Folha de S. Paulo
Na pena e na boca de sectários de centro,
'populista' vira xingamento análogo a 'comunista' e 'fascista'
Não falarei aqui, e o contraste seria
desmoralizante para mim, como Nietzsche no prefácio de "O
Anticristo", tão certo da chacota da quinta série que antecipou a própria
eternidade antes que a patota declarasse a sua obsolescência —suposta no caso
dele, certa no meu. Escreveu: "Alguns homens nascem póstumos".
Preparo-me para o perecimento. Não com o estoicismo dos monges, mas com a "nonchalance" dos sátiros. E leio, "nas horas intermédias do tédio", André Lara Resende. Não por crença, mas por apreço ao dissenso. Ademais, tem obra, bem além do alarido dos "bonitinhos, mas ordinários". Ou não tem? Faço uma citação coberta para eventuais caçadores de referências. Discurso único intoxica a inteligência, despreza as evidências em contrário e é incompatível com a civilidade.
Antes que
Lula voltasse a criticar os juros elevados, como fez em solenidade no
BNDES (6), eu mesmo havia me incomodado com o recado do Banco Central ao governo
ao manter a Selic em
13,75% ao ano. Estou entre aqueles que consideram essa taxa exagerada.
Na mensagem do BC, havia um tom de bedel e de ente acima das disputas humanas.
O presidente virou a Geni do mundinho "duzmercáduz" e seus
porta-vozes, mas não se intimidou e serviu outra dose à cólera dos sábios.
O tom e o pressuposto dos ataques ao
petista são espantosos. No tom, tratam-no como a um usurpador que tivesse
cometido a ousadia de tomar um lugar a outro reservado. A exemplo de qualquer
ressentimento, também o dos sectários de centro é irrefletido. O pressuposto é
ainda mais estapafúrdio: julgam o governo como se estivesse no fim.
Acrescente-se que a régua com que se mede pouco mais de um mês de gestão é o
primeiro mandato do próprio Lula. Como se o Brasil de antes fosse o de agora.
"Mas como pode o chefe do Executivo
criticar decisões do BC?" A indisposição e o inconformismo biliosos
preexistem às suas falas recentes. Já davam sinais na campanha e atingiram um
primeiro pico de mau humor com a PEC da Transição. As objeções eram
despropositadas porque alheias ao Brasil que se revelava na sua crueza antes
mesmo do fim do delírio fascistoide. Sentenças de morte foram escritas já em novembro. Tendo a achar que, se o biltre homiziado
de Orlando voltar, pode acabar atrapalhando o trabalho dessa oposição...
"Eu não peço desculpas nem peço
perdão" (by Jorge Mautner) por entender, desde sempre, que essa
prosa sobre independência do BC pressupõe uma neutralidade
impossível e é uma farsa intelectual consentida. E não porque o mercado
financeiro reúna lobos sanguinolentos, mas porque, na sua dimensão demasiadamente
humana, é o que é. Como lembra o advogado Walfrido Warde, as agências
reguladoras e o BC independente são tentativas de "deep state" no
país. As decisões do BC, no entanto, ele pondera, não são infensas às pressões
e fazem perdedores e ganhadores. Com juros altos, tomadores de crédito, por
exemplo, perdem. Quem ganha?
Para além das dissensões e crenças, é
incompatível com uma sociedade democrática partir do princípio de que o
presidente está obrigado a silenciar sobre juros, o que alçaria a autoridade
monetária à categoria de Estado acima do Estado. A ideia parece boa e, dizem,
nos protege de diabólicos populistas, mas é falsa. A propósito:
"populista" se tornou o insulto predileto dos sectários de centro. É,
na sua boca e na sua pena, o correspondente ao "comunista" dos
bolsonaristas e ao "fascista" da esquerda ligeira. Uma dica de
leitura: "Do
que Falamos Quando Falamos de Populismo", de Thomas Zicman de
Barros e Miguel Lago (Companhia das Letras).
Num seminário em Miami, Roberto
Campos Neto afirmou: "A principal razão, no caso da autonomia do
BC, é desconectar o ciclo de política monetária do ciclo político, porque eles
têm diferentes lentes e diferentes interesses. Quanto mais independente você é,
mais efetivo você é, e menos o país vai pagar em termos de custo-benefício da
política monetária".
Sedutor para alguns. É uma tese que funda
não o "deep state", mas o "metaphysical state" e o eleva a
uma categoria filosófica: o "platonismo monetário". Sem desculpas nem
perdão, ficam essas palavrinhas do anticristo irrelevante e obsolescente. Hora
da chacota...
Reinaldo Azevedo,certeiro como um tiro.
ResponderExcluirRA é irrelevante demais em economia para merecer uma chacota!
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