Lula repete erros na política para semicondutores
O Globo
Em vez de dar subsídios e invocar fetiche
nacionalista, governo deveria integrar país às cadeias globais
Não é a primeira vez que o Brasil lança uma
política para atrair indústrias, tampouco a primeira em que Luiz Inácio Lula da
Silva assina na Presidência um plano para incentivar fabricantes de
semicondutores. A julgar pela experiência anterior, há motivo para ceticismo.
É verdade que a pandemia e a guerra na
Ucrânia criaram dificuldades nas cadeias globais de suprimento de componentes
eletrônicos, levando vários países a investir na produção interna de
semicondutores para reduzir a dependência externa. Só no Brasil, a falta de
chips impediu a fabricação de 370 mil veículos em 2021, 250 mil no ano passado,
e mais 113 mil deixarão de ser entregues às revendedoras neste ano.
Mas hoje há até excesso na oferta de chips. Sob essa categoria genérica, são classificados itens de várias naturezas. Nem todo “chip” representa o avanço tecnológico que fascina os mais afoitos. A fatia mais relevante e lucrativa do mercado global é hoje dominada por Taiwan, Coreia do Sul e Japão. Estados Unidos e Europa enfrentam dificuldades para desafiá-los. O Brasil perdeu a oportunidade de desenvolver a produção local nos anos 1990, quando o ambiente hostil levou a Intel a preferir instalar uma fábrica na Costa Rica.
Desde então, a iniciativa de fabricar
semicondutores por aqui se resumiu ao fracasso do Centro Nacional de Tecnologia
Eletrônica Avançada (Ceitec), estatal criada em 2008 que consumiu R$ 800
milhões do governo, sempre trabalhou com tecnologia ultrapassada e jamais
conquistou relevância nem no mercado interno. Os chips lá produzidos são
triviais perto do que fabricam centros avançados e do que a indústria exige. A
liquidação do Ceitec estava definida, mas o governo Lula, num arroubo nacionalista,
decidiu suspendê-la.
Repete-se uma história conhecida no Brasil.
Na ditadura militar, o presidente Ernesto Geisel quis reduzir a dependência do
Brasil de fabricantes externos de bens de capital e insumos básicos. Para isso,
instituiu “reserva de mercado” para atrair investimentos em novas fábricas.
Tarifas aduaneiras garantiam que as empresas que aderissem ao programa de
substituição de importações não teriam concorrência. Os bilhões transferidos em
subsídios não tiveram o retorno esperado. O protecionismo gerou indústrias
ineficientes e, mais uma vez, o contribuinte e o consumidor pagaram a conta. A
experiência com outra “reserva de mercado”, no setor de informática, também foi
pedagógica. Para não falar nas plataformas de petróleo e demais fetiches do
nacional-desenvolvimentismo.
Lula deveria saber que não basta a vontade
do presidente para criar um setor competitivo. Para o Brasil adquirir
relevância em mercados de alta tecnologia como os semicondutores, precisa
primeiro investir em conhecimento, em mão de obra qualificada e na integração
às cadeias globais de suprimento. Sem protecionismo. Foi o roteiro seguido
pelos maiores êxitos tecnológicos do país, Embrapa e Embraer.
Em vez disso, o Planalto criou o Programa
de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores (Padis),
por onde fluirá o crédito subsidiado. O enredo lembra outras siglas como
Embramec, Fibase ou Ibrasa, subsidiárias do BNDES, depois extintas, que
canalizaram incentivos aos pretendentes a livrar o Brasil de suas importações.
Nunca deu certo. Por ironia, foi o agronegócio com capital privado abundante e
tecnologia de ponta que pagou a conta desses desvarios.
Intervenção em autoridade eleitoral
mexicana desperta preocupação
O Globo
Nova lei apoiada pelo populista AMLO
esvazia poder de organismo responsável pela lisura das eleições
O Zócalo, praça central da Cidade do
México, foi tomado ontem por dezenas de milhares de manifestantes em protesto
contra o Projeto de Lei aprovado na semana passada pelo Senado mexicano
reduzindo o orçamento e o alcance do Instituto Nacional Eleitoral (INE),
responsável pela organização e fiscalização das eleições no país. Pelo menos
outras cem cidades foram palco de protestos sob o slogan “No meu voto não se
mexe”. A esperança dos manifestantes é que a Suprema Corte considere as
mudanças inconstitucionais a tempo de garantir um pleito justo na disputa
presidencial do ano que vem.
