sexta-feira, 31 de março de 2023

César Felício - Começa o processo eleitoral de 2026

Valor Econômico

Até que ponto está intacto o acervo de Bolsonaro?

O processo eleitoral de 2026 começou nessa quinta-feira, com o desembarque do ex-presidente Jair Bolsonaro, depois de seus 90 dias de período sabático na Flórida. Ele voltou para fazer campanha.

Bolsonaro retornou ao Brasil com seu acervo de votos mais ou menos preservado, na visão de analistas políticos. Mas preservado até que ponto? O impacto do caso das joias divide opiniões. Muitos dizem que o bolsonarista é cego, surdo e mudo em relação a isso, mas para o cientista político Antonio Lavareda, do Ipespe, o ex-presidente pagará um preço já que o caso quebra a narrativa da carteira bic e do chinelo Rider, da simplicidade espartana, sem prejuízo da apuração dos eventuais crimes cometidos.

Já em relação ao 8 de janeiro pode-se dizer com razoável segurança que a intentona afetará sua aceitação no Brasil tanto quanto o 6 de janeiro afetou a de Donald Trump nos Estados Unidos, ou seja, não afetará muito.

A falta da caneta na mão, esta sim, reduziu a competitividade de Bolsonaro, mas sua viabilidade ou não em 2026 dependerá do andamento da economia no Brasil e da competência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em manter consigo a pequena franja bolsonarista de 2018 que se desiludiu com o líder extremista e desembarcou da sua candidatura quatro anos depois.

Foi esta franja que conferiu a vitória a Lula no ano passado, na opinião de Mauricio Moura, economista especialista em processos eleitorais, da Universidade Georgetown, conselheiro da empresa de pesquisa Ideia. Munido de levantamentos de opinião, ele prepara o lançamento em breve de um livro com o título “Por que Bolsonaro perdeu?”, em que desenvolve a tese.

A franja ex-bolsonarista está na chamada “classe C” das grandes metrópoles das regiões Sul e Sudeste. Estamos falando de centros onde Bolsonaro perdeu substância, como Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte e, acima de tudo, São Paulo. É um eleitorado que se ressentiu dos percalços da economia e que se chocou com o péssimo enfrentamento feito por Bolsonaro da questão da pandemia, que já matou 700 mil pessoas. Estes eleitores, relata Moura, são muito suscetíveis ao ritmo da economia e pouco afetados pela instituição de programas sociais como o Bolsa Família. Portanto não se comoveram com o derrame de dinheiro que Bolsonaro despejou no ano passado.

“É um erro achar que foi o Nordeste que elegeu Lula. No Nordeste, Bolsonaro cresceu. O que determinou a derrota foi a queda dele no Sul e no Sudeste”, disse Moura. Pandemia à parte, o mesmo motivo que afastou Bolsonaro desses seus antigos apoiadores pode afastá-los de Lula em 2026.

Com efeito, quem dará o limite até onde Bolsonaro poderá ir é o antipetismo, que não se confunde com o bolsonarismo, ainda que se superponham. E nos 100 dias de Lula, ele tem feito pouco para reduzir a sua rejeição. Criou o ambiente para que o MST reaparecesse com suas invasões. Ressuscitou Sergio Moro com suas demonstrações de rancor. Não criou na economia um ambiente para a redução da inflação, da taxa básica de juros e de fomento ao crescimento.

A proposta de arcabouço fiscal, solução dentro do cânone para atacar todos esses problemas, foi enfim encaminhada nesta quinta-feira, ainda no mês de março, como havia prometido o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. A ver como será recebida dentro do que o cientista político Carlos Melo, do Insper, define como “a oposição de verdade” ao governo Lula, que é o centrão personificado na figura do presidente da Câmara, Arthur Lira. Até agora, observa Melo, o Centrão tem exigido muito e entregue pouco, vide o enorme atraso na definição das comissões e o bizarro impasse entre Câmara e Senado em torno da tramitação das medidas provisórias. “O bolsonarismo aparece de peruca na tribuna, mas o que dificulta a vida do governo é Lira e o Centrão”, diz Melo.

Será na calibragem da relação entre o governo e o Congresso que virão ou não instrumentos que deem ao governo condições de alavancar a economia e, desta forma, estancar o antipetismo. O primeiro movimento de Lira foi cauteloso: disse que o anúncio de Haddad representava “um bom começo”, mas que ia esperar a proposta formal chegar ao Congresso para se posicionar.

Outra variável importante para Bolsonaro está em sua possível inelegibilidade, a ser declarada pelo Tribunal Superior Eleitoral ou Supremo Tribunal Federal em função dos processos que o ex-presidente responde. Essa inelegibilidade é dada como certa por analistas políticos como Lavareda, que sequer trabalha com a hipótese de Bolsonaro ser candidato em 2026. Mas a mudança na composição do TSE a torna incerta, ou até improvável, na visão de observadores como Melo. Certo é que, em um caso ou em outro, que o nome que se ergue por gravidade no bolsonarismo como alternativa é o do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, do Republicanos, o que aliás já é mencionado por aliados do ex-presidente, como Ciro Nogueira.

Quatro anos de tormenta produzidos por Bolsonaro não foram capazes de comprometer as relações econômicas entre Brasil e França, o que por si só é um indicativo de que se deve olhar com reservas análises que anteveem consequências drásticas nas relações bilaterais em razão de políticas isolacionistas ou desastradas. Na era Bolsonaro houve uma separação das coisas.

O presidente da Câmara de Comércio Brasil-França, Pedro Antônio Gouvêa Vieira, cita que o Carrefour, como a rede BIG. permanece como o maior empregador privado brasileiro, e fez novas aquisições. O grupo francês Engie comprou a empresa de gasodutos TAG, que era da Petrobras.

A entrada de Lula no governo não alterou a visão do Brasil como destino de investimentos e pacificou as relações entre Brasil e França no meio político e diplomático, sobretudo com as perspectivas que se abrem na retomada de negociações comerciais entre União Europeia e Mercosul e de cooperação no campo climático. O que não significa que a rejeição a Lula diminuiu no meio empresarial como um todo. “A rejeição não se alterou, vou ser honesto. Ela ainda pode se alterar, mas o que houve nos 100 dias foi um pouco o oposto de uma lua de mel”, comentou o empresário, para quem “o passado é difícil de esquecer”.

 

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