quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Força da oposição no Congresso será positiva para o país

O Globo

Mesmo com vitória dos candidatos governistas na Câmara e no Senado, contraponto é essencial à democracia

Os nomes apoiados pelo Palácio do Planalto foram escolhidos ontem para comandar as duas Casas do Congresso, mas o resultado da eleição no Senado serviu para demonstrar que a oposição ao governo do petista Luiz Inácio Lula da Silva ainda tem força. Mesmo abalado pelos ataques do 8 de Janeiro em Brasília, o grupo político do ex-presidente Jair Bolsonaro conseguiu se reagrupar e deverá criar dificuldades para as pautas de interesse do governo.

Na Câmara não houve surpresa. O deputado Arthur Lira (PP-AL) foi reconduzido à presidência com a tranquilidade prevista: 464 votos. No Senado, o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) também foi reeleito, mas com margem menos folgada. Obteve 49 votos, 17 a mais que Rogério Marinho (PL-RN). Os 32 votos em Marinho teriam sido suficientes para abrir uma CPI e, com apenas um a mais, a oposição poderia barrar Propostas de Emenda Constitucional (PECs), que exigem três quintos das duas Casas.

A correria de ministros e senadores da base aliada para garantir votos a Pacheco nos dias que antecederam a votação comprova a força da oposição. No final, eles obtiveram resultado favorável, mas nem na base governista houve consenso. Na formação dos ministérios, Lula fez aliança com MDB, PSD e União Brasil. O voto secreto, garantido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na última eleição em 2019, abriu, porém, espaço a defecções. Senadores do PSD e do União Brasil chegaram a declarar apoio a Marinho.

O bloco constituído no Senado em torno da candidatura do ex-ministro do Desenvolvimento Regional reúne diferentes interesses. O PSDB, que sempre fez oposição tímida aos governos petistas, prometeu uma atuação programática no Parlamento. Na votação de ontem, nenhum dos três senadores tucanos deu seu voto a Pacheco. A legenda, outrora identificada com a luta pela democracia e com a centro-esquerda, se aliou a Marinho e aos bolsonaristas.

O grupo ligado a Bolsonaro, formado por PL, PP e Republicanos, foi impactado pela reação ao vandalismo do 8 de Janeiro e evitou os holofotes nas últimas semanas. A campanha pela presidência do Senado ofereceu uma oportunidade de reorganização. O próprio Bolsonaro, ainda nos Estados Unidos, empenhou-se com pedido de votos, e seus partidários promoveram ataques nas redes sociais a Pacheco e a seus apoiadores.

O Planalto já fez acenos a deputados e senadores da oposição em busca de uma maioria mais confortável. Aposta na falta de convicção ideológica dos parlamentares e na sede por verbas e cargos. É provável que obtenha algum sucesso na iniciativa, mas a votação de ontem mostrou que a vida do governo no Congresso não será tão fácil.

É positivo para o país que haja um contraponto produtivo aos projetos do Planalto, e o Senado desponta como principal foco dessa resistência. Apesar das trapalhadas de Bolsonaro, a oposição ao governo Lula no Congresso poderá assumir papel relevante ao evitar os arroubos petistas mais radicais, em particular nas pautas ligadas à economia. A campanha de Marinho deixou claro que, ao contrário do PSDB em gestões anteriores, o PT deverá enfrentar desta vez uma oposição aguerrida, com capacidade de mobilização.

