Força da oposição no Congresso será positiva para o país
O Globo
Mesmo com vitória dos candidatos
governistas na Câmara e no Senado, contraponto é essencial à democracia
Os nomes apoiados pelo Palácio do Planalto
foram escolhidos ontem para comandar as duas Casas do Congresso, mas o
resultado da eleição no Senado serviu para demonstrar que a oposição ao governo
do petista Luiz Inácio Lula da Silva ainda tem força. Mesmo abalado pelos
ataques do 8 de Janeiro em Brasília, o grupo político do ex-presidente Jair
Bolsonaro conseguiu se reagrupar e deverá criar dificuldades para as pautas de
interesse do governo.
Na Câmara não houve surpresa. O deputado
Arthur Lira (PP-AL) foi reconduzido à presidência com a tranquilidade prevista:
464 votos. No Senado, o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) também foi reeleito,
mas com margem menos folgada. Obteve 49 votos, 17 a mais que Rogério Marinho
(PL-RN). Os 32 votos em Marinho teriam sido suficientes para abrir uma CPI e,
com apenas um a mais, a oposição poderia barrar Propostas de Emenda
Constitucional (PECs), que exigem três quintos das duas Casas.
A correria de ministros e senadores da base aliada para garantir votos a Pacheco nos dias que antecederam a votação comprova a força da oposição. No final, eles obtiveram resultado favorável, mas nem na base governista houve consenso. Na formação dos ministérios, Lula fez aliança com MDB, PSD e União Brasil. O voto secreto, garantido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na última eleição em 2019, abriu, porém, espaço a defecções. Senadores do PSD e do União Brasil chegaram a declarar apoio a Marinho.
O bloco constituído no Senado em torno da
candidatura do ex-ministro do Desenvolvimento Regional reúne diferentes
interesses. O PSDB, que sempre fez oposição tímida aos governos petistas,
prometeu uma atuação programática no Parlamento. Na votação de ontem, nenhum
dos três senadores tucanos deu seu voto a Pacheco. A legenda, outrora
identificada com a luta pela democracia e com a centro-esquerda, se aliou a
Marinho e aos bolsonaristas.
O grupo ligado a Bolsonaro, formado por PL,
PP e Republicanos, foi impactado pela reação ao vandalismo do 8 de Janeiro e
evitou os holofotes nas últimas semanas. A campanha pela presidência do Senado
ofereceu uma oportunidade de reorganização. O próprio Bolsonaro, ainda nos
Estados Unidos, empenhou-se com pedido de votos, e seus partidários promoveram
ataques nas redes sociais a Pacheco e a seus apoiadores.
O Planalto já fez acenos a deputados e
senadores da oposição em busca de uma maioria mais confortável. Aposta na falta
de convicção ideológica dos parlamentares e na sede por verbas e cargos. É
provável que obtenha algum sucesso na iniciativa, mas a votação de ontem
mostrou que a vida do governo no Congresso não será tão fácil.
É positivo para o país que haja um
contraponto produtivo aos projetos do Planalto, e o Senado desponta como
principal foco dessa resistência. Apesar das trapalhadas de Bolsonaro, a oposição
ao governo Lula no Congresso poderá assumir papel relevante ao evitar os
arroubos petistas mais radicais, em particular nas pautas ligadas à economia. A
campanha de Marinho deixou claro que, ao contrário do PSDB em gestões
anteriores, o PT deverá enfrentar desta vez uma oposição aguerrida, com
capacidade de mobilização.