O projeto aprovado é uma bandeira do
presidente Andrés Manuel López Obrador, ou AMLO. Populista de esquerda, ele
perdeu as eleições de 2006 para Felipe Calderón por 0,6 ponto percentual. Na
ocasião, não aceitou o resultado, organizou uma cerimônia de posse própria,
pediu que seus seguidores saíssem às ruas em protesto e centrou suas baterias
contra a autoridade eleitoral. Para ele, pouco importava que não houvesse
evidência de fraude. Nada mudou no seu discurso quando o mesmo INE chancelou
sua vitória em 2018.
Seus ataques e a nova lei são dirigidos à
instituição que garante a qualidade da democracia no México. No ano 2000, o INE
acabou com décadas de eleições fraudulentas que garantiram a permanência no
poder do Partido Revolucionário Institucional (PRI). Além de emitir o título
dos 90 milhões de mexicanos aptos a votar, ele fiscaliza o financiamento de
campanha, impugna candidaturas irregulares, é responsável pela infraestrutura e
pela garantia de lisura nos pleitos.
Com os cortes aprovados, haverá redução de
85% na verba destinada ao serviço eleitoral, resultando na demissão de milhares
de servidores responsáveis pela votação em regiões remotas. A reforma também
afrouxa regras para candidatos em busca de reeleição, reduz a pena para quem
violar limites de financiamento e diminui o período de organização das
eleições.
O discurso de AMLO contra o INE é rico em
insultos e pobre em substância. Ele acusa o instituto de ser reduto de
conservadores e corruptos. Agora um comitê do Congresso, composto na maioria
por integrantes de seu partido, Morena, deverá escolher quatro dos 11
representantes do conselho do INE, contribuindo para deteriorar sua
independência. AMLO também argumenta que o instituto é caro demais. Em vez de
sugerir cortes, decidiu solapar a autonomia financeira do INE.
A estratégia de AMLO é prova de que o populismo independe de coloração política. Ele segue a mesma cartilha do húngaro Viktor Orbán ou do brasileiro Jair Bolsonaro, situados no extremo oposto do espectro ideológico. Para populistas autoritários, as instituições do Estado são um obstáculo ao projeto de poder — e se tornam alvos. No Brasil, Bolsonaro tentou, insistiu, esperneou, mas não conseguiu enfraquecer o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), análogo do INE. No México, falta o veredito da Suprema Corte.
Gasolina política
Folha de S. Paulo
Desonerar combustíveis, como quer o PT,
prejudica o governo a médio prazo
Permanece a disputa dentro do governo a
respeito da volta da cobrança dos tributos federais PIS e Confins sobre
gasolina e álcool. O prazo da isenção termina nesta terça (28), tendo sido
prorrogado por dois meses no final do ano passado.
A reoneração é defendida pelo ministro da
Fazenda, Fernando Haddad, e poderia render R$ 25 bilhões para os cofres da
União até o final do ano. Seria um sinal de que o governo preza a
responsabilidade fiscal, atributo escasso até aqui.
Por certo haveria impacto nos preços
—estima-se que o valor da gasolina na bomba poderia subir até 70 centavos.
Aumentos adicionais viriam na hipótese de majoração do ICMS estadual.
Os entes regionais e a União negociam um
acordo depois da redução promovida no ano passado, pelo qual a gasolina
deixaria de ser considerada item essencial e poderia ser tributada com
alíquotas maiores que o limite atual de 18%.
Já expoentes da ala política do governo e
lideranças do PT são contra a volta da cobrança federal. A presidente
do PT, Gleisi Hoffmann, defendeu a prorrogação da isenção até
que a Petrobras defina uma nova política de preços. Tributar agora, segundo
ela, seria impactante para a classe média e um descumprimento de compromisso de
campanha eleitoral.
Gleisi está errada. O principal compromisso
de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na campanha foi incluir o pobre no Orçamento.
