Valor Econômico
Governo quer acelerar a reforma tributária
e o programa Desenrola
Superado o debate sobre a reoneração dos
combustíveis, o Ministério da Fazenda reposiciona-se para seguir adiante com o
plano de desanuviar, a curto prazo, o ambiente econômico.
Esse reposicionamento ocorre em duas
dimensões. Para fora, reforça o discurso do ministro Fernando Haddad nas áreas
fiscal e ambiental. Na segunda frente, ao falar que espera maior receptividade
do Banco Central (BC) em relação à expectativa geral da nação por uma queda da
taxa de juros, converge com as recentes cobranças feitas pelo presidente Luiz
Inácio Lula da Silva (PT) à autoridade monetária.
Porém, diante do fato de que resta à equipe econômica apenas esperar a próxima decisão de um BC autônomo, o governo tem suas próprias apostas para estabelecer nova dinâmica à atividade. Destacam-se nessa lista a reforma tributária e o Desenrola, programa para renegociar as dívidas. Já a divulgação do novo arcabouço fiscal, ainda em março, pode reforçar a agenda positiva, se de fato a proposta melhorar a percepção do mercado a respeito da solvência do setor público.
O governo tem pressa. Existe, sim, um
receio com o risco de frustração da atividade neste ano.
Na opinião de fontes do governo, contudo, a
atual situação não está tão deteriorada quanto se pinta por aí. Haveria
beligerância demais e tolerância de menos com uma administração que entra em
seu terceiro mês de vida.
É um ponto de vista. E quem conversa com o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva até já tem uma explicação para a falta de
paciência observada em segmentos da sociedade: na prática, o governo Lula 3
começou antes da posse. Teve início, mais precisamente, logo depois do segundo
turno, quando o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) recolheu-se para os aposentos
do Palácio da Alvorada e abandonou a gestão do país.
Diante do iminente vácuo, o polo de poder
deslocou-se com rapidez para a península em que foi construído o Centro
Cultural do Banco do Brasil (CCBB), onde ficou instalada a equipe de transição.
Entrevistas diárias foram realizadas com o
objetivo de detalhar o diagnóstico dos diversos grupos temáticos. Dia após dia,
construiu-se um mosaico em que o futuro governo mapeava o desmantelamento das
estruturas do Estado. Esses dados são usados ainda hoje quando tentam explicar
por que o governo Lula ainda não apresenta resultados concretos, mesmo que
modestos, em algumas áreas.
Voltando no tempo, deve-se recordar,
também, que a articulação com o Congresso também precisou ser antecipada. Uma
proposta de emenda constitucional, a PEC da Transição, foi formulada, negociada
e aprovada num intenso fim de ano. Era fundamental abrir espaço no Orçamento
para viabilizar a entrega de promessas de campanha.
A conclusão é que houve um excesso de
exposição durante o período de transição, em um momento em que segmentos
relevantes da população não estão mais dispostos a dar longa carência aos
governantes. Antes, o prazo considerado natural para que um governo colocasse
ordem na casa era o primeiro ano de mandato. Afinal, o Orçamento havia sido
elaborado pela administração anterior e a máquina sempre precisa de ajustes.
Depois, convencionou-se a fixar os primeiros cem dias como referência, e agora
a cobrança é imediata. Daí porque interlocutores de Lula alertam que o governo
não pode correr o risco de parecer que padece de envelhecimento precoce.
Nessa terça-feira, 28, Lula prometeu lançar
o programa Desenrola na semana que vem. Segundo o presidente, cerca de 50
milhões de pessoas com renda de até dois salários mínimos têm uma dívida que
soma R$ 50 bilhões, aproximadamente.
Dados do Serasa, que também lançou um feirão
“limpa nome”, mostram que 70,09 milhões de brasileiros estão inadimplentes. O
valor médio das dívidas é de R$ 4.612,28, um aumento de 2,6% comparado a
dezembro de 2022, e o volume total da cifra devedora chega a R$ 323 bilhões.
Promover algum alívio financeiro a esse contingente é uma forma de tentar
viabilizar que essas pessoas voltem a consumir, reaquecendo a economia.
Do lado do empresariado, a aposta é a
reforma tributária. No cenário ideal, sua aprovação deveria ocorrer no primeiro
semestre, quando o capital político do presidente ainda estaria intacto. E
assim também seria evitada a armadilha de permitir que as eleições municipais
do ano que vem começassem a influenciar a tramitação da proposta. Mesmo diante
da necessidade de regulamentações complementares e um inevitável período de
transição, uma rápida aprovação da reforma teria efeitos positivos sobre as
expectativas dos investidores.
Um exemplo citado é o da Índia. No
longínquo junho de 2017, o Valor publicou uma reportagem de agências
internacionais falando da reforma tributária que estava prestes a ser
implementada naquele país. O plano indiano era justamente reformar a sua
complexa estrutura fiscal, com a adoção de um Imposto sobre Bens e Serviços.
Às vésperas do prazo estipulado, empresas
afirmavam que não estavam prontas para o novo regime. Greves e protestos
ocorriam país afora, mas o governo persistiu sob o argumento de que a mudança
converteria o país num mercado unificado de dimensões continentais.
Hoje, há quem tenha em Brasília certeza que
o crescimento indiano nos últimos anos também se deve àquela reforma
tributária. E é por isso que o governo quer encurtar sua implementação.
No percurso que tem início em março, é de
se esperar que Lula cobre aliados, a equipe econômica e até mesmo volte a
disparar contra o Banco Central. Ele está decidido a cumprir suas promessas de
campanha e não ser acusado de praticar estelionato eleitoral.
A visão no entorno do presidente é que
Bolsonaro terceirizou a política para o Congresso e a economia ao mercado. Lula
não está disposto a fazer o mesmo, mas um caminho do meio pode facilitar a
execução das prioridades que estabeleceu para as próximas semanas. A fórmula
encontrada para a reoneração dos combustíveis comprova que isso é possível.
Na torcida.
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