domingo, 19 de fevereiro de 2023

Celso Ming - Lula e o banho de realidade

O Estado de S. Paulo

Até agora, boa parte do governo Lula foi tomada por uma temporada de descarrego revanchista contra a herança maldita do governo anterior, contra as forças que o mantiveram preso por 580 dias em Curitiba e contra a tentativa golpista da qual se saiu amplamente vencedor.

É o que ajuda a explicar o tiroteio verbal e a escolha de bodes expiatórios, cujo principal alvo até agora foi o presidente do Banco Central e a política monetária por ele colocada em prática.

Mas essa etapa agora tende a ficar para trás. Na falta de uma estratégia de política econômica, que se negou a formular na campanha eleitoral e até agora sobre ela não apresentou nada efetivo, o presidente Lula começou a governar quase por reflexo condicionado, a partir do velho DNA desenvolvimentista e estatizante do Partido dos Trabalhadores (PT) e da necessidade de obter certa unidade entre os partidos que constituem sua base política.

Lula tem agora de assumir o comando da política econômica com base na atual correlação de forças que prevalece no País. Isso nada tem a ver com a suposta decisão anunciada logo depois de sua eleição – quando declarou que sua administração seria pautada pela pluralidade e pela formação de uma frente ampla. Tem a ver com o novo jogo político, especialmente no âmbito do Congresso potencialmente hostil ao governo. Boa amostra desse inevitável enfrentamento à vista é a disposição demonstrada pelos parlamentares de não engolir com casca e tudo a Medida Provisória 1160/2023 que restabeleceu o voto de qualidade em caso de empate nas decisões do Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf).

Tanto o presidente da Câmara dos Deputados como o do Senado Federal têm avisado que o governo deve se preparar para a oposição do Legislativo a certas exigências do PT, especialmente às mudanças propostas na Lei das Estatais e das agências reguladoras, à pretendida reversão da privatização da Eletrobras e à ideia de acabar com a autonomia operacional do Banco Central.

O governo Lula logo verá que uma derrubada dos juros a canetadas e a mudança brusca nas regras do jogo, como sugeridas por alguns no governo, seriam tiro no pé, porque criariam turbulências e perda de renda do trabalhador e não ajudariam a aumentar atrair investimentos.

O mero jogo dos fatos começa a impor escolhas mais técnicas do que populares. A primeira delas será a definição da nova âncora que orientará sua política de administração das contas públicas, agora batizada de “novo arcabouço fiscal”. O ministro Fernando Haddad adiantou que em março essa armação será encaminhada ao Congresso para substituir o critério vigente desde o período Temer, o do teto de gastos.

E mais cedo do que tarde, o governo Lula terá de acabar com os subsídios dos combustíveis, decisão que poderá contribuir para aumento da inflação. A conferir.

 

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