sábado, 18 de março de 2023

Eduardo Affonso - É ruim, mas é bom

O Globo

As manchetes das análises econômicas têm sido um tanto bipolares. O desemprego é alto, mas está baixo. Projeta-se uma recessão, mas isso não é o fim do mundo. Lula acertou sobre o BNDES, apesar de ter errado.

É como se vivêssemos numa espécie de “Tudo em todo o lugar ao mesmo tempo”, só que sem o multiverso. Basta a tecnologia das conjunções adversativas, com o viés apontando para onde olhar com mais carinho — o que vem antes ou o que vem depois do “mas”.

No governo anterior, volta e meia algo despiorava. No atual, aqui e ali, algo desmelhora. Por exemplo, a redução dos juros do empréstimo consignado. Faltou combinar com os russos (os bancos) e com o mundo real (onde o pensamento mágico tem poderes limitados). A suspensão da linha de crédito foi um resultado inesperado para os jênios do Ministério do Trabalho — e previsibilíssimo para quem já leu “Introdução aos rudimentos básicos de economia para principiantes”. Juro baixo é como o colesterol: tem o bom e o ruim.

A escravidão é ruim. Mas “causou uma coisa boa, que foi a miscigenação”, nas palavras, cada vez mais sem filtro, do presidente Lula. Não chega a ser uma romantização do tráfico e da exploração de seres humanos, mas há um quê de Poliana — ou, para dar verniz acadêmico, de consequencialismo — nessa afirmação. Equivale a dizer que a ditadura militar foi ruim, mas levou a uma coisa boa, que foi a redemocratização.

O próprio Lula já havia dito:

— Ainda bem que a natureza criou este monstro chamado coronavírus, que está permitindo que os cegos enxerguem que apenas o Estado é capaz de dar solução a determinadas crises.

Como naquela capa antológica do disco do Chico Buarque, quase 700 mil brasileiros mortos (que ruim!), epifania coletiva de que só o Estado salva (que bom!).

Ditaduras são ruins, mas são boas. A de Somoza, na Nicarágua, era péssima; a de Ortega, nem tanto. A de Batista, em Cuba, era das piores; a de Fidel, Raúl Castro e Díaz-Canel é um farol na luta contra o imperialismo ianque. As de Pinochet, Stroessner, Maduro, Xi Jinping, Mohammed bin Salman serão boas e ruins, a depender de onde esteja a avaria no cérebro do militante.

Há 40% de mulheres no Poder Judiciário, e a proporção cai a menos da metade disso no STF (apenas duas, entre 11 magistrados). Um governo que usa o lema “As mulheres voltam a ser respeitadas neste país” deveria tentar corrigir a injustiça. Se o critério para preenchimento das últimas duas vagas foi ser terrivelmente evangélico, o parâmetro das próximas é ser incondicionalmente leal. Representatividade é bom — mas tem hora.

Ciência é bom: produz vacina. Mas é ruim: lembra que há diferenças inatas entre homens e mulheres. Fica difícil ser negacionista em tempo integral.

Passar a boiada era ruim. Implicava devastação do meio ambiente, vulnerabilidade dos povos indígenas. A boiada agora passa por outras porteiras, como o fim da quarentena para nomeação de dirigentes partidários. Este malfeito é bom.

Mas já não vamos de mal a pior. Ninguém no primeiríssimo escalão fala em ditadura da toga, invoca o artigo 142 ou se gaba, em público, de estar com as obrigações conjugais em dia. Mudamos da água (contaminada com mercúrio) para o vinho (com notas de trabalho análogo à escravidão). E ai de quem disser que há algo em comum entre os governos de Jair Bolsolira e Luiz Inácio Lira da Silva.

 

5 comentários:

  1. Palavras vazias, como sempre.

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  2. Imitando o autor: o texto é bem escrito, mas é ruim!

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  3. Algo em comum sempre há,perfeito ninguém é,mas que deu uma guinada pra melhor, ninguém em seu juízo normal,pode negar.

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