O Globo
Não acredito no fim do tráfico de drogas.
Mas creio que chegou o momento de uma política nacional mais articulada
O Rio é uma cidade parcialmente ocupada
pelo crime. Isso acontece há tanto tempo que às vezes se transforma num fato
natural. Não se percebe a evolução do problema, muito menos sua tendência a se
espalhar pelo país.
Tive a oportunidade de mostrar como o
Nordeste está vivendo um processo semelhante. Fiz documentários em algumas de
suas capitais. O caso que me pareceu mais grave, na época, foi o Ceará.
As coisas não aconteceram de forma
espontânea. Passa pela região uma nova rota do tráfico de cocaína, vinda de
Colômbia e Bolívia e, ao que tudo indica, seguindo para Cabo Verde, de onde se
irradia para outros pontos do mundo.
As grandes facções do Sudeste se instalaram lá. Como a droga é abundante, houve espaço também para organizações locais, tanto no Norte (Família do Norte) como no Ceará (Defensores do Estado) e no Rio Grande do Norte (Sindicato).
Fui me aproximando do tema por causa da
cobertura das chacinas em presídios. As organizações, de vez em quando, tentam
se aniquilar, atrás das grades. O resultado foi o crescimento da violência nas
capitais nordestinas e também o domínio territorial, como na periferia de
Fortaleza.
A resposta do governo foi a criação de um
centro integrado de inteligência, também em Fortaleza, com policiais dos nove
estados. Mas essa inteligência falhou no Rio Grande do Norte. Os ataques que
atingiram mais de 50 cidades talvez fossem previsíveis. Relatórios mostravam a
existência de tortura nos presídios, comida estragada e agressões gratuitas aos
presos.
Não acredito no fim do tráfico de drogas.
Mas creio que chegou o momento de uma política nacional mais articulada. O plano
do atentado contra Sergio Moro revela um nível de sofisticação que não me
surpreende. Conheci o líder do PCC numa audiência da Câmara. Ao me ver, disse
que tinha lido alguns livros meus. Pareceu-me mais inteligente do que a maioria
dos deputados que o interrogavam.
O governo Bolsonaro e o próprio Moro não
tinham uma política adequada para enfrentar o problema. Ela é muito baseada na
violência e no aumento de penas. No meu entender, embora não se possa acabar
com o tráfico, é possível desejar que não ocupe território e abandone suas
ações violentas. Destaco quatro variáveis: inteligência, ação coordenada,
direitos humanos e obras sociais.
A inteligência não resolve tudo, mas
facilita quase tudo. Investir nela significa dar um grande passo. Sei que a
expressão direitos humanos causa arrepios em muita gente. Mas são sensíveis ao
argumento econômico. Qual a vantagem de fornecer comida estragada,
provavelmente a bom preço? Isso leva a motins, fechamento do comércio,
interrupção das aulas, destruição de prédios públicos e veículos, deslocamento
aéreo da Força Nacional, com a despesa das diárias.
No final das contas, o ministro Flávio Dino
anunciou um investimento de R$ 100 milhões no Rio Grande do Norte. Com
inteligência e respeito aos direitos humanos, talvez fosse possível conseguir
mais, gastando menos.
Outro dia entrevistei uma autoridade que
atribui a violência do tráfico ao fato de a polícia ser eficaz. Embora não seja
um especialista, contesto essa tese. O tráfico considera a eficácia policial
como uma parte do jogo. Sua reação é aumentar a própria eficácia. Grande parte
dos conflitos nasce de problemas nas penitenciárias. Não é preciso resolvê-los
com minha fórmula, mas admiti-los, pelo menos, seria um passo adiante.
Como respeitar os presos e,
simultaneamente, impedir que controlem o movimento da cadeia? Essa é uma
questão que para mim se resolve também com inteligência e tecnologia. Tem se
mostrado impossível controlar a entrada de celulares. Por que não controlar as
chamadas que saem de lá? Talvez seja mais fácil e produtivo. Há sempre o
problema da privacidade dos vizinhos que também usam telefones. Mas grande
parte das penitenciárias não tem vizinhos.
Não tenho nenhuma pretensão de deter a
verdade. Apenas torço por um debate nacional e pela libertação do nosso
território.
Texto sensato e informativo!
ResponderExcluirApoiado.
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