Para enfrentar os garimpos ilegais, é
preciso rastrear a cadeia do ouro
O Globo
Mercado deveria exigir certificados de
origem, a exemplo dos que já existem para carne e madeira
A tragédia sanitária que aflige o povo
ianomâmi, resultado da invasão do território indígena por 20 mil garimpeiros,
levantou uma discussão sobre a legislação que regula o garimpo. O ministro da
Justiça, Flávio Dino, acionou a Advocacia-Geral da União (AGU) para levar ao
Supremo Tribunal Federal (STF) uma discussão sobre o tema. De acordo com Dino,
está em operação uma usina de lavagem de dinheiro, que legaliza o ouro extraído
na reserva ianomâmi para vendê-lo nas grandes metrópoles ou no exterior
A maior fragilidade da lei, segundo Dino, é
presumir a boa fé de quem vende e compra o ouro. Os sites Repórter Brasil e
Amazônia Real expuseram num extenso trabalho jornalístico publicado em 2021 os
meandros percorridos pelo metal. A reportagem visitou em Boa Vista lojas
receptadoras de garimpos ilegais e deixou claro que não existe fiscalização
eficaz sobre o negócio. Atravessadores costumam operar em Manaus ou Itaituba
(PA), onde distribuidoras de valores esquentam o ouro ilegal de forma simples:
basta preencher manualmente uma nota fiscal própria, informando que o ouro saiu
de um garimpo legal. Não há fiscalização.
O interesse de políticos da região com
conexões com Brasília também é forte nos garimpos. Os jornalistas descobriram
que o controlador de uma instituição financeira com autorização do Banco
Central para comprar ouro também é dono de garimpo e lojas de receptação em Boa
Vista. Detém permissões para prospectar lavras no Pará e transita com tanta
facilidade em Brasília que, em julho de 2019, esteve com o então
vice-presidente, Hamilton Mourão.
Esse exemplo demonstra a força política do
garimpo ilegal. A Lei do Garimpo, de 2013, é frágil porque foi idealizada e
aprovada com o propósito de facilitar a exploração na Amazônia. Será um avanço
se o STF decretar a inconstitucionalidade dessa lei.
Mas é preciso mais. O próprio mercado
deveria criar mecanismos para rastrear o ouro obtido legalmente, a exemplo do
que já é feito nos setores da carne e da madeira. Por mais que o metal possa
ser derretido e reaproveitado, a exigência de documentação de origem
funcionaria como um freio à exploração ilegal. Em 2021, os repórteres chegaram
a encontrar ouro de reservas indígenas nas mais célebres joalherias do Sudeste.
O futuro do Brasil depende do que acontecerá na Amazônia, e a chegada do crime organizado aos garimpos precisará ser combatida com energia pelas forças de segurança. Para retirar os garimpeiros da reserva ianomâmi definitivamente, contudo, será preciso asfixiar o negócio que os sustenta. Incentivar a compra de ouro legal é dever dos legisladores e juízes, mas também dos empresários que não aceitam estar associados à tragédia indígena.
Recuo da inflação não é seguro e BCs elevam
juros
Valor Econômico
A batalha contra a inflação não está ganha
e os BCs estão dispostos a aumentar mais os juros
Os principais bancos centrais do mundo
desenvolvido e emergente, com exceções, estão diante das mesmas dúvidas e
dilemas clássicos. O aperto monetário rápido já executado foi suficiente para
domar a inflação e levá-la de voltas às metas? Em caso afirmativo, está perto a
hora de parar com os aumentos de juros e iniciar sua reversão? As respostas
variam, mas não muito. O Federal Reserve americano elevou ontem a taxa básica
para o intervalo entre 4,5% e 4,75%, reduzindo o ritmo para 0,25 ponto
percentual, mas prometeu seguir com os aumentos até inflexão decisiva da
inflação. O Banco Central Europeu deverá hoje decidir por mais 0,5 ponto de
ajuste, elevando a taxa a 2,5% e sinalizando replicar a dose na reunião
subsequente. Na mesma toada segue o Banco da Inglaterra.
Apesar de reduzir o ritmo de aperto, dado o
“largo terreno percorrido”, não existem condições ainda de pensar em
afrouxamento da política monetária. Durante entrevista, ele insinuou que os
juros não se moverão para baixo este ano. Os diagnósticos do Fed diferem do dos
mercados - que prevê mais uma alta do juro, uma pausa e depois início do ciclo
de queda -, assinalou. Na perspectiva de Powell, os juros subirão até aonde for
necessário, e ele não espera que a economia entre em recessão, mas sim em um
período de expansão baixa e contida. A inflação, que já começou a cair, não declinará
rapidamente ao longo do ano - ele acredita que o PCE pode girar em torno dos
3,5% ou um pouco menos em 2023.
