O Globo
A regulação europeia cria um precedente
oportuno
Depois dos eventos de 8 de janeiro,
formou-se o consenso de que as mídias sociais e os aplicativos de mensagem
precisam de regulação. Mas iniciativas concorrentes e desarticuladas do
Legislativo e do Executivo podem desperdiçar a oportunidade que se abriu para
uma regulação robusta, amparada pela experiência internacional.
Logo depois do 8 de Janeiro, o presidente
da Câmara dos Deputados, Arthur Lira,
e o ministro da Justiça, Flávio Dino,
anunciaram separadamente iniciativas legislativas para regular as mídias
sociais.
Lira anunciou que retomaria a tramitação do PL 2630, conhecido como PL das Fake News, uma proposta elaborada pelo Senado no começo do governo Bolsonaro, que empacou na Câmara, cercada de controvérsias. O projeto do Senado foi aperfeiçoado pelo trabalho cuidadoso do relator Orlando Silva (PCdoB-SP), mas também limitado e distorcido pelo lobby das plataformas de mídia social e pelas condições políticas de uma Câmara alinhada com o governo Bolsonaro.
A última versão do texto, de abril de 2022,
retirou praticamente todas as medidas efetivas de regulação dos aplicativos de
mensagens propostas pelo Senado e incluiu um dispositivo pernicioso de
imunidade parlamentar que, a depender da interpretação, poderia eximir os
políticos da moderação das plataformas. Mensagens virais no WhatsApp e
no Telegram permaneceriam
sem poder ser rastreadas até as fábricas de ódio. Parlamentares também poderiam
publicar ataques à democracia, desestímulos à vacinação ou outros conteúdos
vetados a usuários comuns sem que suas postagens fossem apagadas ou moderadas.
Justamente por esses problemas, Dino optou
por formular sua proposta de regulação das mídias sociais — parte do “pacote
antigolpe” — na forma de Medida Provisória (MP), e não de projeto de lei (PL).
Se saísse como PL — como deve sair a proposta de criar uma Guarda Nacional —,
inevitavelmente seria apensado ao PL das Fake News e provavelmente amalgamado a
ele, com todos os seus problemas. Saindo como MP, a proposta passaria a ser
discutida separadamente e teria tramitação mais célere (além, é claro, de
validade imediata).
Só que a ideia de regular mídias sociais
por meio de MP despertou resistência — com razão, já que impacta sobre a
liberdade de expressão, um tema delicado. Não se sabe exatamente o conteúdo da
MP proposta por Dino, já que ainda não foi divulgada, mas ele deu declarações
sugerindo que introduzirá o dever de cuidado, dispositivo de inspiração
europeia que atribuiria às plataformas a responsabilidade de limitar a difusão
de conteúdo golpista e antidemocrático.
A briga entre Lira e Dino — Legislativo e
Executivo — para ver quem regula primeiro é muito ruim. Pode queimar a
oportunidade que se abriu para a regulação das mídias sociais e dos aplicativos
de mensagem.
Muita coisa mudou desde quando o Brasil
começou a discutir o PL das Fake News. Em primeiro lugar, os eventos de 8 de
janeiro mostraram que as consequências de sistemas de comunicação digital
desregulados podem ser muito graves. A eleição de Lula também abriu outro horizonte
político no Congresso, mais receptivo a abordagens regulatórias mais amplas.
Por fim, a Europa acaba de aprovar um pacote regulatório robusto, a Lei de
Serviços Digitais.
A regulação europeia cria um precedente
oportuno. Estabelece um paradigma muito bem pensado e discutido, apoiado nas
experiências regulatórias alemã e britânica. Além disso, como as plataformas já
terão de se ajustar a esses dispositivos no mercado europeu, não poderão alegar
aqui que os mecanismos são inviáveis ou que os custos de implementação são
proibitivos, como fizeram com o PL das Fake News.
Temos hoje uma opinião pública
sensibilizada, Legislativo e Executivo empenhados e um modelo internacional de
referência. É hora de propor uma regulação ampla, sem invencionices, próxima ao
modelo europeu, antes que a janela de oportunidade se feche. É preciso
abandonar o PL das Fake News, criado num contexto ultrapassado, e formular
outro por meio de um processo de consulta amplo, mas célere. Só há espaço
político para aprovar um texto. Por isso será preciso que a Câmara e o
Ministério da Justiça parem de competir por protagonismo e comecem a conversar.
Excelente artigo.
ResponderExcluirJornalismo é isso: conteúdo que esclarece.
Ajuda o leitor formar sua opinião
Vou pedir aos legisladores,deputado e senador, nos quais votei que se manifestem claramente a seus eleitores quanto as suas posições a essa questão.
Grato ao blog que informa e esclarece ao cidadão comum.
Regulação ampla (e irrestrita) significa que eu posso baixar o pau em todos os que pensam diferente de mim ? Acho interessante Muito interessante
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