Para enfrentar os garimpos ilegais, é preciso rastrear a cadeia do ouro

O Globo

Mercado deveria exigir certificados de origem, a exemplo dos que já existem para carne e madeira

A tragédia sanitária que aflige o povo ianomâmi, resultado da invasão do território indígena por 20 mil garimpeiros, levantou uma discussão sobre a legislação que regula o garimpo. O ministro da Justiça, Flávio Dino, acionou a Advocacia-Geral da União (AGU) para levar ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma discussão sobre o tema. De acordo com Dino, está em operação uma usina de lavagem de dinheiro, que legaliza o ouro extraído na reserva ianomâmi para vendê-lo nas grandes metrópoles ou no exterior

A maior fragilidade da lei, segundo Dino, é presumir a boa fé de quem vende e compra o ouro. Os sites Repórter Brasil e Amazônia Real expuseram num extenso trabalho jornalístico publicado em 2021 os meandros percorridos pelo metal. A reportagem visitou em Boa Vista lojas receptadoras de garimpos ilegais e deixou claro que não existe fiscalização eficaz sobre o negócio. Atravessadores costumam operar em Manaus ou Itaituba (PA), onde distribuidoras de valores esquentam o ouro ilegal de forma simples: basta preencher manualmente uma nota fiscal própria, informando que o ouro saiu de um garimpo legal. Não há fiscalização.

O interesse de políticos da região com conexões com Brasília também é forte nos garimpos. Os jornalistas descobriram que o controlador de uma instituição financeira com autorização do Banco Central para comprar ouro também é dono de garimpo e lojas de receptação em Boa Vista. Detém permissões para prospectar lavras no Pará e transita com tanta facilidade em Brasília que, em julho de 2019, esteve com o então vice-presidente, Hamilton Mourão.

Esse exemplo demonstra a força política do garimpo ilegal. A Lei do Garimpo, de 2013, é frágil porque foi idealizada e aprovada com o propósito de facilitar a exploração na Amazônia. Será um avanço se o STF decretar a inconstitucionalidade dessa lei.

Mas é preciso mais. O próprio mercado deveria criar mecanismos para rastrear o ouro obtido legalmente, a exemplo do que já é feito nos setores da carne e da madeira. Por mais que o metal possa ser derretido e reaproveitado, a exigência de documentação de origem funcionaria como um freio à exploração ilegal. Em 2021, os repórteres chegaram a encontrar ouro de reservas indígenas nas mais célebres joalherias do Sudeste.

O futuro do Brasil depende do que acontecerá na Amazônia, e a chegada do crime organizado aos garimpos precisará ser combatida com energia pelas forças de segurança. Para retirar os garimpeiros da reserva ianomâmi definitivamente, contudo, será preciso asfixiar o negócio que os sustenta. Incentivar a compra de ouro legal é dever dos legisladores e juízes, mas também dos empresários que não aceitam estar associados à tragédia indígena.

Recuo da inflação não é seguro e BCs elevam juros

Valor Econômico

A batalha contra a inflação não está ganha e os BCs estão dispostos a aumentar mais os juros

Os principais bancos centrais do mundo desenvolvido e emergente, com exceções, estão diante das mesmas dúvidas e dilemas clássicos. O aperto monetário rápido já executado foi suficiente para domar a inflação e levá-la de voltas às metas? Em caso afirmativo, está perto a hora de parar com os aumentos de juros e iniciar sua reversão? As respostas variam, mas não muito. O Federal Reserve americano elevou ontem a taxa básica para o intervalo entre 4,5% e 4,75%, reduzindo o ritmo para 0,25 ponto percentual, mas prometeu seguir com os aumentos até inflexão decisiva da inflação. O Banco Central Europeu deverá hoje decidir por mais 0,5 ponto de ajuste, elevando a taxa a 2,5% e sinalizando replicar a dose na reunião subsequente. Na mesma toada segue o Banco da Inglaterra.

Apesar de reduzir o ritmo de aperto, dado o “largo terreno percorrido”, não existem condições ainda de pensar em afrouxamento da política monetária. Durante entrevista, ele insinuou que os juros não se moverão para baixo este ano. Os diagnósticos do Fed diferem do dos mercados - que prevê mais uma alta do juro, uma pausa e depois início do ciclo de queda -, assinalou. Na perspectiva de Powell, os juros subirão até aonde for necessário, e ele não espera que a economia entre em recessão, mas sim em um período de expansão baixa e contida. A inflação, que já começou a cair, não declinará rapidamente ao longo do ano - ele acredita que o PCE pode girar em torno dos 3,5% ou um pouco menos em 2023.

