Raramente se vê tais sentimentos e atitudes em outras partes do mundo em relação a minorias anteriormente desprezadas. As encenações façanheiras e politiqueiras que se fazem, cada vez que algo de ruim acontece com algum povo indígena, apontam para algo convulsionado e indefinido, um misto de hipocrisia e malandragem acoplados a uma genuína curiosidade e apreensão que atingem a quase todo mundo. É dentro desta nação, afinal, com uma extensa história de desigualdades e injustiças perpetradas por sua elite e classes médias, que as vertentes culturais e políticas se engalfinham entre si, às vezes desesperada e desavergonhadamente, para conquistar o poder e predominar sobre o seu destino.
Que as opiniões sobre o tema indígena divirjam, no dia a dia, entre pessoas de procedência cultural, social e política diferentes, e mesmo no interior das classes sociais, estilos de vida, urbanidade e rusticidade social, contando profissionais liberais e militares, é razoavelmente previsível em uma tal sociedade multifacetada e conflituosa como a nossa, tal como estamos vivenciando neste exato momento em fevereiro de 2023. Previsível, mas não aceitável. Tempos atrás, dir-se-ia, nenhuma vertente política parecia ter qualquer interesse em reconhecer os povos indígenas por suas próprias virtudes – culturais, experimentais, pedagógicas, sociais e psicológicas -, muito menos conceder-lhe um espaço na arena social do país e lutar ao seu lado por direitos aos quais eles fazem jus. A não ser de um modo condescendente ou do alto de uma pretensa superioridade moral.
Perscrutando com mais cuidado, entretanto,
vê-se que havia e sempre houve sentimentos de interesse e solidariedade aos índios
do Brasil, desde o mais remoto tempo. E é nisso que temos que nos apegar para
manter alguma fé que o Brasil poderá chegar a um caminho de justiça para com os
índios. A carta de Pero Vaz de Caminha já nos mostra isto. O papel dos
jesuítas, igual. A mestiçagem e a aceitação da elevação do mestiço, também. Na
Independência do Brasil, teve a palavra franca e resoluta de José Bonifácio,
admoestando a jovem nação a reconhecer o precedente privilegiado da autoctonia
dos índios e, portanto, a sua inserção legítima e natural na nação. Dessa
recomendação se levantaram poetas, escritores e, ao final, Rondon, um estrito
militar positivista, descendente de bandeirantes paulistas e índios nativos do
seu estado do Mato Grosso, para fazer o bem aos índios e demonstrar-lhes que
existe um lugar especial no coração do Brasil para eles.
O reconhecimento nacional e o prestígio moral
de Rondon criaram uma política indigenista que intencionava cumprir o princípio
positivista de que as sociedades indígenas, embora vivendo no estágio do
animismo ou fetichismo, podiam pular fases ou estágios evolutivos e chegar ao
estágio final, o positivo, o científico, o racional, simplesmente porque eram
constituídas por seres humanos com todas as capacidades mentais e psicológicas
para tanto. Rondon não precisava de nenhuma pesquisa para saber disto,
desdenhando deliberadamente a influência doutrinária do darwinismo social e do
racismo prevalente àquela época. É certo que muitos duvidaram da capacidade do
índio, em sua cultura, para “evoluir” e alcançar um patamar de atuação pessoal
igual a uma outra pessoa que fosse criada numa sociedade moderna. Essa
impertinência tem ainda ressonância em nosso tempo até nas mesmas hostes
sociais onde prevalece o reconhecimento rondoniano, e deve ser colocado na
equação cultural que faz mover sentimentos e atitudes para com os povos
indígenas e suas pretensões de fortalecer sua presença na nação.
Ao pôr em questão o reconhecimento do valor do
índio, razão para suas pretensões na nação, faz mister realizar uma avaliação
sobre quais ou qual das vertentes políticas e culturais do país se dedicaram
verdadeiramente a fazer o bem aos índios, e como. É desse jogo de
empurra-empurra que se trata a celeuma que labutamos nesses dias em função da
crise humanitária por que passam os Yanomami.
Daí que, para trazer as coisas à luz do dia, a
avaliação deve ser feita a partir, não unicamente do que pensa, mas dos
resultados práticos decorrentes das ações políticas realizadas pela tal Direita
e, por sua vez, pela tal Esquerda, sobre os índios brasileiros no passado e na
atualidade. Em seguida, jogando futebol de várzea sem chuteiras e baixando a
bola, perguntemo-nos cruamente quem fez mais pelo índio nos últimos governos,
Lula ou Bolsonaro, sem deixar de mencionar alguns casos de governos mais para
trás na nossa história.
