O Globo
Ao final da ditadura militar brasileira, os
colaboradores civis do regime se fizeram de democratas, sem nenhuma
autocrítica, e foram perdoados em nome da conciliação
Com os meus botões, me pergunto: será que
eu compraria um carro usado do general Hamilton Mourão? Ou do ex-juiz Sergio
Moro? Como vice-presidente, Mourão não deu um pio sequer sobre as investidas de
Bolsonaro contra as vacinas e as urnas eletrônicas. Pelo contrário. Calou-se.
Vai ver receava virar jacaré. Ou tatupeba. Sergio Moro, escorraçado do cargo de
ministro, ensaiou ser oposição, mas logo voltou a ser ventríloquo bolsonarista.
Nunca titubeou em ganhar um cargo e ficar de joelhos.
Ambos, agora no papel de senadores, ensaiam
um discurso civilizatório, como se não tivessem sujado as mãos para alcançar
seus postos. Confiam na falta de memória da política brasileira. Sobre as joias
das arábias, nada; sobre o assassinato dos ianomâmis, quase um esgar de desconfiança.
E o 8 de Janeiro? Só formalidades protocolares, qual um sujeito que limpa a
boca na toalha da mesa. Escarnecem.
Foi assim logo depois da derrubada da ditadura. Acossados por uma inflação monstruosa e uma carestia desumana, com o país à beira da guerra civil (o general Figueiredo quase tomou uns tapas em Florianópolis), os militares saíram pela porta dos fundos. Ao menos tiveram a dignidade de simular uma retirada. Mas não os civis que colaboraram com o regime de tortura e de falta de liberdades. Apoiados pela máquina do governo em ocaso e por um eleitorado de ocasião — o gado de sempre —, conseguiram mandatos de senadores, deputados e até governadores. Como agora.
É o que se chamava domesticamente de
entulho autoritário. Havia uma legislação draconiana, de cepa reacionária. Foi
necessária uma Constituinte para passar o país a limpo, depois de décadas de
autoritarismo. Só que o mal cria raízes, resulta nas dissimuladas flores do
mal. Como brincava Brizola, o uso do cachimbo deixa a boca torta. Tantos anos
de ditadura, sob uma visão medíocre de mundo — a Transamazônica, imagine só —
forjaram a sociedade no modo atraso, em que a crendice se transforma em
ciência, e qualquer justiça social soa desafio às leis divinas.
Mesmo depois de uma Constituinte, ainda
sobraram rebotalhos capazes de contaminar a democracia brasileira — num
exemplo, a desproporcionalidade, por estados, de deputados federais na Câmara.
Há um evidente descompasso entre população e número de representantes. Mas nem
a polícia vai mexer em semelhante vespeiro. Acabaria aí o poder de Arthur Lira.
Personagens como os senadores Hamilton
Mourão ou Sergio Moro, embora mais letrados que um Marco Feliciano, só existem
pelo rescaldo das atrocidades do bolsonarismo. Embalados em flores do mal,
quando o passado traz o mau cheiro, reciclam o discurso à margem do capitão,
sem jamais executar qualquer autocrítica. Perpetuam, assim, os preconceitos e a
desumanidade comuns à extrema direita.
Como o medo. Aterrorizam em vez de
esclarecer a população — a vacina tem um chip chinês! Desinformam — não à toa,
quase metade dos brasileiros teme que o Brasil se torne um país comunista. Tal
povo não precisa ser estudado, mas sim de estudo. Com o capitão reformado e
seus epígonos, a educação voltou a ser coisa de esquerdista. Mais ignorância,
mais dízimo. Mais Magno Malta.
O livro “Bilionários nazistas”, do
jornalista David de Jong, é leitura esclarecedora no Brasil pós-8 de Janeiro. O
autor conta como empresários financiaram a máquina de guerra hitlerista — e,
claro, enriqueceram às turras. Não fizeram só por dinheiro, também por
convicção ideológica. A mesma que levou o mercado a se calar diante dos ataques
de Bolsonaro à democracia e à saúde do brasileiro.