O diagnóstico do Fed, cuja decisão por prosseguir com os aumentos foi unânime, é que o processo de desinflação começou claramente no setor de bens, o que é bom, está a caminho no setor imobiliário, porém sequer teve início no núcleo de serviços que excluem imóveis. Enquanto os dois primeiros segmentos perfazem 40% do índice de preços, o último engloba de 55% a 60%. “É muito prematuro declarar vitória”, disse o presidente do Fed.

O comunicado do banco apontou que o consumo se retraiu diante do impacto dos juros, o mercado imobiliário está se enfraquecendo pelo mesmo motivo, assim como os investimentos fixos das empresas. O ponto diferente no ciclo econômico é a pujança do mercado de trabalho, que acrescentou 247 mil postos mensais nos últimos três meses. Para Powell, não haverá volta da inflação para a meta de 2% sem um melhor equilíbrio entre oferta e demanda de mão de obra.

Perguntado, Powell reconheceu que não há uma espiral de preços e salários exatamente porque houve aumento dos juros, pois se a tendência se instalasse o Fed estaria diante de uma grande encrenca. Por outro lado, descarta encerrar sua tarefa no meio do caminho. “É muito difícil gerenciar os riscos de fazer menos do que se deveria diante da inflação”, afirmou, indicando que, da mesma forma, o Fed não tem a menor intenção de “overtightening”. Ele insistiu que ainda faltam mais evidências substanciais de que a inflação tomou o rumo de volta para 2% e que “não há espaço para complacência”.

A queda dos preços da energia amorteceram a variação dos preços nos dois lados do Atlântico - mais na Europa que nos EUA. Na zona do euro, após atingir 10,6% em outubro, o índice de preços ao consumidor caiu para 8,5% em janeiro. A inflação da energia em doze meses recuou de 25,5% em dezembro para 17,2% em janeiro, uma queda significativa não correspondida por boa parte dos sub-índices de preços. A variação dos alimentos foi de 14,1% e a dos bens exceto energia, de 6,9%. O PIB da união monetária encerrou 2022 com crescimento de 3,5%, surpreendente diante do quase consenso anterior de que uma recessão seria inevitável no bloco, e suplantando a expansão da economia americana, de 2,1%.

Fatores de preocupação, no entanto, não deixaram o horizonte. O desemprego permaneceu em janeiro em 6,6%, menor taxa desde que o índice começou a ser calculado em 1995. O núcleo da inflação não se mexeu no último bimestre e ficou estacionado em 5,2%, ainda distante de 2% e muito elevado, especialmente considerando-se que a medida expurga itens voláteis, como energia e alimentos. A inflação de serviços começou a recuar discretamente, passando de 4,4% para 4,2%. Com tudo isso, não resta dúvida de que o BCE terá mais trabalho pela frente e não deve abandonar a rota até pelo menos que a taxa básica chegue a 3%, como esperam os investidores. Resumo: a batalha contra a inflação não está ganha e os BCs estão dispostos a aumentar mais os juros.

Urgência yanomami

Folha de S. Paulo

Há que cortar suprimentos do garimpo, além de melhorar saúde e educação indígena

O decreto recém-editado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) acerca da emergência de saúde yanomami se pauta pela urgência ao controlar o espaço aéreo sobre a terra indígena. Há muito se sabe que o garimpo ilegal, origem da maioria das mazelas, depende do suprimento por aeronaves.

O urgente nunca foi providenciado, se não intencionalmente sonegado, no governo de Jair Bolsonaro (PL). Como o país gastou bilhões com o militarizado Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam), evidencia-se que as Forças Armadas tiveram parte destacada na incúria que conduziu à tragédia sanitária.