É evidente que manter a desoneração promovida de modo eleitoreiro por Jair
Bolsonaro (PL) vai de encontro a tal orientação.
Trata-se de um subsídio com altíssimo custo
que não distingue ricos e pobres e beneficia principalmente os primeiros, à
custa de maior descontrole fiscal e, aí sim, de mais inflação, que penaliza a
população mais carente.
O temor da ala política é a perda imediata
de popularidade presidencial, que em sua visão poderia exacerbar a polarização
e tensionar ainda mais o ambiente.
Não parece ocorrer a esse grupo que a
degradação da confiança numa gestão responsável é o maior risco a médio prazo.
Insistir em medidas demagógicas que oneram o Orçamento adiará a queda dos
juros, com crescentes obstáculos para o crescimento da economia.
Eis a receita para uma baixa duradoura da
aprovação ao governo, que seria difícil de reverter. Decisões responsáveis
neste início de mandato, bem explicadas à população, trariam benefícios
adiante.
O quadro atual é delicado. Às vésperas de
um teste fundamental para a política econômica —a esperada apresentação da nova
regra fiscal, que substituirá o teto constitucional de gastos— deveria ser do
interesse do presidente Lula operar pelo crédito de Haddad.
Marielle, 5 anos depois
Folha de S. Paulo
Pode-se perguntar se cooperação federal não
deveria ter objetivos mais amplos
Prestes a completar cinco anos, as
investigações sobre os assassinatos
da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes,
no centro do Rio, seguem sem conclusão. O caso se tornou bandeira política para
a esquerda e o pior da direita bolsonarista.
Na semana passada, o ministro da Justiça e
Segurança Pública, Flávio Dino, determinou instauração
de inquérito na Polícia Federal para colaborar com as investigações da
Promotoria do Rio de Janeiro.
As autoridades fluminenses ainda não foram
capazes de esclarecer se houve um mandante, nem a motivação. Um ano após as
mortes, em 2019, foram presos o sargento reformado Ronnie Lessa, acusado de ser
o autor dos disparos, e o ex-PM Élcio de Queiroz, acusado de dirigir o carro
usado no crime.
O atraso não deve ser creditado apenas à
complexidade do caso mas também às idas e vindas no comando do inquérito. Desde
o início, as investigações foram objeto de tentativas de obstrução e pistas
falsas. Em 2019, a Polícia Federal, que agora se soma às apurações, apontou que
depoimentos falsos teriam sido dados para dificultar a solução do homicídio.
Falhas institucionais são abundantes. O
delegado Alexandre Herdy foi o quinto a assumir o inquérito, em fevereiro de
2022. Recentes conflitos internos no Ministério Público também afetam o
andamento do processo.
O setor mais desfalcado foi o Grupo de
Atuação Especializada contra o Crime Organizado (Gaeco), responsável pelas
principais apurações contra milícias e facções criminosas no estado —parte de
seus integrantes está na força-tarefa sobre os assassinatos.
Em tese, a cooperação federal pode ajudar o
andamento de casos, como os de Marielle e Anderson, nos quais há teias de
interesses que podem minar investigações.
A ex-procuradora-geral da República
Raquel Dodge solicitou a federalização em 2019, que foi rejeitada
pelo STJ, para o qual não houve "inércia ou inação" no caso.
De forma compreensível, a família de
Marielle foi contra a federalização das apurações sob o governo Jair Bolsonaro
(PL).
Deve-se perguntar, de um lado, por que as
investigações estaduais não conseguem lidar com o enraizado envolvimento de
milícias e facções em homicídios; de outro, se uma cooperação federal não
deveria se dar com objetivos mais amplos do que dar andamento a uma apuração em
particular.
Defesa da liberdade, não do cabresto
O Estado de S. Paulo.
Lula defende regulação das plataformas digitais.
Preocupação no mundo todo, avançar na proteção dos direitos e da liberdade é
fundamental. Nesse caminho, o PT tem muito a aprender
Na abertura da Conferência Internet for
trust, realizada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência
e a Cultura (Unesco) em Paris, foi lida uma carta do presidente Lula da Silva
defendendo a necessidade de a comunidade internacional encontrar modos
adequados de regular as plataformas digitais. “Precisamos de equilíbrio”,
disse, como meio de “garantir o exercício da liberdade de expressão individual,
que é um direito humano fundamental”, e, ao mesmo tempo, assegurar “o direito
de a sociedade receber informações confiáveis, e não a mentira e a
desinformação.”