A Direita brasileira é o vetor político que
perdeu sua condição anterior de ordenadora do poder no nosso país. Já o foi, se
pensarmos que a monarquia é uma modalidade de governo essencialmente de
Direita, bem como, necessariamente, a colonização portuguesa. Em tempos
coloniais, em relação aos índios, a Direita os via como seres desprezíveis, na
melhor das hipóteses, como reles potenciais trabalhadores, medíocres
trabalhadores, aliás, que nem escravos davam para ser, e quiçá como possíveis
cristãos, à força de ferro e fogo, no dizer do venerando jesuíta Padre Manuel
da Nóbrega, ainda em meados do século XVI. Num sentido mais caprichado, pode-se
dizer que o grande jesuíta Padre Antonio Vieira era um homem de Esquerda, pois
foi a favor da aceitação do judeu e do cristão novo na nação portuguesa, e
efetivamente encarou muita adversidade e ódio dos colonizadores para defender
os indígenas do Maranhão e da Bahia. O marquês de Pombal, que instituiu uma
série de reformas modernizadoras em Portugal, inclusive implantando o
cientificismo na Universidade de Coimbra, expulsou os jesuítas por, entre
outras razões, proteger os índios, mantê-los fora do mercado de trabalho e
enriquecer os cofres da Companhia de Jesus.
Mostrando-se um homem ilustrado em seu anti-jesuitismo, por isso festejado até pelo insigne filósofo Voltaire, Pombal quis fazer dos índios incrustados nas missões e daqueles já desconstruídos etnicamente, vivendo nos arrabaldes das vilas e arraiais luso-brasileiros, gente apta a ser investida na qualidade social de vassalos do Reino e cidadãos livres de pleno direito. Peneirando o cascalho, que é aqui de Direita ou de Esquerda? Tudo isto é contado simplesmente para desanuviar o sentimento de que a história do Brasil não passa de um massacre sobre os povos indígenas. Havia forças de resistência nesse mundo em preto e branco.
Pulando para o século XX, Getúlio Vargas, ao
tomar o poder em 1930, convocou grande parte da inteligência nacional para
participar de um governo que se dizia de união nacional e pretendia dar uma
cara nova à nação, e muitos aceitaram seu convite.
Porém, quanto aos índios, por birra com o
general Rondon, que, positivista ortodoxo, recusou participar de um governo que
já nascera de pé torto por ser produto de uma revolução, quando no máximo que
um líder positivista, como Rondon acreditava que Getúlio o fosse, deveria
resultar de uma natural “evolução” da sociedade, Getúlio quase extinguiu o
Serviço de Proteção aos Índios, o qual, bem ou mal, criado em 1910, no governo
Nilo Peçanha, por um ministro da Agricultura, rico fazendeiro de São Paulo,
estava fazendo o possível para banir do Brasil os matadores de índios, bugreiros,
usurpadores de terras, escravagistas de índios nas regiões de cacau, borracha e
castanhais, etc. De uma agência ligada ao Ministério da Agricultura, Getúlio
rebaixou o SPI a uma simples repartição do Departamento de Fronteiras do
Ministério da Guerra, diminuindo seu parco orçamento e deixando dezenas de
postos indígenas espalhados pelo Brasil sem condição nenhuma de proteger os
índios de seus ferrenhos usurpadores. Atender aos doentes, nem falar!
Além do mais, cavilosamente enviou Rondon, já um militar de grande prestígio nacional, para pastar por quatro anos em Tabatinga, na tarefa oficial de dirimir um problema de fronteira entre o Peru e a Colômbia, para o qual o Brasil fora designado como árbitro. Rondon não se deu por achado, cumpriu sua missão com paciência franciscana e denodo moral e, ao voltar, foi ter com Getúlio, já então em vias de se fazer ditador, e recuperou a posição original do SPI, além de criar o Conselho Nacional de Política Indigenista para o qual convidou grandes figuras impolutas e reconhecidamente respeitadoras e promotoras do índio, como Heloisa Alberto Torres, o general Jaguaribe, Roquette-Pinto e outros mais.
O SPI voltou com nova potência e começou a
atuar com mais firmeza na demarcação de terras e na efetivação da política de
proteção que tinha perdido nos primeiros anos do período getulista. Com a
introdução de remédios farmacêuticos contra malária, como Aralen, a vacinação
contra varíola chegando aos postos indígenas e a produção de sulfas e mais
tarde penicilina, o tratamento da saúde indígena começou a melhorar, ainda que
não houvesse sinais senão de decréscimo populacional continuamente.