O diagnóstico do Fed, cuja decisão por
prosseguir com os aumentos foi unânime, é que o processo de desinflação começou
claramente no setor de bens, o que é bom, está a caminho no setor imobiliário,
porém sequer teve início no núcleo de serviços que excluem imóveis. Enquanto os
dois primeiros segmentos perfazem 40% do índice de preços, o último engloba de
55% a 60%. “É muito prematuro declarar vitória”, disse o presidente do Fed.
O comunicado do banco apontou que o consumo
se retraiu diante do impacto dos juros, o mercado imobiliário está se
enfraquecendo pelo mesmo motivo, assim como os investimentos fixos das
empresas. O ponto diferente no ciclo econômico é a pujança do mercado de
trabalho, que acrescentou 247 mil postos mensais nos últimos três meses. Para
Powell, não haverá volta da inflação para a meta de 2% sem um melhor equilíbrio
entre oferta e demanda de mão de obra.
Perguntado, Powell reconheceu que não há
uma espiral de preços e salários exatamente porque houve aumento dos juros,
pois se a tendência se instalasse o Fed estaria diante de uma grande encrenca.
Por outro lado, descarta encerrar sua tarefa no meio do caminho. “É muito difícil
gerenciar os riscos de fazer menos do que se deveria diante da inflação”,
afirmou, indicando que, da mesma forma, o Fed não tem a menor intenção de
“overtightening”. Ele insistiu que ainda faltam mais evidências substanciais de
que a inflação tomou o rumo de volta para 2% e que “não há espaço para
complacência”.
A queda dos preços da energia amorteceram a
variação dos preços nos dois lados do Atlântico - mais na Europa que nos EUA.
Na zona do euro, após atingir 10,6% em outubro, o índice de preços ao consumidor
caiu para 8,5% em janeiro. A inflação da energia em doze meses recuou de 25,5%
em dezembro para 17,2% em janeiro, uma queda significativa não correspondida
por boa parte dos sub-índices de preços. A variação dos alimentos foi de 14,1%
e a dos bens exceto energia, de 6,9%. O PIB da união monetária encerrou 2022
com crescimento de 3,5%, surpreendente diante do quase consenso anterior de que
uma recessão seria inevitável no bloco, e suplantando a expansão da economia
americana, de 2,1%.
Fatores de preocupação, no entanto, não deixaram o horizonte. O desemprego permaneceu em janeiro em 6,6%, menor taxa desde que o índice começou a ser calculado em 1995. O núcleo da inflação não se mexeu no último bimestre e ficou estacionado em 5,2%, ainda distante de 2% e muito elevado, especialmente considerando-se que a medida expurga itens voláteis, como energia e alimentos. A inflação de serviços começou a recuar discretamente, passando de 4,4% para 4,2%. Com tudo isso, não resta dúvida de que o BCE terá mais trabalho pela frente e não deve abandonar a rota até pelo menos que a taxa básica chegue a 3%, como esperam os investidores. Resumo: a batalha contra a inflação não está ganha e os BCs estão dispostos a aumentar mais os juros.
Urgência yanomami
Folha de S. Paulo
Há que cortar suprimentos do garimpo, além
de melhorar saúde e educação indígena
O decreto recém-editado pelo presidente
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) acerca da emergência de saúde yanomami se pauta
pela urgência ao controlar o
espaço aéreo sobre a terra indígena. Há muito se sabe que o garimpo
ilegal, origem da maioria das mazelas, depende do suprimento por aeronaves.
O urgente nunca foi providenciado, se não
intencionalmente sonegado, no governo de Jair Bolsonaro (PL). Como o país
gastou bilhões com o militarizado Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam),
evidencia-se que as Forças Armadas tiveram parte destacada na incúria que
conduziu à tragédia sanitária.
Decreta-se
agora que o Comando da Aeronáutica cumpra o papel negligenciado. Não
basta. Outras instituições, como Exército, Marinha, Polícia Federal e Força
Nacional de Segurança Pública, precisam empenhar-se noutra providência, que é
estrangular o suprimento de combustível e gêneros para as barcaças do garimpo.