Terminada a guerra, Hitler morto e seus
generais e acólitos covardes em fuga, como Himmler, os empresários enriquecidos
(depois de expropriar os bens dos judeus) procuraram se distanciar dos crimes
de guerra. Sempre negando o que haviam dito, o que haviam feito, mentindo que
não houvessem colaborado com o regime nazista. Não foram punidos nem devolveram
o que haviam roubado porque os Aliados temiam o avanço do comunismo na Europa.
Sempre a tal desculpa.
Ao final da ditadura militar brasileira, os
colaboradores civis do regime se fizeram de democratas, sem nenhuma
autocrítica, e foram perdoados em nome da conciliação. Também escaparam dos
tribunais e das cadeias os torturadores.
O perdão foi um erro, anota a História. A
tradição brasileira de contemporização não se transforma em benefício para a
democracia, apenas salva os cúmplices. Até que venha outro crime. O Centrão e o
bolsonarismo são filhos naturais de tamanho equívoco. Se não há purgação,
continuam a brotar as dissimuladas flores do mal.
Saídas pela porta dos fundos são bem típicas dos militares covardes! Figueiredo, Bolsonaro...
ResponderExcluirMagnífico! Cúmplices do GENOCIDA, como Moro, Mourão, Pazuello, omissos ou incompetentes quando estiveram no DESgoverno Bolsonaro, agora querem se apresentar como democratas ou políticos qualificados. VERMES é o que são! Tão criminosos quanto seu ex-chefe de quadrilha... A Funai esteve subordinada ao ex-ministro Moro e ele nada fez para melhorá-la ou para resgatar os ianomâmis da miséria em que se encontravam e que só se aprofundou. Mourão comandava o Conselho da Amazônia e o incompetente deixou que as queimadas, os desmatamentos ilegais, a mineração criminosa nos territórios indígenas e a boiada do Ricardo Salles explodissem durante os 4 últimos anos.
ResponderExcluirEu coloco todas as minhas esperanças na possibilidade de que a justiça eleitoral torne BOLSONARO inelegível. Se não acontecer que o bom senso do povo brasileiro o rejeite definitivamente. Mas, por favor, elites e mídias brasileiras ajudem a encontrar um candidato idôneo que possa servir ao Brasil e não se servir do Brasil em proveito próprio. Peço, aqui, licença ao imortal Mário de Andrade para usar um seu personagem. Lula e Bolsonaro sempre somam 2 Macunaimas, heróis sem nenhum caráter, a única diferença é se posicionarem nessa posição ideológica de subdesenvolvido, direita ou esquerda.
ResponderExcluirCorajoso!
ResponderExcluirA destruição ambiental na Amazônia brasileira sob Bolsonaro e Mourão!
ResponderExcluirUm mandato presidencial sem nenhuma Terra Indígena (TI) demarcada e, ao mesmo tempo, aumento de 212% nas invasões e de 125% de atividades do garimpo ilegal nessas áreas. O maior aumento de desmatamento na Amazônia durante 4 anos. A maior alta nas emissões de gases estufa em 19 anos no país. Uma redução de 40% das multas por desmatamento Amazônia.
"A destruição ambiental promovida nos últimos 4 anos foi planejada e cumprida de forma consciente, assim como as ações genocidas contra os povos indígenas. Chegou a hora de investigar e punir os responsáveis, para que o Brasil não se esqueça, e para que nunca se repita”, afirma Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.
Mais detalhes em:
https://www.brasildefato.com.br/2023/03/27/relatorio-expoe-estrago-na-politica-ambiental-sob-bolsonaro
Difícil esse país deixar a sua condição de maior país corrupto e socialmente perverso que o mundo conhece. A anistia a criminosos de direita é sempre a garantia de retorno posterior aos crimes
ResponderExcluirBolsonaro está voltando para regar suas florezinhas maléficas que estão murchando, várias apodrecendo nas cadeias depois de terem sido apanhadas no 8/1.
ResponderExcluir