Decreta-se agora que o Comando da Aeronáutica cumpra o papel negligenciado. Não basta. Outras instituições, como Exército, Marinha, Polícia Federal e Força Nacional de Segurança Pública, precisam empenhar-se noutra providência, que é estrangular o suprimento de combustível e gêneros para as barcaças do garimpo.

Só assim passará a minguar o contingente de estimados 20 mil garimpeiros invasores do território yanomami. O número se torna assustador quando comparado aos 28 mil indígenas na parcela brasileira da etnia, por deixar patente a total ausência do Estado na área.

Medida não menos necessária seria disciplinar o comércio do ouro ali extraído. Metade do metal do Brasil tem indícios de ilegalidade, segundo o Instituto Escolhas, e apenas cinco distribuidoras respondem pela compra, na Amazônia, de um terço da produção. Não será fácil, dada a cumplicidade de agentes civis e militares na região.

No que respeita à saúde, fulcro do desastre ora posto à vista do público, o surto de ações emergenciais tem de ser seguido de providências estruturais. Reabrir unidades sanitárias fechadas pela violência garimpeira e dar segurança aos profissionais de saúde não são mais que o começo.

Desnutrição e malária só serão controladas com medidas sistemáticas de prevenção, para as quais se recomenda capacitar agentes indígenas de saúde. Há que melhorar, ainda, as bases de dados do sistema de atenção à saúde desses povos, como alertou a economista Cecilia Machado nesta Folha.

Por fim, a falta de perspectivas para jovens indígenas —e não só yanomamis— empurra alguns deles para serviços braçais e sexuais demandados pelo garimpo.

Há que aperfeiçoar a educação nas próprias aldeias, oferecer-lhes alternativas de renda (por exemplo, no turismo socioambiental) e prover serviços básicos como saneamento, segurança alimentar, energia e conectividade.

Avanço paulista

Folha de S. Paulo

Estado libera acesso a derivados da maconha no SUS; falta legalização do plantio

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), tomou uma decisão sensata ao assinar a lei que permite a distribuição de remédios produzidos a partir de derivados da maconha pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Dada a ligação entre Tarcísio e o bolsonarismo, cuja postura reacionária em relação à atualização da política de drogas é notória, havia certa expectativa em relação à sanção. Não à toa, um abaixo-assinado com cerca de 40 mil pessoas e uma carta da OAB-SP pediram que a decisão da Assembleia Legislativa paulista fosse referendada.

Há ainda preconceitos na sociedade brasileira acerca de medidas que visem a liberalização da erva. Em relação ao uso medicinal, sobretudo, a visão deveria ser mais pragmática, como ressaltou o governador: "Isso é uma questão de saúde pública. Não tem nada a ver com ser ou não conservador".

A Anvisa permite o uso medicinal desde 2015. No fim de 2019, a agência aprovou a venda de produtos nacionais à base de canabidiol (CBD) —um dos princípios ativos da maconha— e uma simplificação tímida da importação direta por pacientes com prescrição médica. Contudo, proibiu-se o cultivo da planta para fins medicinais.

Assim, fabricantes ainda precisam importar insumos, o que encarece os remédios, e a maioria dos pacientes não tem condições financeiras para importá-los. Mesmo assim, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Canabinoides, foram feitas 40.191 solicitações de importação em 2021, 110% a mais do que no ano anterior.

O fornecimento de medicamentos de forma gratuita pelo SUS no estado de São Paulo, portanto, democratiza o acesso da população a medicamentos que podem aliviar sintomas de condições como autismo, epilepsia, doença de Parkinson, insônia, quimioterapia etc.

No entanto os custos, tanto para o Estado quanto para pacientes, poderiam ser diminuídos caso o plantio fosse permitido no país. Para isso, é preciso que o Congresso cumpra sua função e aprove legislação que regulamente toda a cadeia produtiva.

Considerando as dimensões continentais do Brasil, o clima propício e a aptidão nacional para a agricultura, deveríamos não apenas suprir o mercado interno, mas também entrar de modo competitivo no mercado internacional.

