O Estado de S. Paulo.
São muitas as suas consequências negativas sobre o País. Estarão elas sendo levadas em conta pelo atual governo com visão estratégica?
Em termos econômicos, desde o fim da 2.ª
Guerra, em 1945, o liberalismo se impôs, com a redução do papel do Estado e a
força do livre-comércio e com a criação do FMI, do Banco Mundial e do Gatt
(depois Organização Mundial do Comércio – OMC). A globalização, que aproximou
países, empresas e pessoas, possibilitou a proliferação de acordos comerciais e
o estabelecimento de cadeias produtivas baseadas na eficiência. O fim da URSS,
em 1991, com a nova ordem baseada numa única superpotência, a entrada da China
na OMC, em 2001, e a realocação das cadeias produtivas para a China confirmaram
a ordem liberal.
A volta da China como potência econômica e comercial global trouxe o elemento geopolítico à cena econômica. Com Donald Trump, em 2017, são introduzidas medidas restritivas dos EUA contra a China, começam o esvaziamento da OMC e a perda de força das regras multilaterais de comércio. Essa tendência é agravada pela pandemia e, mais recentemente, pelo conflito Rússia/Ucrânia e pelas tensões entre China e Taiwan, acelerando a configuração de uma nova ordem econômica.
A nova ordem econômica mostra que a
eficiência na definição de políticas econômicas é substituída por objetivos de
segurança, soberania e poder. Evidências disso são o ataque ao livre-comércio,
a negociação de acordos comerciais regionais (não bilaterais), a realocação das
cadeias produtivas, o crescente número de restrições comerciais por razões
políticas e a busca de autossuficiência.
A globalização passa por importantes
ajustes com a descentralização das cadeias de produção, o aumento dos subsídios
e do custo do transporte e a desorganização e os altos preços nos mercados
agrícola e energético. Considerações sobre meio ambiente e mudança de clima
passaram a ter impacto sobre as negociações comerciais. O nacionalismo,
representado pelo fortalecimento das economias domésticas para conseguir uma
autonomia soberana em áreas consideradas estratégicas, e a definição de novas
políticas industriais nos EUA afetaram diretamente o liberalismo e o
livre-comércio, gerando tensões, com impactos globais. O populismo fortaleceu o
intervencionismo protecionista. Considerações de poder com base na segurança
nacional passaram a influir na aplicação de controle de exportações como arma
política, a exemplo das sanções, que incluíram, entre outras coisas, a
limitação do comércio dos semicondutores, a retirada de empresas chinesas da
Bolsa de NY e o congelamento de reservas.
Assim, a emergência da China e da Ásia como
eixos de poder econômico, a disputa com os EUA e a guerra na Ucrânia podem
levar a uma nova guerra fria, em outras bases, com divisão do mundo
(Ocidente/Eurásia) não em função de disputa ideológica ou militar, mas
econômica, tecnológica e comercial.
Em resumo, a nova ordem econômica está
baseada na segurança de abastecimento, e não no just in time; na realocação das
cadeias produtivas; na segurança energética; no controle de investimentos; na
formação de blocos regionais; na utilização da moeda como arma geopolítica; e
no mundo com crescimento reduzido e alta inflação.
Qual o impacto da nova ordem sobre o
Brasil? Colocando a casa em ordem, com políticas econômicas que respondam com
eficiência aos desafios internos de aumento da produtividade e competitividade,
e com uma visão pragmática em relação às transformações econômicas e políticas
que estão ocorrendo, poderíamos ser um dos beneficiários das novas circunstâncias
internacionais.
A emergência da China e da Ásia, sob o
aspecto econômico, foi muito favorável aos produtos agrícolas brasileiros que
encontraram novos mercado e preços elevados, tornando o Brasil um dos três
maiores exportadores mundiais de alimentos. A realocação das cadeias de
produção poderá abrir oportunidades para o Brasil em nível regional, com
investimentos em áreas de nosso interesse. O mercado de carbono, com a adequada
proteção do meio ambiente, em especial da Floresta Amazônica, poderá representar
ganhos financeiros significativos para empresas e para o País.
Este é o pano de fundo quando se diz que o
mundo mudou, coincidindo com o início do novo governo. São muitas as
consequências negativas da nova ordem econômica sobre o Brasil. Estarão elas
sendo levadas em conta pelo atual governo com visão estratégica? Como enfrentar
o enfraquecimento do multilateralismo, com a perda de relevância da OMC,
deixando países como o Brasil sem proteção jurídica para o desrespeito das
regras internacionais? Como enfrentar as restrições comerciais políticas, os
altos custos, as transformações tecnológicas com o 5G e a inteligência
artificial? Como serão respondidas as restrições às exportações brasileiras,
sobretudo pela política ambiental em relação à Amazônia, assim como aquelas em
razão da aprovação de nova regulamentação europeia de desmatamento? Como
reduzir a vulnerabilidade, representada pela concentração das exportações em
poucos mercados e produtos, e pela dependência dos semicondutores,
fertilizantes e insumos farmacêuticos? E a política para a reindustrialização?
Estamos voltados aos temas do século
passado, como a conclusão das negociações do acordo de livre-comércio entre o
Mercosul e a União Europeia, o ingresso na OCDE e o financiamento de projetos
em países vizinhos. Acorde, Brasil!
*Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), foi Embaixador em Londres e Washington
As idas e vindas da globalização, que na minha opinião foi enterrada, mas que o colunista acredita que passa apenas por "ajustes". Muito interessante esta análise! Parabéns ao autor e ao blog por divulgá-la!
ResponderExcluir"Como serão respondidas as restrições às exportações brasileiras, sobretudo pela política ambiental em relação à Amazônia, assim como aquelas em razão da aprovação de nova regulamentação europeia de desmatamento?"
ResponderExcluirPerguntem ao GENOCIDA fugitivo.
Se o miliciano mentiroso não quiser responder ou não souber do que se está falando, perguntem ao boiadeiro deputado federal Ricardo Salles (PL-SP).
O Brasil do Bolsonaro, Guedes e o tal do Araújo regrediu à Idade da Trevas em termos de competitividade e presença no exterior! Muito há o que se fazer para, ao menos, recompor ao patamar anterior! Penso que o governo atual tem consciência e está se movendo rapidamente para uma posição de respeito que ajudará as empresas brasileiras e o Brasil!
ResponderExcluirÓtima apresentação.
ResponderExcluirMuito boa a visão macro da 3a. década do século XXI
ResponderExcluirVivemos num tempo que tudo acontece de forma vertiginosa
Ficar atento as transformações
Quem sabe,sabe.
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