quarta-feira, 1 de março de 2023

Fernando Exman - Janela para a agenda positiva na economia

Valor Econômico

Governo quer acelerar a reforma tributária e o programa Desenrola

Superado o debate sobre a reoneração dos combustíveis, o Ministério da Fazenda reposiciona-se para seguir adiante com o plano de desanuviar, a curto prazo, o ambiente econômico.

Esse reposicionamento ocorre em duas dimensões. Para fora, reforça o discurso do ministro Fernando Haddad nas áreas fiscal e ambiental. Na segunda frente, ao falar que espera maior receptividade do Banco Central (BC) em relação à expectativa geral da nação por uma queda da taxa de juros, converge com as recentes cobranças feitas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à autoridade monetária.

Porém, diante do fato de que resta à equipe econômica apenas esperar a próxima decisão de um BC autônomo, o governo tem suas próprias apostas para estabelecer nova dinâmica à atividade. Destacam-se nessa lista a reforma tributária e o Desenrola, programa para renegociar as dívidas. Já a divulgação do novo arcabouço fiscal, ainda em março, pode reforçar a agenda positiva, se de fato a proposta melhorar a percepção do mercado a respeito da solvência do setor público.

O governo tem pressa. Existe, sim, um receio com o risco de frustração da atividade neste ano.

Na opinião de fontes do governo, contudo, a atual situação não está tão deteriorada quanto se pinta por aí. Haveria beligerância demais e tolerância de menos com uma administração que entra em seu terceiro mês de vida.

É um ponto de vista. E quem conversa com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva até já tem uma explicação para a falta de paciência observada em segmentos da sociedade: na prática, o governo Lula 3 começou antes da posse. Teve início, mais precisamente, logo depois do segundo turno, quando o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) recolheu-se para os aposentos do Palácio da Alvorada e abandonou a gestão do país.

Diante do iminente vácuo, o polo de poder deslocou-se com rapidez para a península em que foi construído o Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB), onde ficou instalada a equipe de transição.

Entrevistas diárias foram realizadas com o objetivo de detalhar o diagnóstico dos diversos grupos temáticos. Dia após dia, construiu-se um mosaico em que o futuro governo mapeava o desmantelamento das estruturas do Estado. Esses dados são usados ainda hoje quando tentam explicar por que o governo Lula ainda não apresenta resultados concretos, mesmo que modestos, em algumas áreas.

Voltando no tempo, deve-se recordar, também, que a articulação com o Congresso também precisou ser antecipada. Uma proposta de emenda constitucional, a PEC da Transição, foi formulada, negociada e aprovada num intenso fim de ano. Era fundamental abrir espaço no Orçamento para viabilizar a entrega de promessas de campanha.

A conclusão é que houve um excesso de exposição durante o período de transição, em um momento em que segmentos relevantes da população não estão mais dispostos a dar longa carência aos governantes. Antes, o prazo considerado natural para que um governo colocasse ordem na casa era o primeiro ano de mandato. Afinal, o Orçamento havia sido elaborado pela administração anterior e a máquina sempre precisa de ajustes. Depois, convencionou-se a fixar os primeiros cem dias como referência, e agora a cobrança é imediata. Daí porque interlocutores de Lula alertam que o governo não pode correr o risco de parecer que padece de envelhecimento precoce.

Nessa terça-feira, 28, Lula prometeu lançar o programa Desenrola na semana que vem. Segundo o presidente, cerca de 50 milhões de pessoas com renda de até dois salários mínimos têm uma dívida que soma R$ 50 bilhões, aproximadamente.

Dados do Serasa, que também lançou um feirão “limpa nome”, mostram que 70,09 milhões de brasileiros estão inadimplentes. O valor médio das dívidas é de R$ 4.612,28, um aumento de 2,6% comparado a dezembro de 2022, e o volume total da cifra devedora chega a R$ 323 bilhões. Promover algum alívio financeiro a esse contingente é uma forma de tentar viabilizar que essas pessoas voltem a consumir, reaquecendo a economia.

Do lado do empresariado, a aposta é a reforma tributária. No cenário ideal, sua aprovação deveria ocorrer no primeiro semestre, quando o capital político do presidente ainda estaria intacto. E assim também seria evitada a armadilha de permitir que as eleições municipais do ano que vem começassem a influenciar a tramitação da proposta. Mesmo diante da necessidade de regulamentações complementares e um inevitável período de transição, uma rápida aprovação da reforma teria efeitos positivos sobre as expectativas dos investidores.

Um exemplo citado é o da Índia. No longínquo junho de 2017, o Valor publicou uma reportagem de agências internacionais falando da reforma tributária que estava prestes a ser implementada naquele país. O plano indiano era justamente reformar a sua complexa estrutura fiscal, com a adoção de um Imposto sobre Bens e Serviços.

Às vésperas do prazo estipulado, empresas afirmavam que não estavam prontas para o novo regime. Greves e protestos ocorriam país afora, mas o governo persistiu sob o argumento de que a mudança converteria o país num mercado unificado de dimensões continentais.

Hoje, há quem tenha em Brasília certeza que o crescimento indiano nos últimos anos também se deve àquela reforma tributária. E é por isso que o governo quer encurtar sua implementação.

No percurso que tem início em março, é de se esperar que Lula cobre aliados, a equipe econômica e até mesmo volte a disparar contra o Banco Central. Ele está decidido a cumprir suas promessas de campanha e não ser acusado de praticar estelionato eleitoral.

A visão no entorno do presidente é que Bolsonaro terceirizou a política para o Congresso e a economia ao mercado. Lula não está disposto a fazer o mesmo, mas um caminho do meio pode facilitar a execução das prioridades que estabeleceu para as próximas semanas. A fórmula encontrada para a reoneração dos combustíveis comprova que isso é possível.

 

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