O Estado de S. Paulo
A noção de bem público do presidente era mais abrangente e imprecisa que a do servidor
O presidente se chamava Jair Messias
Bolsonaro. O servidor, Marco Antônio Lopes Santanna. O servidor – importante
frisar – era público. O presidente queria incorporar ao seu patrimônio –
privado – joias no valor de R$ 16,5 milhões que, pelo regulamento, pertenciam
ao Estado. Eram, assim, públicas – mas a noção de bem público do presidente era
mais abrangente e imprecisa que a do servidor.
“É importante fazer uma diferenciação entre Estado e governo”, diz Gabriela Lotta, professora de Administração Pública da Fundação Getulio Vargas. “Os servidores públicos são de Estado, representam instituições que permanecem para além dos governos de plantão.” Lotta é vice-presidente do conselho do Instituto República, organização voltada para a melhoria do serviço público – e é a entrevistada do minipodcast da semana.
Dois dias antes da conclusão de seu
mandato, o presidente mandou um sargento reaver as joias, retidas no Aeroporto
de Guarulhos aos cuidados do servidor em questão. Elas haviam entrado no País
como contrabando, na mochila de um assessor. O sargento mostrou documentos na
tela do celular, pediu que o servidor atendesse a ligações de seu superior – um
coronel – e do superior dele – o secretário da Receita Federal. O servidor
sabia o significado estrito da palavra “público” – e não atendeu os
telefonemas.
O sargento deu a carteirada final: disse
que as joias pertenciam ao presidente, que sairia do governo dali a dois dias:
“Não pode ter nada do antigo para o próximo, tem que tirar tudo e levar”. Não
colou. E assim o servidor Marco Antônio Lopes Santanna, que continua no cargo,
impediu o malfeito do presidente Jair Messias Bolsonaro, hoje fora do posto.
“O servidor precisa de estabilidade para,
em momentos de confronto, defender o Estado de algo que seja ilegal ou imoral”,
diz Gabriela Lotta. Não que ele não possa ser demitido. “Há regulamentos,
estabilidade não significa permissividade.” O ato de Santanna nada tem de
heroico. Ele simplesmente cumpriu sua função de forma correta. Se não
cumprisse, poderia enfrentar um processo administrativo.
A reportagem sobre as joias é de autoria de
Adriana Fernandes e André Borges, da sucursal de Brasília do Estadão. O time
comandado por Andreza Matais se tornou uma referência no jornalismo
investigativo brasileiro. Nosso país pode ter vários problemas, mas o episódio
das joias mostra que por aqui existem pelo menos duas coisas boas: servidores
dignos da palavra “público” – que honram como um sobrenome nobre – e uma
imprensa que não se curva aos poderosos, mesmo que sejam presidentes da
República.
*Escritor, professor da Faap e doutorando
em Ciência Política na Universidade de Lisboa
Esse foi o lado bom do caso do contrabando das jóias.
ResponderExcluirO outro lado, bom também, desmascarou o ex-presidente ladrão e corrupto, a ex-1a dama(?) mentirosa e comparsa, e diversos FFAA larápios e imbecis.
Receita Federal não corrompida deu aula.
Magna!
Pois é.
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