quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

Cristiano Romero - NME, recessão e polarização: 'consequências vêm depois'

Valor Econômico

Ausência de 'mea culpa' de Lula pesa na desconfiança da sociedade

Quando as manifestações de 2013 tomaram as ruas de São Paulo e, nas semanas seguintes, das maiores capitais, o alvo dos protestos não era a gestão da presidente Dilma Rousseff. Embora o governo já tivesse, digamos, “contratado” a longa crise que se abateu sobre a economia no primeiro trimestre do ano seguinte, a sensação geral ainda não era de desconforto ou medo com o que viria.

A taxa de desemprego, naquela ocasião, chegou ao menor nível da série histórica apurada pelo IBGE e o Produto Interno Bruto (PIB) mostrava alguma recuperação em relação ao ano anterior. É verdade que o aumento da atividade em 2013 decorreu da constatação da equipe econômica de que a Nova Matriz Econômica (NME) fracassara e que, portanto, considerando-se a manutenção do projeto de poder do PT, só restava ao governo sucumbir ao populismo fiscal.

É evidente que não foram somente os equívocos cometidos pelo governo que jogaram o Brasil na Grande Recessão (2014-2016). Em 2012, a China, principal destino de nossas exportações agrícolas e de matérias-primas, começou a moderar sua taxa de crescimento, que havia uma década vinha expandindo-se acima de 10% ao ano. Sem dispor do dinamismo estrutural da economia americana, a Europa ainda lidava com os efeitos devastadores da crise mundial de 2008.

Não se tratava mais de um cenário de disrupção em escala global, mas, certamente, de uma novidade com a qual os mercados precisariam lidar dali em diante: a economia chinesa, a segunda maior do mundo e principal responsável, na primeira década deste século, pelo "boom" de commodities que tanto beneficiou países como o Brasil, ancoraria seu modelo de desenvolvimento, baseado até então em exportações, no mercado interno; o resultado foi a moderação do crescimento nos anos seguintes.

Diante disso, o que fez o governo brasileiro? “Brigou com a notícia”, como costuma dizer meu colega Sergio Leo quando vê “coleguinha” fazendo esforço monumental para não enxergar o óbvio. Naquele momento, fatores fora do controle do país pressionaram para baixo o crescimento das economias. O ritmo acelerado dos anos anteriores criou desequilíbrios tanto no front inflacionário quanto na área fiscal, uma vez que, desde 2008, o governo decidira abrir os cofres para estimular as empresas a investirem, a qualquer custo.

O Brasil, graças à disciplina fiscal e monetária empenhada no primeiro mandato do presidente Lula (2003-2006), saiu rapidamente da crise financeira global de 2008. No auge daquela turbulência, economistas do PT e ligados ao partido decretaram o “fim” do capitalismo como o conhecemos, por isso, caberia ao país seguir outro caminho, se quisesse continuar crescendo. A crise foi usada como argumento para, nos últimos dois anos do segundo mandato de Lula (2006-2010), abrir-se o cofre do Tesouro Nacional e, assim, promover, talvez, o maior volume de transferência de renda, via subsídio creditício e direto, a grandes empresas nacionais e multinacionais, todas com acesso fácil aos mercados de capitais aqui e alhures.

Em consequência da sanha do governo em incentivar as companhias a investir no aumento da capacidade de produção, em 2010 o PIB brasileiro avançou 7,5%, a maior taxa em 24 anos. A popularidade de Lula bateu recorde (85%), Dilma derrotou José Serra (PSDB) na disputa presidencial e a inflação deu uma esticada no fim daquele ano. Um dado chamou a atenção dos analistas que não brigam com a notícia: a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), que reflete a taxa de investimento das empresas em máquinas, equipamentos e construção civil, estagnou em meados de 2010. E por que isso aconteceu?

Não há crescimento sustentável sem elevação de investimentos. Os presidentes Lula e Dilma achavam que, para haver investimento, basta o próprio governo oferecer crédito barato aos baldes e subsidiado (cobrando-se taxa de juros bem inferior às do mercado). Dilma foi bem mais longe com essa crença. Como a oferta farta de dinheiro barato que começou a ser oferecida a partir de 2008 não resultava em mais crescimento, a presidente decidiu mexer nos “termômetros”: obrigou o Banco Central a cortar a taxa básica de juros na marra, forçou-o também, com a ajuda do Ministério da Fazenda, a desvalorizar o real para aumentar a competitividade das empresas que produzem aqui e, depois, quando nada disso deu certo e o efeito foi o oposto do esperado, chamou os consumidores, via subsídio, para acudi-la - a palavra é esta porque, desde o início, o objetivo era fazer a economia crescer porque, na sua visão, sem isso ela não seria reeleita em 2014.

Se Dilma tivesse consultado seu mais novo "amigo de infância" em 2011 - o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso -, ele teria lhe dado conselho magistral baseado em sua experiência. Entre abrir o Tesouro e dar dinheiro de graça a grandes empresas, com a crença de que investiriam a rodo e seríamos felizes para sempre, ele diria a ela que optasse por cuidar da inflação, que se assanhou durante todo o seu mandato. Em 1998, o PIB do país cresceu apenas 0,34%. É, mas a inflação foi a menor da história (1,65%). E, desse jeito, FHC derrotou Lula pela segunda vez no primeiro turno da eleição.

No Brasil, inflação baixa ainda é mais importante para a maioria das pessoas do que ter um emprego formal. Por quê? Porque metade da força de trabalho atua na informalidade e mais de 100 milhões de pessoas têm como renda um salário mínimo. Se tem uma faixa de população que tem horror à inflação são os beneficiários de programas de transferência de renda e os pobres.

Bem, como nada deu certo, Dilma recorreu a mais alguns expedientes que nos levaram, sem a influência de fatores externos, à Grande Recessão, ao renascimento da extrema direita e à agudização da polarização política no país. Já passou da hora de os petistas entenderem que "as consequências vêm depois". (Esta série continua na próxima semana)

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