Por sua vez, quando de volta ao poder presidencial por eleição, na quadra de 1951 a 1954, interrompida por seu suicídio, Getúlio foi convencido por Rondon, Darcy Ribeiro, Orlando Villas-Boas e Eduardo Galvão a realizar a grande façanha nacional que foi a criação do Parque Nacional do Xingu, que deveria abranger em torno de 20 milhões de hectares, um território quase do tamanho do estado de São Paulo, para abrigar os povos indígenas do Alto Xingu e circunvizinhanças, compreendendo as terras entre a margem esquerda do Rio Araguaia até à margem direita do Rio Teles Pires.
Getúlio prontamente assinou e despachou o
processo de criação deste fabuloso parque, o qual, passando pelos escrutínios
políticos e meandros burocráticos, só foi concluído efetivamente em 1961, pelo
indecifrável presidente Jânio Quadros, por acaso amigo de juventude de Orlando
Villas-Boas, porém num tamanho um décimo da proposta original. Orlando aceitou
o feito, Darcy aceitou-o igualmente, Rondon já morrera.
Assim se deu o início do reconhecimento
oficial brasileiro de que terras indígenas não são glebas de terras para o
sustento físico dos seus habitantes, exclusivamente, porém, mais além,
territórios conquistados e culturalizados por um ou mais povos indígenas que
lhes dão sentido humano e do sagrado. Não fosse esse entendimento não haveria a
Terra Indígena Yanomami, no Brasil, e por emulação, na Venezuela. Nem tampouco
as grandes terras que passaram a ser reconhecidas e demarcadas por toda parte,
especialmente na Amazônia, exclusivamente para gozo e benefício dos povos
indígenas.
Pergunta-se: Getúlio agiu como um homem de
Direita ou de Esquerda em sua relação com os povos indígenas e em função de seu
relacionamento pessoal, ainda que claudicante, com o general Rondon? E Jânio
Quadros, foi de Esquerda ou de Direita ao encarar os fazendeiros de Goiás e
Mato Grosso para não demarcar nada, mas ter demarcado um tantinho só do que
havia sido deferido por Getúlio? Efetivamente, são perguntas não retóricas, mas
a resposta correta não é tão simples.
Por sua vez, o governo militar (1964-1985) logo de cara pretendia acabar com o SPI porque era um antro de comunistas e gente de índole muito esquerdizante ou liberal, havendo inclusive uns sujeitos corruptos. Seu diretor em 1964 era ninguém menos que Noel Nutels, famoso e benemérito médico que tinha criado o serviço de saúde indígena no intuito de acabar com as doenças tradicionais que ainda abatiam centenas de índios ao primeiro contato de contaminação, como a famigerada varíola, sarampo, coqueluche, tuberculose, gripes em geral, e malária. Noel Nutels era um conhecido membro do PCB, amigo próximo de Darcy Ribeiro, Orlando Villas-Boas e Francisco Meirelles, este último também comunista. Tanto fez, tanto erros e crimes acharam na atuação do SPI Brasil afora, especialmente através de uma inspeção levada a cabo por um promotor ligado aos militares, que alguém, de dentro do SPI se sentiu à vontade para causar um incêndio nos arquivos do órgão indigenista, o qual foi de pronto extinguido e substituído por outro órgão equivalente mas com o sentido de resolver a questão indígena o mais rápido possível pela forçação da integração dos índios, como indivíduos, já destituídos da lealdade étnica original, na sociedade brasileira.
Como fazer isso é que foram elas! E para mais não alongar nesse caso, a FUNAI começou irresoluta, condenou e despediu velhos indigenistas, deixou de lado os projetos de demarcação de terras que estavam em trâmite em vários estados brasileiros e esperou que a coisa fosse morrendo. Mas a coisa, o espírito indigenista instalado por Rondon e seus epígonos, não morrera, precisamente porque levantaram-se as vozes de muitos brasileiros que estavam atentos ao destino dos índios, inclusive figuras inesperadas, como Assis Chateaubriand, exuberante jornalista, dono da revista Cruzeiro e dos Diários Associados, e também poetas, escritores, antropólogos rondonianos e não rondonianos, jornalistas, juristas e muita gente mais. Até o jornal O Estado de São Paulo se alevantou pelos índios! O Brasil surpresa, o Brasil bipolar, o Brasil inventor da roda a cada período histórico!