Análise da consultoria Arcview, especializada em cânabis, aponta que o comércio global de maconha medicinal cresceu 45% entre 2018 e 2019, quando atingiu a marca da US$ 14,9 bilhões. A previsão é que alcance 43 bilhões no ano que vem.

Os danos da judicialização da política

O Estado de S. Paulo.

Admitindo a culpa dos partidos na judicialização da política, Lula pediu que parem com a prática. É preciso respeitar o jogo democrático. A política não pode ser decidida no Judiciário

É preciso que os partidos respeitem o jogo democrático. A política não pode ser decidida no Judiciário.

No dia 27 de janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu aos líderes de partidos da base aliada do governo para que deixem de “judicializar a política”. E reconheceu: “Nós temos culpa de tanta judicialização. A gente perde uma coisa no Congresso Nacional e, ao invés de a gente aceitar a regra do jogo democrático de que a maioria vence e a minoria cumpre aquilo que foi aprovado, a gente recorre a uma outra instância para ver se a gente consegue ganhar”.

Essa frase de Lula precisa ser emoldurada, para ser recordada e cobrada muitas vezes. Nos últimos anos tem havido, por parte de muitos partidos – com destaque para as legendas de esquerda, mas não apenas elas –, uma insistente tentativa de recorrer ao Judiciário para reverter derrotas políticas. O tema é muito sério, interferindo no funcionamento do Estado Democrático de Direito.

“É preciso parar com esse método de fazer política”, disse Lula. “Isso faz o Poder Judiciário adentrar o Poder Legislativo e ficar legislando no lugar do Congresso Nacional”, admitiu.

É certo que o próprio Judiciário tem parcela de responsabilidade pelo fenômeno da judicialização da política. A rigor, os tribunais – em especial, o Supremo Tribunal Federal (STF) – deveriam rejeitar de pronto demandas judiciais envolvendo assuntos políticos, sob o argumento de que, em razão do princípio constitucional da separação dos Poderes, não dispõem de competência para julgar esse tipo de causa. Nesse sentido, é preciso insistir, sem cansaço, na importância de que a Justiça respeite conscienciosamente suas atribuições constitucionais.

No entanto, como a Constituição de 1988 é ampla e sempre há interpretações judiciais pretendendo estender ainda mais o alcance das normas constitucionais, é fundamental que a própria política – em especial, os partidos e as lideranças parlamentares – deixe de bater à porta do Judiciário para que este decida os embates políticos. Não faz nenhum sentido que parlamentares submetam a juízes matérias cuja resolução é de competência do Congresso. Agindo assim, deputados e senadores, que deveriam ser os primeiros a defender as prerrogativas do Legislativo, atropelam eles mesmos as atribuições de suas respectivas Casas.

No pedido de Lula para que seus aliados parem de judicializar a política, há um aspecto especialmente significativo. O presidente da República não diz que essa prática tem sido ineficaz – no sentido de que o Judiciário não estaria dando ganho de causa a esses pleitos que tentam reverter derrotas políticas – e, portanto, seria melhor parar com ela. O problema ocorre justamente quando a tática funciona – quando a Justiça dá provimento a essas demandas –, o que acarreta uma diminuição do espaço da política, com os tribunais “legislando no lugar do Congresso Nacional”, como disse Lula.

Longe de ser um modo a mais de fazer política, a conversão de disputas políticas em demandas judiciais representa, no limite, a morte da própria política. Quando as legendas usam o Judiciário para sua agenda política, elas estão dizendo que a representação popular é inapta para resolver aquelas questões apresentadas aos tribunais, como se bastasse, para sua resolução, o voto de juízes.

Em levantamento do Estadão no meio do mandato de Bolsonaro, constatou-se que as maiores derrotas sofridas até então pelo governo no STF eram decorrência de ações propostas por partidos políticos. Alguns deles com baixíssima representatividade no Congresso, o que indicava mais um desequilíbrio do sistema partidário. Com a judicialização da política, legendas nanicas desfrutavam de um status jurídico incompatível com sua representação. Na ocasião, o partido com maior êxito no Supremo contra o Palácio do Planalto era a Rede, que tinha uma deputada federal e dois senadores.

