sábado, 4 de março de 2023

João Gabriel de Lima - Políticos fazem política. Ainda bem

O Estado de S. Paulo

A Itália estagnou quando seus eleitores passaram a alternar técnicos e populistas no governo

Uma foto em que o vice-presidente Geraldo Alckmin aplica uma vacina no presidente Luiz Inácio Lula da Silva viralizou nesta semana nas redes sociais. Na semana passada, a imagem da vez mostrava Lula e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, em ação conjunta para resgatar as vítimas das enchentes. As duas fotos têm algo em comum: o teor das reações nas caixas de comentários, carregadas de palavras como “repugnante”, “oportunismo” e “má-fé”.

Fotos em que adversários ou ex-adversários políticos confraternizam são comuns. Uma pesquisa rápida no Google mostra Alckmin com Anthony Garotinho em 2006; Fernando Haddad com Paulo Maluf em 2012; ou a famosa imagem em preto e branco de Lula com Fernando Henrique distribuindo panfletos na porta de uma fábrica, em 1978 – na época, eram aliados. Será que aumentou o estranhamento na era das redes sociais?

Uma resposta possível é que seja sintoma de um fenômeno mais profundo, aquele que o cientista político chileno Carlos Meléndez chama de “identidade antiestablishment”. A ira contra as fotos representaria a ira contra a essência da atividade política, que consiste em dialogar e fazer acordos à luz do dia – e, às vezes, sob a luz dos flashes.

“Nutrir afetos positivos e negativos sobre alguns políticos é normal”, diz Meléndez, entrevistado no minipodcast da semana. “O problema é quando se rechaça não apenas um partido A, B ou C, mas o establishment político como um todo. Se o establishment representa a democracia, rechaçá-lo significa rechaçar a própria democracia.”

Tal fenômeno é recorrente no mundo atual e, segundo as pesquisas de Meléndez, cresceu no Brasil nos últimos anos. “Defendo a tese de que Jair Bolsonaro não se elegeu apenas por causa do antipetismo, mas também pelo sentimento antiestablishment, que explica alguns acontecimentos recentes.” Meléndez se refere ao vandalismo contra símbolos da democracia em Brasília, perpetrado por uma parcela extremista dos eleitores de Bolsonaro.

Parte do sentimento antipolítica se fia na crença de que um governo de técnicos seria mais eficiente. Trata-se de ilusão. A

Itália estagnou quando seus eleitores, desiludidos da política, passaram a alternar técnicos e populistas no governo. Uns e outros fracassaram em sanar as mazelas fiscais do país.

Políticos servem para resolver os problemas da população. Para isso, conversam e fazem acordos. Quando são flagrados – ou se deixam flagrar – dialogando com adversários, é sinal de que estão trabalhando. Foram eleitos para fazer política. Se fazem boa ou má política, cabe ao cidadão julgar a cada quatro anos.