Só assim passará a minguar o contingente de
estimados 20 mil garimpeiros invasores do território yanomami. O número se
torna assustador quando comparado aos 28 mil indígenas na parcela brasileira da
etnia, por deixar patente a total ausência do Estado na área.
Medida não menos necessária seria
disciplinar o comércio do ouro ali extraído. Metade do metal do Brasil tem
indícios de ilegalidade, segundo o Instituto Escolhas, e apenas cinco
distribuidoras respondem pela compra, na Amazônia, de um terço da produção. Não
será fácil, dada a cumplicidade de agentes civis e militares na região.
No que respeita à saúde, fulcro do desastre
ora posto à vista do público, o surto de ações emergenciais tem de ser seguido
de providências estruturais. Reabrir unidades sanitárias fechadas pela
violência garimpeira e dar segurança aos profissionais de saúde não são mais
que o começo.
Desnutrição e malária só serão controladas
com medidas sistemáticas de prevenção, para as quais se recomenda capacitar
agentes indígenas de saúde. Há que melhorar, ainda, as bases de dados do
sistema de atenção à saúde desses povos, como alertou
a economista Cecilia Machado nesta Folha.
Por fim, a falta de perspectivas para
jovens indígenas —e não só yanomamis— empurra alguns deles para serviços
braçais e sexuais demandados pelo garimpo.
Há que aperfeiçoar a educação nas próprias
aldeias, oferecer-lhes alternativas de renda (por exemplo, no turismo
socioambiental) e prover serviços básicos como saneamento, segurança alimentar,
energia e conectividade.
Avanço paulista
Folha de S. Paulo
Estado libera acesso a derivados da maconha
no SUS; falta legalização do plantio
O governador de São Paulo, Tarcísio de
Freitas (Republicanos), tomou uma decisão sensata ao assinar a lei que permite a
distribuição de remédios produzidos a partir de derivados da maconha pelo
Sistema Único de Saúde (SUS).
Dada a ligação entre Tarcísio e o
bolsonarismo, cuja postura reacionária em relação à atualização da política de
drogas é notória, havia certa expectativa em relação à sanção. Não à toa, um
abaixo-assinado com cerca de 40 mil pessoas e uma carta da OAB-SP pediram que a
decisão da Assembleia Legislativa paulista fosse referendada.
Há ainda preconceitos na sociedade
brasileira acerca de medidas que visem a liberalização da erva. Em relação ao
uso medicinal, sobretudo, a visão deveria ser mais pragmática, como ressaltou o
governador: "Isso é uma questão de saúde pública. Não tem nada a ver com
ser ou não conservador".
A Anvisa permite o uso medicinal desde
2015. No fim de 2019, a agência aprovou a venda de produtos nacionais à base de
canabidiol (CBD) —um dos princípios ativos da maconha— e uma simplificação
tímida da importação direta por pacientes com prescrição médica. Contudo,
proibiu-se o cultivo da planta para fins medicinais.
Assim, fabricantes ainda precisam importar
insumos, o que encarece os remédios, e a maioria dos pacientes não tem
condições financeiras para importá-los. Mesmo assim, segundo a Associação
Brasileira da Indústria de Canabinoides, foram feitas
40.191 solicitações de importação em 2021, 110% a mais do que no ano anterior.
O fornecimento de medicamentos de forma
gratuita pelo SUS no estado de São Paulo, portanto, democratiza o acesso da
população a medicamentos que podem aliviar sintomas de condições como autismo,
epilepsia, doença de Parkinson, insônia, quimioterapia etc.
No entanto os custos, tanto para o Estado
quanto para pacientes, poderiam ser diminuídos caso o plantio fosse permitido
no país. Para isso, é preciso que o Congresso cumpra sua função e aprove
legislação que regulamente toda a cadeia produtiva.
Considerando as dimensões continentais do
Brasil, o clima propício e a aptidão nacional para a agricultura, deveríamos
não apenas suprir o mercado interno, mas também entrar de modo competitivo no
mercado internacional.
