sábado, 18 de março de 2023

Carlos Alberto Sardenberg- Dúvidas razoáveis?

O Globo

Sumir com um déficit de 2,3% do PIB em dois anos é uma proeza que só pode ser realizada com forte corte de gastos

Existem várias maneiras para controlar as contas públicas, mas, ao final, trata-se de uma combinação de receitas e despesas. Tem-se falado recentemente em controle pela dívida. Ocorre que o tamanho e a evolução da dívida dependem da relação entre receita e despesas. Se o gasto excede a arrecadação, surge um déficit que logo se torna dívida.

Também se pode avaliar a dívida não pelo tamanho absoluto, mas pela relação com o Produto Interno Bruto. Se a dívida permanece estável, e o PIB cresce, é claro que o quadro fiscal ganha equilíbrio. Mas a outra variável — a equação de receita e despesa — continua dominante.

Dirão:

— Mas que monte de obviedades!

Com razão.

Então por que estamos insistindo nisso? Porque toda essa conversa sobre o novo arcabouço fiscal parece caminhar em busca de algum truque para escapar daquelas obviedades.

O que se sabe?

O orçamento do governo federal prevê para este ano um déficit em torno de R$ 230 bilhões, cerca de 2,3% do PIB. O ministro Fernando Haddad já falou em reduzi-lo para menos da metade — R$ 100 bilhões —, podendo zerá-lo em 2024.

Gente, trata-se de um ajuste fiscal brutal. Sumir com um déficit de 2,3% do PIB em apenas dois anos é uma proeza que só pode ser realizada com forte corte de gastos e ganhos expressivos na arrecadação. Dá para desconfiar. Ou, pelo menos, dá para levantar dúvidas razoáveis.

Considere o corte de gastos. Ainda nesta semana, o presidente Lula cobrou serviço de seus ministros, que apresentassem planos e obras. Antecipadamente, desconsiderou a desculpa da falta de dinheiro. Os ministros devem é buscar o dinheiro com os ministérios da Fazenda e do Planejamento. A nenhum ministro foi pedido um orçamento equilibrado ou algum esforço fiscal. A ordem implícita é gastar.

Considere agora o lado da receita. Haddad parece confiar bastante nos ganhos de arrecadação. O problema é que a carga tributária já é muito alta no Brasil — em torno dos 35% do PIB, calculando por baixo.

Um exemplo: fala-se em cobrar impostos pesados sobre dividendos que acionistas recebem, hoje isentos. Fazer com que os ricos paguem — é a versão ideológica. Ora, é verdade que o imposto sobre dividendos é pesado na maior parte dos países capitalistas. Mas isso porque o imposto de renda sobre as empresas é mais baixo. Isso, aliás, é o correto. Taxar menos as empresas, favorecendo sua operação, e taxar mais os acionistas, pessoas físicas que embolsam os lucros e dividendos.

Não se está falando por aqui em reduzir imposto das empresas, só em cobrar mais dos acionistas. Somando as duas taxações, na jurídica e na física, o imposto ficaria muito pesado e certamente afastaria investimentos.

Integrantes do governo também desconfiam de que haja muita sonegação e, digamos, desvios tributários— manobras que grandes empresas e os mais ricos fariam para fugir do pagamento dos impostos. Todos os governos falam isso, que não elevarão as alíquotas de impostos, mas cobrarão efetivamente de quem deve e não paga. Duvidoso. Do jeito que os políticos — de qualquer ideologia ou sem ideologia — gostam de gastar, já teriam descoberto esse filão.

Tudo considerado, o ministro Haddad tem uma tarefa hercúlea pela frente, se é que pretende mesmo zerar o déficit em dois anos. Tarefa econômica e política, pois o ambiente geral do governo Lula está muito claro: o Estado puxará o crescimento, e não se faz isso com ajuste fiscal tão rigoroso.

Daí as dúvidas em relação ao prometido novo arcabouço fiscal. Sobretudo porque existe outra forma de zerar déficits: chamá-los de outro nome. Mais exatamente, chamar as despesas de outro nome. Como diz Lula, gastar com o social e a infraestrutura não é despesa, mas investimento. Logo, sai da conta do déficit. Mais ou menos como se fez para furar o teto de gastos sem dizer que se estava furando. Basta excluir tais e tais despesas do teto.

Só que o extrateto não sai de graça. Do mesmo modo, seja investimento, seja despesa, o governo tem de gastar o mesmo dinheiro. Com truque ou sem truque.

 

3 comentários:

  1. Se não tem arcabouço fiscal acaba o assunto pro Sarda escrever contra e justificar o soldo

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  2. Um dos meus jornalistas preferidos, muito experiente e sensato.

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