Valor Econômico
Até que ponto está intacto o acervo de
Bolsonaro?
O processo eleitoral de 2026 começou nessa
quinta-feira, com o desembarque do ex-presidente Jair Bolsonaro, depois de seus
90 dias de período sabático na Flórida. Ele voltou para fazer campanha.
Bolsonaro retornou ao Brasil com seu acervo
de votos mais ou menos preservado, na visão de analistas políticos. Mas
preservado até que ponto? O impacto do caso das joias divide opiniões. Muitos
dizem que o bolsonarista é cego, surdo e mudo em relação a isso, mas para o
cientista político Antonio Lavareda, do Ipespe, o ex-presidente pagará um preço
já que o caso quebra a narrativa da carteira bic e do chinelo Rider, da
simplicidade espartana, sem prejuízo da apuração dos eventuais crimes
cometidos.
Já em relação ao 8 de janeiro pode-se dizer
com razoável segurança que a intentona afetará sua aceitação no Brasil tanto
quanto o 6 de janeiro afetou a de Donald Trump nos Estados Unidos, ou seja, não
afetará muito.
A falta da caneta na mão, esta sim, reduziu
a competitividade de Bolsonaro, mas sua viabilidade ou não em 2026 dependerá do
andamento da economia no Brasil e da competência do presidente Luiz Inácio Lula
da Silva em manter consigo a pequena franja bolsonarista de 2018 que se
desiludiu com o líder extremista e desembarcou da sua candidatura quatro anos
depois.
Foi esta franja que conferiu a vitória a
Lula no ano passado, na opinião de Mauricio Moura, economista especialista em
processos eleitorais, da Universidade Georgetown, conselheiro da empresa de
pesquisa Ideia. Munido de levantamentos de opinião, ele prepara o lançamento em
breve de um livro com o título “Por que Bolsonaro perdeu?”, em que desenvolve a
tese.
A franja ex-bolsonarista está na chamada “classe C” das grandes metrópoles das regiões Sul e Sudeste. Estamos falando de centros onde Bolsonaro perdeu substância, como Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte e, acima de tudo, São Paulo. É um eleitorado que se ressentiu dos percalços da economia e que se chocou com o péssimo enfrentamento feito por Bolsonaro da questão da pandemia, que já matou 700 mil pessoas. Estes eleitores, relata Moura, são muito suscetíveis ao ritmo da economia e pouco afetados pela instituição de programas sociais como o Bolsa Família. Portanto não se comoveram com o derrame de dinheiro que Bolsonaro despejou no ano passado.
“É um erro achar que foi o Nordeste que
elegeu Lula. No Nordeste, Bolsonaro cresceu. O que determinou a derrota foi a
queda dele no Sul e no Sudeste”, disse Moura. Pandemia à parte, o mesmo motivo
que afastou Bolsonaro desses seus antigos apoiadores pode afastá-los de Lula em
2026.
Com efeito, quem dará o limite até onde
Bolsonaro poderá ir é o antipetismo, que não se confunde com o bolsonarismo,
ainda que se superponham. E nos 100 dias de Lula, ele tem feito pouco para
reduzir a sua rejeição. Criou o ambiente para que o MST reaparecesse com suas
invasões. Ressuscitou Sergio Moro com suas demonstrações de rancor. Não criou
na economia um ambiente para a redução da inflação, da taxa básica de juros e
de fomento ao crescimento.
A proposta de arcabouço fiscal, solução
dentro do cânone para atacar todos esses problemas, foi enfim encaminhada nesta
quinta-feira, ainda no mês de março, como havia prometido o ministro da
Fazenda, Fernando Haddad. A ver como será recebida dentro do que o cientista
político Carlos Melo, do Insper, define como “a oposição de verdade” ao governo
Lula, que é o centrão personificado na figura do presidente da Câmara, Arthur
Lira. Até agora, observa Melo, o Centrão tem exigido muito e entregue pouco,
vide o enorme atraso na definição das comissões e o bizarro impasse entre
Câmara e Senado em torno da tramitação das medidas provisórias. “O bolsonarismo
aparece de peruca na tribuna, mas o que dificulta a vida do governo é Lira e o
Centrão”, diz Melo.
Será na calibragem da relação entre o
governo e o Congresso que virão ou não instrumentos que deem ao governo
condições de alavancar a economia e, desta forma, estancar o antipetismo. O
primeiro movimento de Lira foi cauteloso: disse que o anúncio de Haddad
representava “um bom começo”, mas que ia esperar a proposta formal chegar ao
Congresso para se posicionar.
Outra variável importante para Bolsonaro
está em sua possível inelegibilidade, a ser declarada pelo Tribunal Superior
Eleitoral ou Supremo Tribunal Federal em função dos processos que o
ex-presidente responde. Essa inelegibilidade é dada como certa por analistas
políticos como Lavareda, que sequer trabalha com a hipótese de Bolsonaro ser
candidato em 2026. Mas a mudança na composição do TSE a torna incerta, ou até
improvável, na visão de observadores como Melo. Certo é que, em um caso ou em
outro, que o nome que se ergue por gravidade no bolsonarismo como alternativa é
o do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, do Republicanos, o que aliás
já é mencionado por aliados do ex-presidente, como Ciro Nogueira.
Quatro anos de tormenta produzidos por
Bolsonaro não foram capazes de comprometer as relações econômicas entre Brasil
e França, o que por si só é um indicativo de que se deve olhar com reservas
análises que anteveem consequências drásticas nas relações bilaterais em razão
de políticas isolacionistas ou desastradas. Na era Bolsonaro houve uma
separação das coisas.
O presidente da Câmara de Comércio
Brasil-França, Pedro Antônio Gouvêa Vieira, cita que o Carrefour, como a rede
BIG. permanece como o maior empregador privado brasileiro, e fez novas
aquisições. O grupo francês Engie comprou a empresa de gasodutos TAG, que era
da Petrobras.
A entrada de Lula no governo não alterou a
visão do Brasil como destino de investimentos e pacificou as relações entre
Brasil e França no meio político e diplomático, sobretudo com as perspectivas
que se abrem na retomada de negociações comerciais entre União Europeia e
Mercosul e de cooperação no campo climático. O que não significa que a rejeição
a Lula diminuiu no meio empresarial como um todo. “A rejeição não se alterou,
vou ser honesto. Ela ainda pode se alterar, mas o que houve nos 100 dias foi um
pouco o oposto de uma lua de mel”, comentou o empresário, para quem “o passado
é difícil de esquecer”.
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