Análise da consultoria Arcview,
especializada em cânabis, aponta que o comércio global de maconha medicinal
cresceu 45% entre 2018 e 2019, quando atingiu a marca da US$ 14,9 bilhões. A
previsão é que alcance 43 bilhões no ano que vem.
Os danos da judicialização da política
O Estado de S. Paulo.
Admitindo a culpa dos partidos na
judicialização da política, Lula pediu que parem com a prática. É preciso
respeitar o jogo democrático. A política não pode ser decidida no Judiciário
É preciso que os partidos respeitem o jogo
democrático. A política não pode ser decidida no Judiciário.
No dia 27 de janeiro, o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva pediu aos líderes de partidos da base aliada do governo
para que deixem de “judicializar a política”. E reconheceu: “Nós temos culpa de
tanta judicialização. A gente perde uma coisa no Congresso Nacional e, ao invés
de a gente aceitar a regra do jogo democrático de que a maioria vence e a
minoria cumpre aquilo que foi aprovado, a gente recorre a uma outra instância
para ver se a gente consegue ganhar”.
Essa frase de Lula precisa ser emoldurada,
para ser recordada e cobrada muitas vezes. Nos últimos anos tem havido, por
parte de muitos partidos – com destaque para as legendas de esquerda, mas não
apenas elas –, uma insistente tentativa de recorrer ao Judiciário para reverter
derrotas políticas. O tema é muito sério, interferindo no funcionamento do
Estado Democrático de Direito.
“É preciso parar com esse método de fazer
política”, disse Lula. “Isso faz o Poder Judiciário adentrar o Poder
Legislativo e ficar legislando no lugar do Congresso Nacional”, admitiu.
É certo que o próprio Judiciário tem parcela
de responsabilidade pelo fenômeno da judicialização da política. A rigor, os
tribunais – em especial, o Supremo Tribunal Federal (STF) – deveriam rejeitar
de pronto demandas judiciais envolvendo assuntos políticos, sob o argumento de
que, em razão do princípio constitucional da separação dos Poderes, não dispõem
de competência para julgar esse tipo de causa. Nesse sentido, é preciso
insistir, sem cansaço, na importância de que a Justiça respeite
conscienciosamente suas atribuições constitucionais.
No entanto, como a Constituição de 1988 é
ampla e sempre há interpretações judiciais pretendendo estender ainda mais o
alcance das normas constitucionais, é fundamental que a própria política – em
especial, os partidos e as lideranças parlamentares – deixe de bater à porta do
Judiciário para que este decida os embates políticos. Não faz nenhum sentido
que parlamentares submetam a juízes matérias cuja resolução é de competência do
Congresso. Agindo assim, deputados e senadores, que deveriam ser os primeiros a
defender as prerrogativas do Legislativo, atropelam eles mesmos as atribuições
de suas respectivas Casas.
No pedido de Lula para que seus aliados
parem de judicializar a política, há um aspecto especialmente significativo. O
presidente da República não diz que essa prática tem sido ineficaz – no sentido
de que o Judiciário não estaria dando ganho de causa a esses pleitos que tentam
reverter derrotas políticas – e, portanto, seria melhor parar com ela. O
problema ocorre justamente quando a tática funciona – quando a Justiça dá
provimento a essas demandas –, o que acarreta uma diminuição do espaço da
política, com os tribunais “legislando no lugar do Congresso Nacional”, como
disse Lula.
Longe de ser um modo a mais de fazer
política, a conversão de disputas políticas em demandas judiciais representa,
no limite, a morte da própria política. Quando as legendas usam o Judiciário
para sua agenda política, elas estão dizendo que a representação popular é
inapta para resolver aquelas questões apresentadas aos tribunais, como se
bastasse, para sua resolução, o voto de juízes.
Em levantamento do Estadão no meio do
mandato de Bolsonaro, constatou-se que as maiores derrotas sofridas até então
pelo governo no STF eram decorrência de ações propostas por partidos políticos.
