O Estado de S. Paulo
Já é hora de o governo do PT revisar suas posições, sob pena de produzir intolerância, instabilidade institucional, insegurança jurídica e a radicalização política
O que seja um governo de esquerda nos novos
moldes petistas, diferente, por exemplo, do primeiro governo Lula ou o do
presidente Fernando Henrique, parece ser uma fonte de desorientação dos novos
governantes e líderes partidários. O que mais se sobressai são palavras vagas
acerca da redução da desigualdade social, o que não caracteriza algo novo, pois
até os liberais compartilham dos mesmos valores.
Talvez seja mais adequado atentarmos às políticas de esquerda no mundo e seus reflexos no País. Se observamos o discurso petista atual, sobressaem-se dois aspectos que, com certa dificuldade, entram em sintonia. Ora um ganha a frente, ora o outro, com os dois grupos frequentemente se contrapondo. De um lado, o discurso tradicional, de origem marxista, anticapitalista, contra a economia de mercado e a propriedade privada; de outro, a nova narrativa identitária, centrada em questões de gênero e de costumes em geral, embora essa última não seja tampouco exclusiva da esquerda, sendo compartilhada por liberais.
No que toca ao primeiro ponto, sua
expressão mais utilizada consiste na fraseologia da luta de classes, no apoio à
ditadura de Ortega, na consideração da propriedade privada como uma forma de
usurpação, traduzindo-se em seu desrespeito, e na percepção do mercado como uma
articulação de pessoas desalmadas, como se ele não obedecesse a suas próprias
regras, para além das empresas e indivíduos. Pelo menos na versão marxista, o
capitalismo, em razão de seu processo intrínseco, corria para sua própria
derrocada, ato inaugural do surgimento de uma sociedade socialista e comunista.
Ocorre que o capitalismo não só não se
extinguiu, como propiciou novas formas de desenvolvimento econômico e social,
criando o Estado de Bem-estar Social, engendrando a democracia representativa e
amplas formas de liberdades, de pensamento, civis e políticas. As experiências
comunistas redundaram no despotismo, na violência e no terror, com a fome
atingindo amplas parcelas de suas populações, casos da Rússia e da Ucrânia –
ainda unidas, naquele então, à União Soviética. A única experiência de esquerda
bem-sucedida foi a da social-democracia, com o seu reconhecimento da economia
de mercado, da propriedade privada, das liberdades e do Estado de Direito.
Aqui, no Brasil, a social-democracia é
considerada pelos petistas como de direita, não se sabe bem por qual razão.
Talvez por receio de que o seu reconhecimento equivaleria a uma mudança
necessária de orientação programática e partidária. Sobraram, assim, narrativas
vagas dos “ricos contra os pobres”, permeadas recentemente por ataques ao Banco
Central como se fosse um centro de rentistas contra os pobres, para além da
defesa do Estado enquanto instrumento de desenvolvimento econômico, inclusive
com o fortalecimento de empresas estatais. Nem tal posição, no entanto,
corresponderia ao pensamento marxista, mas à sua forma leninista, trotskista e
stalinista. O resultado só pode ser a desorientação governamental.
No que toca ao segundo ponto, a experiência
pós-queda do Muro de Berlim e de desmantelamento da União Soviética levou a
esquerda mundial, atordoada, à busca de novos valores que poderiam orientar a
sua ação. Sua luta passou a centrar-se nos costumes e na moral, com questões de
gênero ganhando a cena. É como se os problemas sociais pudessem ser resolvidos
não mais pela luta de classes, mas pela luta de gêneros em suas mais distintas
figuras.
Surgem, aqui, duas facetas: uma, a da
intolerância, na medida em que qualquer questionamento dessas posições leva a
qualificativos depreciativos, como se a pessoa fosse portadora de alguma fobia;
a outra é a de que tais transformações deveriam ser conduzidas e impostas pelo
Estado, e não fruto de necessárias transformações sociais, que consideram os
valores em mutação, como ocorreu com os direitos civis, a igualdade racial e a
emancipação das mulheres. Quando partem da sociedade, tornam-se
progressivamente consensuais, e os novos valores são por todos compartilhados.
Se são meramente impostos, provocam reações dos setores conservadores, que
terminam politicamente por afirmar os valores existentes.
Se o atual governo Lula, diferentemente do
seu primeiro mandato, salvo no quesito de apoio à invasão de propriedades
rurais, perseverar em seu espírito anticapitalista – ou, melhor, de capitalismo
de compadrio – e insistir em sua concepção de Estado ancorada na
irresponsabilidade fiscal e na tolerância com a inflação, só produzirá
conflitos insolúveis e o enfraquecimento do mesmo Estado que diz fortalecer,
prejudicando os mais pobres e os desvalidos. Se insistir numa pauta identitária,
conduzida pelo Estado, e não consoante com os progressos sociais e culturais,
caminhará para enfrentamentos que, no passado, já elegeram Bolsonaro.
Já é mais do que hora de o governo petista
revisar suas posições, sob pena de produzir a intolerância, a instabilidade
institucional, a insegurança jurídica e a radicalização política.
*Professor de filosofia na Ufrgs
É lamentável um professor universitário não saber a diferença entre ideologia partidária (como a petista, a do PSDB, etc.) e as ações dum governo pluripartidário (como o comandado agora por Lula, com mais de 10 partidos participantes). Lula agora sempre deixou claro que não era mais candidato do PT e que seu governo não seria e nem será do PT.
ResponderExcluirQuando o colunista ignora estas diferenças e mistura tudo de modo INTENCIONAL, ele NÃO quer ajudar a compreensão e análise dos seus leitores. Ele quer confundi-los e fazer com que aceitem sua própria ideologia e seus (dele, colunista) preconceitos!
O artigo revela muito mais a ideologia direitista rosenfieldiana que a ideologia petista prometida no título.
ResponderExcluirSerá que Rosenfield não sabe que o vice é Alckmin (décadas de PSDB e hoje no PSB), que a ministra do Planejamento é Simone Tebet (MDB) e o líder do governo no congresso é da REDE? Não existe "governo do PT"... Te orienta, vivente!
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