Folha de S. Paulo
Há um significativo contingente de
brasileiros em cujas vidas o Estado não está presente de maneira positiva
No momento mais tocante da cerimônia de
posse, Lula e Alckmin subiram a rampa do Palácio do Planalto acompanhados por
um menino negro, um líder indígena, um metalúrgico, um professor, uma
cozinheira, um jovem com sequelas de paralisia cerebral, um artesão e uma
catadora de material reciclável —de quem o eleito recebeu a faixa. O grupo
simbolizava a diversidade do povo pobre, destinatário primeiro do
governo encabeçado por um político de esquerda.
É justo que assim seja em um país onde a renda média per capita, em 2021, foi de R$ 1.500 e só 1% da população faturou mais do que R$ 11.300. Quando a pobreza é avassaladora —e mãe de múltiplas desigualdades—, governos progressistas devem fazer de seu combate prioridade e razão de ser.
Além do que foram os mais pobres, nos
quatro pontos cardeais, os outorgantes da vitória à ampla coligação encabeçada
pelo PT. Pesquisas anteriores ao primeiro turno mostraram que Lula só batia Bolsonaro entre os muitos milhões
de brasileiros sobrevivendo com até dois salários mínimos.
Nem por isso cabe imaginar que a sociedade
brasileira consista em um amontoado de destituídos e uma ínfima elite de
endinheirados sanguessugas. Tampouco se pode conceber que um governo
progressista deva única e exclusivamente cuidar dos muitos e exortar os poucos
à generosidade.
Entre uns e outros, há um significativo
contingente de brasileiros de variadas ocupações, em cujas vidas o Estado não
está presente de maneira positiva. Em 2016, encomendei pesquisa de opinião para
entender melhor esse grupo —então chamado, imprecisamente, de "novas
classes médias".
Os dados mostraram que a melhora por elas
percebida em sua condição, nos anos do boom petista, era atribuída ao esforço
próprio, a Deus e ao apoio da família, nunca a decisões de governo. Em geral,
simpatizavam com o PSDB, embora, dois anos antes, uma parcela tivesse votado
em Dilma Rousseff.
Em 2022, consolidando um padrão, as
sondagens eleitorais indicavam que praticamente a metade dos brasileiros com
renda entre dois e cinco salários mínimos preferia Bolsonaro, enquanto 40%
optavam pelo petista. De porte semelhante era a vantagem de Bolsonaro no grupo
cujos ingressos superavam cinco salários mínimos (Quaest Consultoria e
Pesquisa).
Embora não estivessem representados na
rampa em 1º de janeiro, seria grave equívoco ignorá-los nas falas e ações de um
governo empenhado em desradicalizar a vida política, o que dele demanda cuidar
da qualidade da ação estatal: na segurança pública, na educação e na saúde
—além da intransigência com a corrupção e o patrimonialismo no seu quintal.
*Professora titular aposentada de ciência
política da USP e pesquisadora do Cebrap.
"Intransigência com a corrupção" NÃO é o forte de Lula e nem do PT...
ResponderExcluirCurta e direta.
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