Mas não, não é a simples repetição do mesmo, a
cada passo dado, uma novidade, um acréscimo. Meio que de súbito, começaram a
emergir alguns poucos índios se expondo ao público com discursos novos e
contundentes. Antes viviam na dependência dos seus patronos indigenistas,
quietos e observadores nos seus lugares. Eram índios do Nordeste e do Sul, que
falavam português há gerações e queriam ser respeitados e ter terras
garantidas; eram índios de antigas e novas missões e das escolas localizadas
nos postos indígenas onde haviam aprendido a ler e escrever; e eram índios que
até falavam um português claudicante, mas entendiam perfeitamente como a vida
política do Brasil se regia, como os Xavante, os Guarani, os Terena, os
Guajajara e outros mais.
O governo militar, pelo tanto que durou, não
fez muito pelo índio, e em alguns momentos fez péssimo, como determinar que a
FUNAI concedesse carta branca aos estados para venda de glebas e lotes de
terras que eram ou podiam ser consideradas terras indígenas. Porém, abriu vagas
para novos funcionários e uma geração inteira de técnicos de indigenismo foi
formada nas escolas da FUNAI sob o ensinamento e às vezes a supervisão de
conceituados antropólogos da UnB e outras universidades. Essas pessoas não
deixariam a FUNAI afundar, ao contrário.
Pode-se analisar o período militar como um
tempo anti-indigenista, movido por uma atitude indisfarçável de forçar perdas
materiais, físicas e culturais aos índios. Contra o qual, por sua vez, os
velhos indigenistas e jovens técnicos do indigenismo se rebelaram, boicotaram
as ações deslavadamente anti-indígenas e continuaram o caminho de melhoramento
das condições políticas pró-indígenas. Uma saga de bandido e mocinho, digamos,
que foi efetivamente a tônica da narrativa que se consolidou no meio
indigenista e antropológico brasileiro. Porém, a realidade é que, nos
entremeios de ações anti-indígenas, também surgiram novos elementos de
valorização indigenista. A principal delas foi que, apesar da mudança
constitucional, impingida e outorgada pelo regime militar, em janeiro de 1967,
modificada em outubro de 1969, os artigos referentes aos índios não somente
foram mantidos como foram favoravelmente ampliados e fortalecidos em relação às
Constituições prévias de 1946 e 1934, ambas realizadas com influência de
parlamentares de cunho rondoniano.
Os parágrafos 1 e 2 do artigo 231 das referidas Constituições determinavam sem meias palavras que, uma vez que uma terra tivesse sido reconhecida como indígena, não havia direitos de terceiros, mesmo que dela tivessem tomado posse ou domínio há muito tempo; portanto, não caberia qualquer ressarcimento. Em outras palavras, o reconhecimento de uma terra indígena não estava sujeito à presença imediata ou em determinado tempo dos indígenas1. Em palavras constitucionais:
1 Compare essa determinação com a proposição
do “marco temporal”, em discussão no Supremo Tribunal Federal, por sugestão
estabelecida pelo ministro Carlos Ayres Britto, que define que uma terra só
pode ser reconhecida como indígena, se algum índio lá estiver estado ao tempo
da promulgação da Constituição de 1988.
§1º Ficam declaradas a nulidade e a
extinção dos efeitos jurídicos de qualquer natureza que tenham por objeto o
domínio, a posse ou a ocupação de terras habitadas pelos silvícolas.
§ 2º A nulidade e extinção de que trata o
parágrafo anterior não dão aos ocupantes direito a qualquer ação ou indenização
contra a União e a Fundação Nacional do Índio.
E foi nessa base que muitas terras indígenas receberam um retumbante ímpeto para serem demarcadas, com o prejuízo de terceiros, constitucionalmente implicados em usurpação. Perdiam, apesar de amolarem, os velhos e novos fazendeiros, sob a égide de uma Constituição outorgada. Interessante notar que, apesar do seu festejado caráter pró-indígena, esses parágrafos foram elididos da festejada Constituição de 1988. Em adição, o Congresso Nacional, vigiado pelo governo ditatorial do general Garrastazu Medici, foi o responsável pela elaboração da Lei 6.001, de 1973, que instituiu o Estatuto do Índio, em cujos artigos se confirmavam os procedimentos de reconhecimento e demarcação das terras indígenas, além de outras medidas que favoreceram enormemente os direitos indígenas, não obstante a desconfiança crítica, tacanha e enfezada, da Esquerda ingênua contra esse Estatuto. O qual não somente continua em vigor, embora ignorado nos processos de demarcação atuais, como serviu de modelo para a OIT (Organização Internacional do Trabalho), órgão da ONU, sediado em Genebra, elaborar a Convenção 169 que trata dos direitos dos povos indígenas e tribais, e que serve de marco para as questões indígenas em todo o mundo. Aqui é o caso de perguntar, não sobre Direita ou Esquerda, e sim, sobre Sagacidade ou Burrice?