Alguns deles com baixíssima representatividade no Congresso, o que indicava
mais um desequilíbrio do sistema partidário. Com a judicialização da política,
legendas nanicas desfrutavam de um status jurídico incompatível com sua
representação. Na ocasião, o partido com maior êxito no Supremo contra o
Palácio do Planalto era a Rede, que tinha uma deputada federal e dois
senadores.
Já lembramos neste espaço, no editorial A
judicialização da política (25/1/21), que o poder emana do povo, e não de
táticas jurídicas. Em vez de fazer jus ao mandato que recebeu do eleitor, o
parlamentar o desmerece sempre que vai à Justiça para buscar os votos que foi
incapaz de obter no confronto político.
O mau combate à corrupção
O Estado de S. Paulo.
Na última década, avanços legais e
conquistas da Justiça no combate à corrupção foram dilapidados por abusos nos
âmbitos político e judiciário em nome, ora vejam, do ‘combate à corrupção’
Escorada em seu Índice de Percepção da
Corrupção (IPC), a ONG Transparência Internacional aponta que o Brasil teve uma
“década perdida” no combate à corrupção. Em certa medida, foi pior: uma década
de retrocesso. Entre 2012 e 2022, ainda que a pontuação do País tenha ficado
relativamente estagnada, variando de 43 para 38 pontos, o Brasil caiu da 69.ª
posição para a 94.ª, ficando abaixo da média global (43 pontos), dos Brics
(39), da América Latina (43) e bem abaixo dos 66 pontos da Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
O resultado, a princípio, causa
perplexidade. Afinal, houve avanços legais, como a incorporação de marcos
internacionais contra a lavagem de dinheiro, a proibição de doações de campanha
por empresas ou as Leis Anticorrupção e das Estatais. Ao mesmo tempo, a Justiça
desbaratou megaesquemas de corrupção, como o mensalão e o petrolão.
Mas esses avanços nos âmbitos político e
judiciário foram neutralizados por abusos nos âmbitos político e judiciário: a
contraofensiva do sistema imunológico das corporações patrimonialistas no
Legislativo, os desvios de governos populistas de esquerda, em nome da “justiça
social”, ou de direita, em nome da “lei e da ordem”, e, não menos importante,
da Justiça, em nome da “democracia” e do próprio “combate à corrupção”.
O resultado do IPC “reflete o desmanche
acelerado dos marcos legais e institucionais anticorrupção que o País havia
levado décadas para construir”, avalia a Transparência Internacional. “Junto
com o retrocesso na capacidade de enfrentamento da corrupção, o Brasil sofreu
degradação sem precedentes de seu regime democrático.”
São fenômenos interligados. Analisando os
últimos dois anos, a Transparência Internacional acusa as omissões do
procurador-geral da República; a atuação do então presidente Jair Bolsonaro
para debilitar órgãos de controle e ocultar dados públicos; a disseminação de
notícias falsas turbinada por ele e seus correligionários; e “heterodoxias”
processuais encampadas pela Suprema Corte ante ameaças às instituições republicanas.
O grande destaque foi para o orçamento secreto mancomunado entre o Executivo e
o Legislativo, que não só “perverteu a formulação de políticas públicas” em
áreas como saúde, educação e assistência social, mas, “ao jorrar bilhões para
municípios sem capacidade institucional de controle, pulverizou ainda mais a
corrupção, potencializando fraudes e desvios em nível local”.
Como o bolsonarismo, o lulopetismo sempre
consagrou a ética em seus discursos eleitoreiros. Na prática, ambos manobraram
para enfraquecer os mecanismos de controle ao seu arbítrio e concentração do
poder. O aparelhamento do Estado, que criou um ambiente fértil a todo tipo de
corrupção, desvios de recursos públicos e uso do poder estatal para fins
privados, foi consequência direta da ideia de Estado onipresente e
desenvolvimentista do PT, assim como de uma concepção política infensa ao
diálogo, mas aberta às mais espúrias negociatas em troca de apoio. Até hoje o
PT justifica os crimes em sua gestão como uma espécie de “corrupção do bem” em
nome da governabilidade, como a dizer “rouba, mas faz justiça social”.
