O Globo
Campos Neto foi conciliador, Haddad
demonstrou querer cessar a tensão, mas PT vai seguir o que Lula indicar
Não há ditado que, em português, traduza
com imagem semelhante a maravilhosa expressão em inglês “It takes two to
tango”. Dizer que é preciso que haja dois para que se dance o tango fica longo
demais e não alcança nem sonoridade nem o significado, mais próximo do nosso
“Quando um não quer, dois não brigam”.
Roberto Campos Neto recusou, na entrevista ao “Roda viva”, o convite de Lula para dançar um tango que poderia levá-lo a se inviabilizar. Foi conciliador, disse que quer, sim, dançar conforme a música do governo e traçou uma única linha que não pretende ultrapassar: a revisão da meta de inflação, seja para este ano, seja para 2024.
Mas o baile segue e terá novos números de
dança nos próximos dias, e novos bailarinos serão chamados ao palco. A
entrevista de Campos Neto foi seguida de perplexidade no lado do PT, uma
espécie de decepção. Havia certa torcida para que o presidente do BC esticasse
a corda da tensão e reafirmasse a preocupação com o cenário fiscal (que existe)
e a posição de manter os juros altos por tempo indefinido enquanto essa
preocupação persistir. Ele foi político ao se mostrar permeável ao argumento da
necessidade de o BC também atuar para fomentar crescimento e emprego, desde que
de forma “responsável” e “técnica”.
Antecipando-se à própria entrevista, o PT
aprovou uma resolução para convocar Campos Neto a explicar os juros no
Congresso. Ele respondeu que não precisa: explicar ao Congresso a política
monetária é sua obrigação legal, está disposto a ir a qualquer tempo. Sobrou
como elemento, caso governo e partido queiram sustentar a briga, portanto, a
meta de inflação. Pelo menos na reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) de
amanhã, com o presidente do BC e os ministros Fernando Haddad (Fazenda) e
Simone Tebet (Planejamento), o tema não virá à baila, pois Haddad o tirou da
pauta.
Se os dois pudessem definir um roteiro,
nenhum encorajaria Lula a insistir em levar a revisão das metas já fixadas para
o CMN, uma vez que isso emitirá ao mercado o sinal de que a meta não será
cumprida e pressionará ainda mais preços, câmbio e juros. Mais um pisão no pé
do tango desafinado. A opinião dos ministros acabou prevalecendo. O fator a
pesar agora será se o presidente está disposto a seguir nesse tema ou se o
deixará morrer aos poucos, o que seria o mais prudente a fazer do seu próprio
ponto de vista.
Rodrigo Pacheco voltou a repetir ontem que
não haverá “retrocesso” no que concerne à autonomia do BC e que o caminho é o
“diálogo”, fazendo, portanto, eco ao clamor público de Campos Neto por se
reunir com o presidente da República.
Para levar o tema das metas ao CMN, o
governo precisaria ter proposto sua inclusão na pauta em reunião prévia do
Comitê da Moeda e do Crédito nesta quarta-feira. Teria continuado a deixar as
digitais numa discussão extemporânea, que poderia ter efeito contrário ao
pretendido.
Tudo o que Haddad gostaria de ter evitado,
semanas atrás, era que isso virasse tema de redes sociais e discussão no
diretório do PT, mas várias razões, da ata do Copom às falas de Lula, tiraram o
assunto do âmbito reservado das conversas que vinham acontecendo.
O mercado chegou ao fim da entrevista de
Campos Neto aliviado, acreditando numa trégua na pressão sobre ele. Os petistas
chegaram divididos entre aguardar a nova orientação de Lula e seguir com o
discurso de que o partido quer a cabeça do titular do BC, como ouvi de vários
dirigentes na noite de segunda-feira e ao longo da terça.
A orientação para a reunião de amanhã
mostra que por ora Haddad prevaleceu. Está em jogo também o futuro próximo da
autonomia não mais do BC, mas dos próprios ministros de definir uma agenda
econômica e trabalhar nela com tranquilidade e lastro.
Gostei da entrevista no Roda Viva.
ResponderExcluir