Chegada a democracia, ao compilar a lista de
terras indígenas demarcadas e homologadas, vemos que o governo Collor de Mello
bateu recorde de demarcações e homologações, incluindo a majestosa Terra
Indígena Yanomami. Collor nunca havia demonstrado qualquer interesse por
questões indígenas, ao contrário, porém seu governo desafogou, por assim dizer,
os processos de demarcação que haviam começado muito antes, a maioria ainda nos
governos militares e até em tempos rondonianos.
Mérito seu, de toda forma. Prosseguindo, os
dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso
ampliaram as terras demarcadas substancialmente, principalmente em tamanho de
área, já que foram demarcadas as terras do Alto Rio Negro, do Vale do Javari e
boa parte das terras dos índios Kayapó só pode ser reconhecida como indígena se
algum índio lá estiver estado ao tempo da promulgação da Constituição de 1988.
Todas essas demarcações foram feitas com
cuidado, sob novos critérios jurídicos, porém ainda assim sob pesadas críticas
dos insatisfeitos, naturalmente aqueles que perdiam terras e riquezas minerais,
bem como dos muitos outros favoráveis aos índios, querendo mais e mais.
Quando alvoreceu o tempo dos governos Lula e
Dilma, falo de cátedra do primeiro governo porque dele participei como
presidente da Funai, entre setembro de 2003 e março de 2007. O conjunto de
terras já homologadas pelos governos anteriores formavam um corpo de 340
unidades. Ao longo desse primeiro período (2003-2007) foram homologadas mais 66
terras indígenas e demarcadas mais 31, com um número maior de terras em estudo,
algumas das quais vieram a ser finalizadas nos anos seguintes. Já no segundo
mandato do presidente Lula e nos mandatos da presidente Dilma Rousseff, apenas
43 terras foram homologadas, numa clara demonstração de que o processo de
reconhecimento de terras indígenas estava se afunilando rapidamente. No curto
tempo de Michel Temer como presidente apenas 1 terra indígena foi homologada.
Não obstante, as organizações indigenistas
continuaram a exercer seu papel de exigir novas demarcações de novas terras,
chegando em alguns momentos a conseguir da Funai os primeiros estudos de
reconhecimento e as devidas declarações de demarcação emitidas pelo ministério
da Justiça, conforme as normas de demarcação. Nenhuma avaliação foi feita sobre
por que tinha ficado tão difícil demarcar terras, mesmo em governos de
Esquerda. A resposta a isto virá em breve.
No próximo capítulo, tratarei dos anos
Bolsonaro e dos tempos atuais.
*Mércio Pereira Gomes. Antropólogo, professor
da UFRJ, ex-presidente da Fundação Nacional do Indio (Funai – 2003-2007), autor
de vários livros, em que se destacam Democracia
em Convulsão (2020), O Brasil
Inevitável: Ética, mestiçagem e borogodó (2019), Para Conhecer e Amar os
Indios (2014), Os Indios e o Brasil
(1988 e 2012) e Darcy Ribeiro (2000
Novamente, faltou dizer
ResponderExcluirNo governo Collor, o recorde de demarcações foi atingido em parte pela dedicada atuação do Secretário Nacional do Meio Ambiente, José Antonio Lutzenberger.
O autor quantifica as demarcações unicamente pelo número de terras, mas a superfície destas terras é muito importante e talvez até mais que o mero número.
Foi a parte mais longa e menos informativa das apresentadas até agora, pensar em discutir Esquerda e Direita no período colonial é muito estranho, pra dizer o mínimo. O histórico do século XX e as questões constitucionais até foram interessantes. Vamos ver o que ainda vem por aí...
Lutzenberger havia sido indicado para um prêmio Nobel "alternativo" e tinha enorme prestígio internacional, e condicionou sua participação no governo Collor à prioridade que este desse à demarcação de terras indígenas. Collor e Jarbas Passarinho (seu ministro da Justiça) não tinham qualquer apreço especial pelos indígenas, mas foram pressionados por Lutzenberger e pela comunidade internacional a cumprirem as promessas feitas para Lutz aceitar a Secretaria Nacional do Meio Ambiente, que foi o embrião do atual Ministério do Meio Ambiente.
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