Valor Econômico
Lula não pode trocar o comandante do BC
como quem troca o comandante do Exército
Aos 77 anos, depois de amargar 580 dias
numa prisão, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ganhou uma eleição e, há um
mês, venceu uma guerra. Agora acredita que pode trocar o presidente do Banco
Central da mesma forma que substituiu o comandante do Exército. Os cartuchos
hoje lhe sobram mas, desperdiçados, podem lhe faltar.
Nenhuma outra liderança teria conquistado
as duas vitórias. Já tem um lugar na história a visão estratégica de Lula de
recusar a decretação da operação de Garantia da Lei e da Ordem com a qual se
pretendia limpar o passivo da adesão militar ao bolsonarismo e manter as Forças
Armadas no eixo do poder.
Some-se à primazia, a chance de conquistar a opinião pública mundial como o líder que salvou a maior reserva indígena do país. Para completar, o capitalismo tupiniquim tipo exportação mostrou, no caso das Americanas, que a ação predatória não é uma prerrogativa do Estado e embaralhou o jogo ideológico do bolsonarismo.
Esta conjunção favorável dos astros não
confere uma licença para Lula neles pisar distraído. Além de distração de um
presidente cuja visão parece turvada pelos êxitos, a cantilena contra o BC é um
erro - mais de método do que de mérito.
Tem procedência a queixa de Lula. A meta de
inflação é de 3,25% em 2023 e de 3% em 2025. O regime estabelecido em 1999
aceita uma variação de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo. Há bons
economistas na praça a lembrar que, em junho de 2002, o mesmo governo que
estabeleceu o regime de metas de inflação a alterou para o ano seguinte de
3,25% para 4%. E ainda alargou a banda de variação de 2% para 2,5%.
Em artigo recente, Claudio Adilson Gonçalez
argumentou que países endividados só conseguem taxas de inflação muito baixas
quando adotam políticas fiscais muito austeras e que, por isso, uma meta de 4%
seria mais realista do que 3%. Além disso, é compreensível que um presidente
recém-eleito veja numa taxa de juros de 13,75% uma ameaça ao crescimento e ao
crédito, tema uma inadimplência espraiada e uma economia sufocada.
O problema é Lula, que sempre atuou como
árbitro nas disputas de seu governo, ter assumido a linha de frente da
investida contra a autoridade monetária. Não apenas não há quem arbitre uma
disputa com o presidente da República como sua cantilena diária acaba por minar
as chances de o objetivo desejado, a elevação da meta, ser alcançada.
Ao chamar Roberto Campos Neto de “cidadão”
e o comunicado do Copom de “vergonhoso”, dizer que a independência do Banco
Central não serve pra nada e ameaçar mover sua base no Senado contra o mandato
do presidente do banco, Lula adiciona incertezas à conjuntura e respalda a
autoridade monetária a atuar no sentido inverso ao pretendido. Como todos os
presidentes - o antecessor incluído - Lula faz oposição ao próprio governo. Só
que o BC não é mais governo. Bater em sua autonomia é contraproducente, simples
assim.
Campos Neto colaborou com a campanha do
ex-presidente Jair Bolsonaro em 2018, vestiu o uniforme verde-amarelo nos dois
turnos da reeleição e confraternizou além da conta com a claque bolsonarista,
mas não deixou de subir a taxa de juros na campanha em que seu candidato
buscava a reeleição.
Além disso, Lula acaba por desautorizar os
auxiliares que fazem a interlocução direta com o Banco Central. O mais
espremido deles é o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. A pressão do
presidente afeta a margem de manobra do ministro na reunião do Conselho
Monetário Nacional, onde tem assento, além de Campos Neto, a ministra do
Planejamento, Simone Tebet.
O dano não se limita ao CMN. Haddad está em
plena negociação da reforma tributária e de seu pacote fiscal com o Congresso
Nacional. Negociação dura e intrincada. Basta constatar que o modelo de
formação de maiorias na instância de apelação para infrações tributárias, o
Carf, que a Fazenda quer mudar, teve no atual presidente da Câmara dos
Deputados um de seus principais defensores.
O ministro precisa aprovar esta reforma
para fazer jus à “amigável” aposta em seu pacote feita pela ata do Comitê de
Política Monetária. A credibilidade da nova âncora fiscal, a ser apresentada em
abril, está vinculada ao sucesso da reforma nas receitas do Estado.
O insucesso de Haddad não comprometeria
apenas a política econômica de Lula mas a própria correlação de forças entre
Executivo e Legislativo. Todo governo novo assume com força para dar as cartas.
Basta ver a garfada no orçamento secreto. Uma derrota no pacote fiscal e na
reforma tributária reposicionaria os pratos desta balança e devolveria ao
Congresso, especialmente ao deputado Arthur Lira (PP-AL), prerrogativas no
diálogo com a finança e a indústria que a posse conferiu ao Executivo.
É natural a pressa por resultados. Todos
têm. Tanto o presidente, que abandonou cedo demais a promessa de disputar um
único mandato, quanto ministros que jogam seu futuro político nos mandatos que
exercem, e, principalmente, o eleitor desempregado, desabrigado e
desesperançado.
Lula conseguiu unir os Poderes em torno da
defesa da democracia e tem o Supremo mobilizado para o desmonte do achincalhe
bolsonarista contra as instituições. Foi capaz, ainda, de reunir um número
inédito de governadores. Atraiu até aqueles que se mantiveram ao lado de
Bolsonaro a despeito da garfada nas finanças estaduais na escalada de
desoneração da campanha eleitoral. Reuniu-se, ainda, no primeiro mês de
governo, com representantes de 15 países, metade do que Bolsonaro o fez em
quatro anos de mandato.
Não é razoável que, depois de tantos
êxitos, o presidente da República esbraveje como um derrotado. O primeiro sinal
de inflexão aconteceu ontem ao discursar para os presidentes de partidos que
integram a base do governo. Lula conseguiu defender o direito de os eleitos
estabelecerem as políticas econômica e social respaldadas pelas urnas sem
mencionar o BC.
Na relação com aqueles com quem cultiva
divergências na política monetária, bastaria seguir o conselho de Vito Corleone
para seu filho, Michael: “Nunca sinta ódio pelos inimigos, isso atrapalha o
raciocínio”.
Pois é,não devemos sentir ojeriza por ninguém.
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