O tema das fake news preocupa o mundo
inteiro. Os regimes democráticos são diariamente tensionados por parcelas
expressivas da população submetidas à desinformação sobre questões econômicas,
políticas, sociais e de saúde pública, o que interfere diretamente na confiança
das pessoas sobre as instituições e na própria vida em sociedade. “Não podemos
permitir que a integridade de nossas democracias seja afetada pelas decisões de
alguns poucos atores que hoje controlam as plataformas”, disse Lula.
A liberdade de expressão foi sempre o
grande meio de proteção da sociedade contra autoritarismos e manipulações. No
entanto, o mundo aparentemente sem lei das plataformas digitais parece inverter
agora os termos da questão. Sob pretexto de liberdade de expressão, alguns
poucos difundem irresponsavelmente desinformação, distorcendo e manipulando o
debate público para seus interesses liberticidas. E as plataformas, que lucram
com essa prática abusiva, têm feito muito pouco para combatê-la. Diante desse
cenário, a comunidade internacional – com destaque, para a União Europeia – vem
estudando caminhos e possibilidades de regulação. A conferência da Unesco é
parte desse esforço.
O diagnóstico do desafio é evidente.
Trata-se de construir um ambiente digital mais seguro e confiável, com uma
responsabilização mais efetiva das partes envolvidas nos abusos – também das
plataformas –, assegurando, ao mesmo tempo, as liberdades de expressão, de
opinião e de imprensa. O que ainda não existe é um consenso sobre como fazer
isso.
Segundo Lula, “o Brasil poderá contribuir
de forma significativa para a construção de um ambiente digital mais justo e
equilibrado, baseado em estruturas de governança transparentes e democráticas”.
Certamente, o País tem todas as condições de participar ativamente no debate. A
legislação nacional sobre internet é referência internacional de equilíbrio
entre liberdade e responsabilidade. Além disso, o uso das redes sociais por
aqui é particularmente intenso, quando comparado com outros países. Ou seja,
uma regulação adequada das plataformas digitais é de grande e imediato
interesse público.
Mas, para que esse protagonismo brasileiro
aconteça e, mais importante, possa contribuir de fato para uma internet mais
livre, segura e confiável, é necessário que o tema da regulação das plataformas
digitais não seja abocanhado pelo PT como mais um capítulo de sua tentativa de
controle da imprensa e da comunicação social. Lula tem razão quando diz que o 8
de Janeiro “foi o ápice de uma campanha, iniciada muito antes, que usava, como
munição, a mentira e a desinformação”. Mas é preciso admitir também que o PT é
adepto contumaz de campanhas baseadas em mentiras e desinformação. Pior, sua
pretensão de hegemonia política e social produz uma compreensão distorcida de
liberdade de expressão. A verdade seria o que o partido dita.
A necessária regulação das plataformas
digitais é pauta da sociedade, e não do governante do momento. É pauta de
liberdade, e não pretexto para um partido político doutrinar ou impor sua
versão dos fatos. O País sente a falta de uma adequada legislação a respeito
das redes sociais. É muito oportuno, portanto, que o Executivo federal esteja
atento ao tema e, no que lhe couber, promova estudos e debates, tendo sempre
presente que o local próprio dessa discussão é o Congresso. Afinal, legislação,
no regime democrático, é competência do Legislativo.
A anatomia de uma desfaçatez
O Estado de S. Paulo.
Fim do sigilo sobre o processo militar
contra Pazuello expõe a delinquência hermenêutica que o gestou e o quão baixo
alguns militares desceram por um desqualificado como Bolsonaro
Por requisição da Controladoria-Geral da
União (CGU) a partir de pedido do Estadão com base na Lei de Acesso à
Informação, o Exército tornou público o processo disciplinar que instaurou para
apurar a participação do general intendente Eduardo Pazuello em um comício do
então presidente Jair Bolsonaro no Rio, em 23 de maio de 2021.
A rigor, nada havia a apurar, só a punir.