Já lembramos neste espaço, no editorial A judicialização da política (25/1/21), que o poder emana do povo, e não de táticas jurídicas. Em vez de fazer jus ao mandato que recebeu do eleitor, o parlamentar o desmerece sempre que vai à Justiça para buscar os votos que foi incapaz de obter no confronto político.

O mau combate à corrupção

O Estado de S. Paulo.

Na última década, avanços legais e conquistas da Justiça no combate à corrupção foram dilapidados por abusos nos âmbitos político e judiciário em nome, ora vejam, do ‘combate à corrupção’

Escorada em seu Índice de Percepção da Corrupção (IPC), a ONG Transparência Internacional aponta que o Brasil teve uma “década perdida” no combate à corrupção. Em certa medida, foi pior: uma década de retrocesso. Entre 2012 e 2022, ainda que a pontuação do País tenha ficado relativamente estagnada, variando de 43 para 38 pontos, o Brasil caiu da 69.ª posição para a 94.ª, ficando abaixo da média global (43 pontos), dos Brics (39), da América Latina (43) e bem abaixo dos 66 pontos da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

O resultado, a princípio, causa perplexidade. Afinal, houve avanços legais, como a incorporação de marcos internacionais contra a lavagem de dinheiro, a proibição de doações de campanha por empresas ou as Leis Anticorrupção e das Estatais. Ao mesmo tempo, a Justiça desbaratou megaesquemas de corrupção, como o mensalão e o petrolão.

Mas esses avanços nos âmbitos político e judiciário foram neutralizados por abusos nos âmbitos político e judiciário: a contraofensiva do sistema imunológico das corporações patrimonialistas no Legislativo, os desvios de governos populistas de esquerda, em nome da “justiça social”, ou de direita, em nome da “lei e da ordem”, e, não menos importante, da Justiça, em nome da “democracia” e do próprio “combate à corrupção”.

O resultado do IPC “reflete o desmanche acelerado dos marcos legais e institucionais anticorrupção que o País havia levado décadas para construir”, avalia a Transparência Internacional. “Junto com o retrocesso na capacidade de enfrentamento da corrupção, o Brasil sofreu degradação sem precedentes de seu regime democrático.”

São fenômenos interligados. Analisando os últimos dois anos, a Transparência Internacional acusa as omissões do procurador-geral da República; a atuação do então presidente Jair Bolsonaro para debilitar órgãos de controle e ocultar dados públicos; a disseminação de notícias falsas turbinada por ele e seus correligionários; e “heterodoxias” processuais encampadas pela Suprema Corte ante ameaças às instituições republicanas. O grande destaque foi para o orçamento secreto mancomunado entre o Executivo e o Legislativo, que não só “perverteu a formulação de políticas públicas” em áreas como saúde, educação e assistência social, mas, “ao jorrar bilhões para municípios sem capacidade institucional de controle, pulverizou ainda mais a corrupção, potencializando fraudes e desvios em nível local”.

Como o bolsonarismo, o lulopetismo sempre consagrou a ética em seus discursos eleitoreiros. Na prática, ambos manobraram para enfraquecer os mecanismos de controle ao seu arbítrio e concentração do poder. O aparelhamento do Estado, que criou um ambiente fértil a todo tipo de corrupção, desvios de recursos públicos e uso do poder estatal para fins privados, foi consequência direta da ideia de Estado onipresente e desenvolvimentista do PT, assim como de uma concepção política infensa ao diálogo, mas aberta às mais espúrias negociatas em troca de apoio. Até hoje o PT justifica os crimes em sua gestão como uma espécie de “corrupção do bem” em nome da governabilidade, como a dizer “rouba, mas faz justiça social”.

