil não é África do Sul, o racismo é parte dos muitos problemas estruturais brasileiros e Jair Bolsonaro representa o oposto do que Frederik Willem de Klerk significou na fantástica transição do país. Bolsonaro destruiu e devastou. De Klerk, antecessor de Mandela, trabalhou pela união, reconstrução e reinserção sul-africana no mundo.

Apesar das diferenças, há coincidências. Lula tem origem na parte oprimida da sociedade e saiu da prisão para a vitória e pregou união, igualdade, diversidade, reconstrução e o fim de um Brasil pária internacional. Tem responsabilidade imensa com o Brasil, os brasileiros e sua própria história. No 1.º mandato, dizia que não tinha o direito de errar. No 3.º, definitivamente, não tem. Seria a volta do ódio, isolamento, descaso com os mais pobres, ambiente, indígenas.

É por isso, e pelo 8/1, que tantos amenizam as críticas e focam no lado bom de Lula 3, a reinclusão do Brasil no mundo, a ação firme pró-Yanomami, programas de moradia, bolsas de estudo, cultura, educação, vacinação. O governo não completou nem cem dias, consumiu um bom tempo na defesa da democracia e no balanço de uma herança efetivamente maldita. Em 2003, era marketing. Em 2023, é a mais pura verdade. Logo, Lula ainda está no que há décadas se combinou chamar de “lua de mel” para presidentes que se instalam. No caso dele, com muito mais razão.

Isso não dura para sempre. Por isso, Lula lança programas de grande alcance social, vai pessoalmente e envia uma penca de ministros para acudir o litoral paulista, já visitou Argentina, Uruguai e EUA, vai à China, dialoga com líderes de França, Alemanha, UE e vai conversar com os de Rússia e Ucrânia.

Não pode, porém, ignorar a tragédia na Nicarágua, passar a imagem de estar sempre no ataque, confrontando BC, ricos, adversários e embaçar a importante mobilização de ontem, com governador e prefeito, usando discurso mal-humorado e fora de tom. Ele, como seus críticos, precisa baixar a guarda, porque os inimigos da Nação estão à espreita. Como dizia Mandela, é tempo de curar feridas, preencher lacunas e construir. Lulinha paz e amor faz falta.

 

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