As imagens do comício, com Bolsonaro e Pazuello discursando em cima de um trio
elétrico, falavam por si sós. À época, Pazuello, hoje deputado federal, era
oficial da ativa, e tinha encerrado sua catastrófica passagem pelo Ministério
da Saúde havia dois meses.
Militares da ativa, como sabe qualquer
manga-lisa, são expressamente proibidos de participar de atos políticos. A
razão para essa vedação é tão óbvia que seria um desrespeito ao leitor
destacá-la. Entretanto, o Exército não apenas livrou Pazuello de qualquer
punição, em afrontosa violação da Constituição e do Estatuto dos Militares,
como ainda impôs sigilo de 100 anos sobre o processo.
Se esse sigilo, per se, já era uma
aberração, a razão que o motivou é uma das maiores vergonhas para o Exército.
Como agora sabemos, de fato, nada foi apurado. O que houve foi uma deliberada
operação de acobertamento de evidente transgressão militar, tão evidente que
basta para explicar a tentativa de mantê-la em segredo por nada menos que um
século.
Como se lê no documento agora tornado
público, Pazuello, ciente de que estava prestes a violar a Constituição e o
Estatuto dos Militares, teve o “cuidado”, digamos assim, de avisar o então
comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, com um dia
de antecedência, de que compareceria ao ato político convocado por Bolsonaro.
Em depoimento, Pazuello disse que aceitou o convite feito por Bolsonaro por ter
com ele “laços de respeito e camaradagem”, malgrado o fato óbvio de que se
tratava de comício – o que, por definição, deveria ter desestimulado sua
participação.
No processo, consta que o general Paulo
Sérgio confirmou ter sido avisado pelo subordinado, mas não o que respondeu a
ele. Nem precisava. A participação de Pazuello no ato, com direito a discurso
em cima de um carro de som, é a evidência de que o intendente decerto não foi
dissuadido pelo então comandante do Exército.
Registre-se que a maioria dos membros do
Alto Comando do Exército defendeu a punição exemplar de Pazuello. A presença de
um oficial da ativa naquele comício, uma transgressão militar inquestionável,
era um ultraje à história de respeito às leis e à Constituição construída pelas
Forças Armadas desde a redemocratização, além de configurar quebra da
hierarquia e da disciplina, balizas da vida castrense. Entretanto, prevaleceu a
vontade do general Paulo Sérgio. Pudera. Como punir Pazuello se, na véspera, o
transgressor avisara seu comandante de que iria transgredir as normas militares
e nada foi feito para impedi-lo?
Tentando justificar o injustificável para
absolver Pazuello, o general Paulo Sérgio, que mais tarde se tornaria ministro
da Defesa de Bolsonaro, concluiu que o discurso do intendente no trio elétrico
não teve, ora vejam, “viés político-partidário” – como se oferecer apoio
explícito ao então presidente da República diante de possíveis eleitores, que
era ao que se prestavam as tais e frequentes “motociatas” de Bolsonaro, não
fosse um ato político por definição.
A CGU acertou ao levantar o sigilo sobre o
processo porque, a um só tempo, explicitou a anatomia de uma delinquência
hermenêutica, cometida com o claro propósito de acobertar infrações militares
irrefutáveis, e restabeleceu o princípio constitucional da transparência. Numa
República democrática, como o Brasil, a regra é a transparência; sigilo sobre
informações de interesse público só vale para casos excepcionalíssimos,
definidos por lei e pela Constituição. Não era o caso da indisciplina do
intendente Pazuello nem do acobertamento de seu comando na época.
Esse lamentável episódio é revelador de
quão fundo foi o buraco em que parcela das Forças Armadas se dispôs a descer em
nome de um desqualificado como Jair Bolsonaro.
A gasolina precisa ser tributada
O Estado de S. Paulo.
Dar fim aos subsídios que garantiram a
desoneração do combustível é uma medida tão impopular quanto necessária
Os Estados iniciaram uma articulação no Congresso
para rever os termos da lei complementar que impôs um limite nas alíquotas do
Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre a gasolina. O
Comitê dos Secretários de Fazenda (Comsefaz) quer convencer deputados e
senadores a reverter a essencialidade do combustível, aprovada em meados do ano
passado. Se aprovada, a proposta permitiria elevar o ICMS em níveis acima do
teto de 17% ou 18%, em vigor na maioria dos Estados.