A ideia de que os fins justificam os meios
grassou na própria Justiça. A Lava Jato criou um legado inestimável ao mostrar
que a lei vale para todos, até para as oligarquias no poder. Mas o lavajatismo
dilapidou esse legado. Excitando no imaginário popular a ideia de que a
corrupção é a raiz de todos os males e que tudo vale para erradicá-la, a
operação arrogou-se prerrogativas de uma instituição paralela, lançando mão de
todo tipo de abuso e espetacularização do processo legal numa cruzada
messiânica pela purificação de um sistema político supostamente podre da raiz
aos frutos, sem exceções.
Assim, em nome do “combate à corrupção”, a
judicialização da política e a politização da justiça vêm se retroalimentando,
criando círculos viciosos que se entrelaçaram como engrenagens de uma máquina
perniciosa que desmoraliza a política e a Justiça e faz o País retroceder no
combate à corrupção.
Emprego se segura; salário, nem tanto
O Estado de S. Paulo.
Foram criados 2 milhões de vagas em 2022,
mas salários caíram, o que torna imperativo agir contra a inflação
O País criou 2,038 milhões de empregos com
carteira assinada no ano passado, segundo o Cadastro Geral de Empregados e
Desempregados (Caged) divulgado pelo Ministério do Trabalho. O número, que
representa o saldo final entre contratações e demissões ao longo de 2022, foi
puxado pelo desempenho do setor de serviços, último a se recuperar dos efeitos
da pandemia de covid-19, com 1,177 milhão de vagas. O resultado, no entanto,
deve ser lido pelo que ele realmente representa: um retrato do passado, e não
uma tendência para este ano, marcado por desaceleração e muitas incertezas na
economia.
O Caged se baseia nos registros formais de
contratação e demissão de trabalhadores informados pelas próprias empresas.
Expressa, portanto, apenas uma parte do mercado de trabalho brasileiro, muito
caracterizado pela informalidade. Ainda assim, todos os grupamentos de
atividades econômicas registraram saldo positivo – o comércio gerou 350 mil
postos de trabalho; a indústria, 252 mil; a construção, 194 mil; e a
agropecuária, 65 mil. No recorte por regiões do País, todas geraram mais vagas
do que cortaram.
Para este ano, as projeções são mais
modestas. Ainda que demissões sejam tradicionalmente esperadas no fim do ano, o
Santander aponta que os dados de dezembro são compatíveis com um mercado de
trabalho em desaceleração. As consultorias ainda projetam um saldo positivo
entre contratações e demissões em 2023, mas bem menor que o do ano passado e
sujeito a revisões para baixo, a depender do desempenho da economia.
Aproveitando a divulgação dos dados, o
ministro do Trabalho, Luiz Marinho, fez um discurso político em defesa da
formalização do mercado. Ele disse que o governo deve reforçar a fiscalização
nas empresas para combater fraudes na contratação de trabalhadores registrados
como pessoa jurídica (PJ) ou como microempreendedor individual (MEI). Marinho
até tem alguma razão, mas não é esse tipo de operação que vai resolver um
problema de dimensões bem mais amplas – como o custo de formalização da mão de
obra.
O governo, por outro lado, faria muito bem
se decidisse se debruçar sobre outros indicadores relevantes que o mesmo Caged
apresenta. O salário médio de contratação no ano passado, de R$ 1.944,17, teve
uma redução real de R$ 90,99 em relação ao pago em 2021. O salário médio de
admissão em dezembro, de R$ 1.915,16, também registrou queda real em relação a
novembro de R$ 17,90. Os rendimentos também permanecem mais baixos que os pagos
antes da pandemia.
Se os números não trazem novidades, eles
reforçam a máxima segundo a qual a inflação elevada tem o mesmo efeito de um
imposto sobre os mais pobres, corroendo a renda do trabalhador e comprometendo
sua já limitada capacidade de consumo. Em tempos de retomada de debates
completamente superados na área econômica, como a revisão da reforma
trabalhista, o Caged traz uma certeza cristalina: comprova como o controle da
inflação, mais do que um capricho de investidores do mercado financeiro, é
capaz de melhorar a vida do trabalhador de forma direta.
Nenhum comentário:
Postar um comentário