A ideia de que os fins justificam os meios grassou na própria Justiça. A Lava Jato criou um legado inestimável ao mostrar que a lei vale para todos, até para as oligarquias no poder. Mas o lavajatismo dilapidou esse legado. Excitando no imaginário popular a ideia de que a corrupção é a raiz de todos os males e que tudo vale para erradicá-la, a operação arrogou-se prerrogativas de uma instituição paralela, lançando mão de todo tipo de abuso e espetacularização do processo legal numa cruzada messiânica pela purificação de um sistema político supostamente podre da raiz aos frutos, sem exceções.

Assim, em nome do “combate à corrupção”, a judicialização da política e a politização da justiça vêm se retroalimentando, criando círculos viciosos que se entrelaçaram como engrenagens de uma máquina perniciosa que desmoraliza a política e a Justiça e faz o País retroceder no combate à corrupção.

Emprego se segura; salário, nem tanto

O Estado de S. Paulo.

Foram criados 2 milhões de vagas em 2022, mas salários caíram, o que torna imperativo agir contra a inflação

O País criou 2,038 milhões de empregos com carteira assinada no ano passado, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) divulgado pelo Ministério do Trabalho. O número, que representa o saldo final entre contratações e demissões ao longo de 2022, foi puxado pelo desempenho do setor de serviços, último a se recuperar dos efeitos da pandemia de covid-19, com 1,177 milhão de vagas. O resultado, no entanto, deve ser lido pelo que ele realmente representa: um retrato do passado, e não uma tendência para este ano, marcado por desaceleração e muitas incertezas na economia.

O Caged se baseia nos registros formais de contratação e demissão de trabalhadores informados pelas próprias empresas. Expressa, portanto, apenas uma parte do mercado de trabalho brasileiro, muito caracterizado pela informalidade. Ainda assim, todos os grupamentos de atividades econômicas registraram saldo positivo – o comércio gerou 350 mil postos de trabalho; a indústria, 252 mil; a construção, 194 mil; e a agropecuária, 65 mil. No recorte por regiões do País, todas geraram mais vagas do que cortaram.

Para este ano, as projeções são mais modestas. Ainda que demissões sejam tradicionalmente esperadas no fim do ano, o Santander aponta que os dados de dezembro são compatíveis com um mercado de trabalho em desaceleração. As consultorias ainda projetam um saldo positivo entre contratações e demissões em 2023, mas bem menor que o do ano passado e sujeito a revisões para baixo, a depender do desempenho da economia.

Aproveitando a divulgação dos dados, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, fez um discurso político em defesa da formalização do mercado. Ele disse que o governo deve reforçar a fiscalização nas empresas para combater fraudes na contratação de trabalhadores registrados como pessoa jurídica (PJ) ou como microempreendedor individual (MEI). Marinho até tem alguma razão, mas não é esse tipo de operação que vai resolver um problema de dimensões bem mais amplas – como o custo de formalização da mão de obra.

O governo, por outro lado, faria muito bem se decidisse se debruçar sobre outros indicadores relevantes que o mesmo Caged apresenta. O salário médio de contratação no ano passado, de R$ 1.944,17, teve uma redução real de R$ 90,99 em relação ao pago em 2021. O salário médio de admissão em dezembro, de R$ 1.915,16, também registrou queda real em relação a novembro de R$ 17,90. Os rendimentos também permanecem mais baixos que os pagos antes da pandemia.

Se os números não trazem novidades, eles reforçam a máxima segundo a qual a inflação elevada tem o mesmo efeito de um imposto sobre os mais pobres, corroendo a renda do trabalhador e comprometendo sua já limitada capacidade de consumo. Em tempos de retomada de debates completamente superados na área econômica, como a revisão da reforma trabalhista, o Caged traz uma certeza cristalina: comprova como o controle da inflação, mais do que um capricho de investidores do mercado financeiro, é capaz de melhorar a vida do trabalhador de forma direta.

 


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