O tema já foi discutido com o Supremo
Tribunal Federal (STF), a quem os Estados apelaram para obrigar a União a
compensá-los pelos prejuízos. Desde que a lei entrou em vigor, os Estados
calculam ter perdido R$ 45 bilhões. O Tesouro, por sua vez, teria concordado em
pagar R$ 26 bilhões em até três anos. O STF intermediou, também, a construção
de um acordo para manter o caráter essencial do diesel e do gás de cozinha, mas
não houve consenso sobre a gasolina. A iniciativa do Comsefaz mostra que os
Estados querem não só a reparação das perdas do passado, mas também a recomposição
das receitas do futuro.
O imbróglio era mais do que esperado. A
desoneração da gasolina nunca foi uma prioridade do País, exceto para o
ex-presidente Jair Bolsonaro, que transformou o tema no centro de sua campanha
à reeleição. Para isso, ele pressionou o Legislativo e conseguiu que até mesmo
o Senado ignorasse os governadores e desse aval a uma lei que causaria perdas
bilionárias aos Estados. Também houve perdas para a União – que, espera-se,
sejam revertidas o mais brevemente possível. A reoneração dos tributos federais
que incidem sobre a gasolina foi adiada até 28 de fevereiro, mas há pressão
para que a isenção de PIS e Cofins seja prorrogada mais uma vez.
Este é o tipo de assunto que precisa ser
debatido com muita seriedade, considerando não apenas as preocupações fiscais e
as questões políticas. Nesse sentido, recente entrevista do economista Sergio
Margulis ao Estadão é uma contribuição lúcida a esse debate. “Subsidiar o
diesel pode até conversar, mas a gasolina, nem pensar. Está se privilegiando
proprietários de automóveis. E a maioria esmagadora das pessoas que consomem
gasolina não precisa de subsídio. E é uma opção ter automóvel. É o tipo de
subsídio perverso. Quanto mais ficarmos incentivando o uso de combustível
fóssil, mais estaremos na contramão da sustentabilidade ambiental”, disse ele.
Margulis é economista-chefe do
“Convergência pelo Brasil”, que reúne ex-ministros da Fazenda e ex-presidentes
do Banco Central de diferentes governos em defesa da inclusão da temática da
sustentabilidade na política econômica. O posicionamento do movimento é
significativo neste momento. Conceder subsídios da gasolina certamente é algo
popular, mas esse é o tipo de política que precisa urgentemente ser revertida.
Em um país em que caminhões transportam 66% das cargas, o diesel pode até ser considerado um item essencial; o mesmo raciocínio vale para o gás de cozinha. Não é esse, no entanto, o caso da gasolina.
Desoneração de combustíveis volta a dividir
o governo
Valor Econômico
Haddad deveria ter a palavra final e acabar
com o benefício
Não só a inflação subiu em janeiro como as
expectativas de inflação continuam a se distanciar das metas, mesmo depois do
arrefecimento das críticas do governo contra a atuação do Banco Central.
Segundo o IPCA-15, oito dos nove grupos de bens e serviços tiveram alta neste
mês, ainda que o ritmo tenha sido menor em cinco deles e maior em quatro. Os
núcleos de inflação continuam mostrando evolução perto dos 9%. No bimestre, o
IPCA-15 soma 1,31%, o equivalente a 40% do objetivo perseguido pelo BC, que já
sabe que a meta não será atingida pelo terceiro ano consecutivo.
Há fatores positivos, como o recuo dos
preços dos alimentos, instável diante dos aguaceiros que despencam no Sudeste e
que vem encarecendo frutas, verduras e hortaliças. Mesmo com ritmo menor de
elevação (0,39% no mês), a comida ficou 10,61% mais cara nos doze meses
encerrados agora. Os combustíveis continuaram dando sua essencial contribuição
baixista. Mas itens de forte sazonalidade, como a educação, empurraram o índice
para cima. Com a volta às aulas, os preços de matrículas, materiais e outros
produtos relacionados subiram 6,4%, acrescentando 0,36 ponto percentual ao
índice cheio, isto é, quase metade dele (0,76%).
