O Estado de S. Paulo
A Itália estagnou quando seus eleitores passaram a alternar técnicos e populistas no governo
Uma foto em que o vice-presidente Geraldo
Alckmin aplica uma vacina no presidente Luiz Inácio Lula da Silva viralizou
nesta semana nas redes sociais. Na semana passada, a imagem da vez mostrava
Lula e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, em ação conjunta para
resgatar as vítimas das enchentes. As duas fotos têm algo em comum: o teor das
reações nas caixas de comentários, carregadas de palavras como “repugnante”,
“oportunismo” e “má-fé”.
Fotos em que adversários ou ex-adversários políticos confraternizam são comuns. Uma pesquisa rápida no Google mostra Alckmin com Anthony Garotinho em 2006; Fernando Haddad com Paulo Maluf em 2012; ou a famosa imagem em preto e branco de Lula com Fernando Henrique distribuindo panfletos na porta de uma fábrica, em 1978 – na época, eram aliados. Será que aumentou o estranhamento na era das redes sociais?
Uma resposta possível é que seja sintoma de
um fenômeno mais profundo, aquele que o cientista político chileno Carlos
Meléndez chama de “identidade antiestablishment”. A ira contra as fotos
representaria a ira contra a essência da atividade política, que consiste em
dialogar e fazer acordos à luz do dia – e, às vezes, sob a luz dos flashes.
“Nutrir afetos positivos e negativos sobre
alguns políticos é normal”, diz Meléndez, entrevistado no minipodcast da
semana. “O problema é quando se rechaça não apenas um partido A, B ou C, mas o
establishment político como um todo. Se o establishment representa a democracia,
rechaçá-lo significa rechaçar a própria democracia.”
Tal fenômeno é recorrente no mundo atual e,
segundo as pesquisas de Meléndez, cresceu no Brasil nos últimos anos. “Defendo
a tese de que Jair Bolsonaro não se elegeu apenas por causa do antipetismo, mas
também pelo sentimento antiestablishment, que explica alguns acontecimentos
recentes.” Meléndez se refere ao vandalismo contra símbolos da democracia em
Brasília, perpetrado por uma parcela extremista dos eleitores de Bolsonaro.
Parte do sentimento antipolítica se fia na
crença de que um governo de técnicos seria mais eficiente. Trata-se de ilusão.
A
Itália estagnou quando seus eleitores,
desiludidos da política, passaram a alternar técnicos e populistas no governo.
Uns e outros fracassaram em sanar as mazelas fiscais do país.
Políticos servem para resolver os problemas da população. Para isso, conversam e fazem acordos. Quando são flagrados – ou se deixam flagrar – dialogando com adversários, é sinal de que estão trabalhando. Foram eleitos para fazer política. Se fazem boa ou má política, cabe ao cidadão julgar a cada quatro anos.
Claro.
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