terça-feira, 14 de março de 2023

Eliane Cantanhêde - Sensação de urgência

O Estado de S. Paulo

Com herança maldita, crise fiscal e o tempo correndo, sobram ansiedade e pressa

É imensa a responsabilidade do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já que o governo Luiz Inácio Lula da Silva começou com uma expectativa alegre e colorida, mas encontrou uma herança maldita, enfrentou terroristas em 8 de janeiro e, no terceiro mês, continua convivendo com altos índices de desmatamento na Amazônia e uma inflação não apenas alta, como mais alta do que o previsto.

Pelo MapBiomas, o Brasil perdeu 536 mil hectares para o fogo entre janeiro e fevereiro. É 28% menos do que no mesmo período do ano passado, mas 90% da área queimada foi na Amazônia.

Não há o que comemorar. E o Boletim Focus aumenta a projeção de inflação, de 5,90% para 5,96% em 2023, muito acima do teto da meta, de 4,75%. Inflação breca a queda dos juros e a decolagem do desenvolvimento.

“Viu os resultados da inflação e do desmatamento da Amazônia? Se não houver mudanças em seis meses, pode complicar muito politicamente”, alerta Rubens Barbosa, ex-embaixador em Washington e Londres, hoje presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice). O que mais preocupa, e atiça as redes bolsonaristas, é que o governo não para de anunciar projetos que exigem gastos, sem dizer de onde vêm os recursos.

Todo mundo de boa-fé reconhece que Jair Bolsonaro e sua trupe deixaram o governo em frangalhos e leva tempo botar as coisas em ordem. Mas, como a situação é realmente feia, isso cria ansiedade e sensação de urgência. O relógio corre.

Um pequeno exemplo de gastos bem-intencionados, mas que precisam ser bem avaliados, é o projeto do Ministério da Saúde de um hospital na área Yanomami. Parece uma boa ideia, mas significa alto investimento e o transporte de 30 toneladas de materiais, equipamentos e equipes, por helicópteros da FAB. Tem de saber da viabilidade e da disponibilidade.

Em encontro hoje com a ministra da Saúde, Nísia Trindade, o ministro da Defesa, José Múcio, vai argumentar que é mais conveniente e eficaz manter um posto na reserva e a transferência dos indígenas que precisarem de tratamento mais avançado para hospitais da capital de Roraima. É menos invasivo para a reserva e mais eficiente para os pacientes. E mais de acordo com a frota da FAB.

É em meio a esse debate sobre gastos sociais justos e necessários e uma crise fiscal de bom tamanho que Haddad faz suspense e um tantinho de teatro sobre a nova âncora fiscal. Reúne-se com a área econômica, alia-se a Simone Tebet e a Geraldo Alckmin e vai “submeter a Lula”, antes de um anúncio triunfal. Até agora, porém, tudo o que o distinto público sabe é que será... criativa. Ai, que medo!

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