Em doze meses, 7 dos nove setores estão com
evolução muito acima da média de 5,63% - só comunicações e transportes ficaram
abaixo. Sem a desoneração de gasolina e etanol, promovida com fins eleitoreiros
pelo presidente Jair Bolsonaro, e prorrogada até dia 28 pelo presidente Lula, a
inflação seria bem maior, a despeito da enorme carga de juro real, perto de 8%,
a maior desde o início do primeiro mandato de Lula.
A política monetária ainda não teve pleno
impacto e a economia pode não ter esfriado o suficiente para quebrar a dinâmica
dos preços, como tem mostrado o setor de serviços - a divulgação do PIB do ano
passado na próxima semana dará uma ideia do grau de desaceleração contratado
para esse início do ano.
A inflação resiste por vários motivos. Um
deles é que houve elevação razoável e permanente da capacidade de consumo de
cerca de 20 milhões de famílias que recebem o Bolsa Família de R$ 600, o triplo
da média do programa até ele ser majorado, com o Auxílio Brasil, também
eleitoreiro, pelo presidente Jair Bolsonaro. Neste ano o programa consumirá
cerca de R$ 155 bilhões, contra R$ 65 bilhões no ano passado - o auxílio
começou a ser pago só em agosto.
Na mesma direção vai agora o salário
mínimo, que teve pequeno aumento real no início do ano e terá outro a ser pago
a partir de maio. De maneira geral, o governo recebeu autorização para gastar
fora do teto quase R$ 200 bilhões a mais. Bolsonaro, com seus incentivos
fiscais, parafiscais e aumento genuíno de despesas já despejara outros R$ 300
bilhões de estímulos no ano passado. Há assim limites para o que um aperto monetário
possa fazer nessas circunstâncias, se o Executivo não contiver gastos.
Há falta de sintonia no governo, o que não
ajuda em um ambiente em que a inflação ainda não foi domada. O ministro da
Fazenda, Fernando Haddad, teria terminado a desoneração da gasolina e do álcool
no primeiro dia de governo, mas alas do PT convenceram Lula a evitar desgastes
imediatos em sua popularidade. Uma parte da desoneração foi mantida até o ano
que vem e outra, até o último dia de fevereiro. Chegou a hora, mas as mesmas alas
do PT que criticaram a demagogia eleitoreira de Bolsonaro querem que ela seja
mantida por mais tempo.
“Fazer isso agora é penalizar o consumidor,
gerar mais inflação e descumprir compromisso de campanha”, afirma a presidente
do PT, Gleisi Hoffmann, que sugeriu esperar a mudança da política de preços da
Petrobras para fazê-lo. Pode-se depreender de suas palavras que os preços da
gasolina e álcool serão reduzidos com a nova gestão, com seu
“abrasileiramento”, e que nada há de errado em incentivar o consumo de
combustíveis fósseis como se o aquecimento global não existisse e os
consumidores penalizados e motorizados são os de baixa renda. Gleisi está na
linha de frente das críticas ao BC pelos juros altos e julga correto que R$
28,8 bilhões de recursos escassos aliviem alguns contribuintes - uma fórmula no
limite quebra o Estado.
Haddad deveria ter a palavra final e acabar com a desoneração, cujos efeitos inflacionários previsíveis ocorrerão em um ano em que a meta de inflação já está perdida. Com a divisão, as decisões do novo governo são agônicas. O presidente Lula terá de arbitrar e não se sabe que decisão tomará.
"O Estado de S. Paulo.
ResponderExcluirFim do sigilo sobre o processo militar contra Pazuello expõe a delinquência hermenêutica que o gestou e o quão baixo alguns militares desceram por um desqualificado como Bolsonaro"
Nossos milicos, assim como o bozo, nunca desceram a um nível tão baixo; sempre lá estiveram.
Simples assim. Todos sabemos q pazuello nunca desceu - ele sempre esteve láááá embaixo. E ele não é exceção.
Viva o ladrão e sua gangue que novamente estão se apoderando do dinheiro público entregando a política agrária para o MST, a turma que fez o L é responsável pelo desastre econômico anunciado
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