domingo, 19 de fevereiro de 2023

Míriam Leitão - Preço impagável do erro econômico

O Globo

A dinâmica criada pelas falas de Lula na economia ameaça seu próprio projeto, foi o que ouvi de pessoas de fora do Executivo

A relação de ministros e funcionários graduados da área econômica, e até de outras áreas, com o Banco Central não é problemática. É cooperativa e franca. Circulei na semana que passou em Brasília e constatei isso na prática. Mesmo assim, o país parece estar vivendo um conflito na economia pela maneira como o presidente da República fala do Banco Central ou sobre temas econômicos. Lula tem se comunicado de forma errática e sem estratégia e provocado muitos ruídos. Como a palavra de um presidente é sempre muito forte, quando ele fala, autoriza outras pessoas do governo, ou do seu partido, a dispararem suas opiniões sobre economia. Nessa torre de babel quem se enfraquece é o ministro da Fazenda.

O presidente Lula, segundo pessoa que acompanha esse debate interno, tem ansiedade para cumprir as promessas que fez. Natural. E tem conseguido. A ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda, o aumento do salário mínimo, a nova formatação no Bolsa Família, o Desenrola que está para sair, são promessas que já estão sendo entregues. A faixa de isenção foi para dois salários mínimos, e Lula queria R$ 5 mil. Mas 61% do universo das pessoas que ganham até R$ 5 mil são atendidas pela decisão porque ganham até R$ 2.640. Estão, portanto, contempladas pelo primeiro passo dado pelo governo. Se tudo fosse atualizado imediatamente o custo fiscal seria de R$ 130 bilhões. Por isso a equipe econômica propôs ir gradualmente para a meta.

Ouvi de duas autoridades do Judiciário nessa semana que não entendem a briga do presidente Lula com o Banco Central. Ouvi o mesmo dentro do Executivo. É errada a ideia de que a autonomia é de direita. Foi o trabalhista Tony Blair quem propôs a independência do Banco da Inglaterra. Margaret Thatcher era contra. Ela achava que isso reduziria o medo que a sociedade tinha dos trabalhistas. No Chile, o BC independente se consolidou nas administrações da Concertación. O presidente Joe Biden reconduziu Jerome Powell, o presidente do Fed indicado por Donald Trump. Por isso o despropósito da frase de Lula, na entrevista à CNN, de que poderia sim brigar com Roberto Campos Neto porque “ele não foi indicado por mim”. Ora, a ideia da autonomia é exatamente essa. O país está cansado de ver um presidente da República atirando contra instituições, órgãos e braços do Estado. Foi assim durante quatro anos. Disso os eleitores que deram maioria a Lula queriam se livrar.

Lula falou com saudosismo do tempo em que os juros subiam meio ponto e a TJLP caía meio ponto para ajudar os empresários. O presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, havia dito que não ressuscitaria a TJLP. Tomara que ela não volte mesmo, porque foi um canal de doação de recursos públicos para os muito ricos. Aumentar o subsídio para o capital para compensar a alta de juros reinstalaria uma espiral nefasta, em que a política monetária ia para um lado, a política fiscal, para o outro. Isso aconteceu no governo Bolsonaro. O BC teve que subir mais os juros porque o Ministério da Economia deu estímulos fiscais para tentar ajudar a campanha do então presidente.

Os erros na economia se acumulam. Os acertos em outras áreas são muitos. Quando o governo anuncia uma força tarefa para combater o crime no Vale do Javari e nomeia a antropóloga Beatriz Matos, viúva de Bruno Pereira, para o cargo de coordenadora-geral de povos indígenas isolados e de recente contato não poderia estar acertando mais. Beatriz é da Funai, é qualificada para o cargo e conhece bem o Vale do Javari, onde há o maior número de povos isolados. No governo anterior, a vaga chegou a ser ocupada por um missionário, não funcionário do órgão e ligado a uma entidade com um longo histórico de violência cultural contra os indígenas. A antropóloga disse, ao aceitar a indicação, que a fazia “com esperança, alegria e saudade”.

O governo conduz uma transição delicada. Está contrariando interesses, muitas vezes do crime, quando se trata das políticas ambiental e indígena. Nessa travessia todo o cuidado é pouco. Uma autoridade do Judiciário me disse que o governo Lula precisa se “consolidar” o mais rapidamente possível, porque “o dia 8 de janeiro ainda não acabou”. É nesse painel de crise, temores e tremores que o governo Lula vai trabalhando nesse pouco mais de um mês e meio. Errar na economia colocará em risco o edifício democrático cujas bases o país só começou a fortalecer.

A dinâmica criada pelas falas de Lula na economia ameaça seu próprio projeto, foi o que ouvi de pessoas de fora do Executivo

 

4 comentários:

  1. Virtuose.
    Elevado conhecimrnto.
    Habilidade na forma de sua abordagem.
    Domínio de sua atividade.

    ResponderExcluir
  2. "A dinâmica criada pelas falas de Lula na economia ameaça seu próprio projeto, foi o que ouvi de pessoas de fora do Executivo"

    Eu ouvi o contrário.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. O país ouve e entende da mesma forma que a Jornalista. O “novo cercadinho” está se complicando com tanta asneira que fala, como o anterior. “Quem não aprende com a História arrisca a repetí-la “

      Excluir
  3. Lula não consegue ser perfeito,adoraria morar num planeta regido pela perfeição.

    ResponderExcluir