Correio Braziliense
Ao pretender aumentar por decreto a idade
mínima para a aposentadoria 62 para 64 anos, o presidente francês viu o povo
voltar às ruas para protestar contra a reforma da previdência
Os franceses gostam de resolver suas
contradições nas ruas, desde a Revolução de 1789, que acabou com o Antigo
Regime os privilégios da aristocracia. A Queda da Bastilha, em 14 de julho de
1789, espalhou a revolução por toda a França e mudou a História do Ocidente. Mutualistas
e coletivistas, os trabalhadores franceses voltariam às barricadas em 1871, na
Comuna de Paris, tomando o poder sem estarem preparados para isso. Mesmo assim,
o assalto aos céus passou a ser o objetivo dos trabalhadores europeus, que se
dividiram em duas grandes correntes: a social-democrata e a comunista.
Para a formação dos partidos operários contribuíram as teses do judeu-alemão Karl Marx, sustentadas na Conferência de Londres da I Internacional Socialista, em 1871: “Em sua luta contra o poder reunido das classes possuidoras, o proletariado só pode se apresentar como classe quando constitui a si mesmo num partido político particular, o qual se confronta com todos os partidos anteriores formados pelas classes possuidoras”.
O Partido Trabalhista britânico surgiu
fortemente influenciado por essas ideias. Chegou ao poder em 1924, como partido
de base operária, reformista, liderado pelo primeiro-ministro Ramsay MacDonald.
Após a Segunda Guerra Mundial, o “Estado de bem-estar social” britânico viria a
se reproduzir por quase toda a Europa.
Quando a conservadora Margareth Thatcher
derrotou os trabalhistas e assumiu o poder, em 1979, a Europa estava em
recessão econômica, com inflação alta, muito desemprego e crise energética. A
seguridade social britânica foi posta em xeque: a reforma da previdência
excluiu 15 milhões de segurados, que dela saíram para os fundos de pensão;
restaram 6,5 milhões de trabalhadores de baixa renda.
Primeira mulher a ocupar o cargo de
primeiro-ministro britânico, com mão de ferro, Thatcher realizou reformas
liberais para reduzir os impostos e diminuir o poder dos sindicatos. Seu
primeiro governo foi marcado por diversas greves e manifestações dos sindicatos
trabalhistas, mas o desemprego minou a resistência dos grevistas. Apesar disso,
sua intervenção nas Guerras das Malvinas (Guerra entre Inglaterra e Argentina),
em 1982, aumentou sua popularidade.
Thatcher conseguiu sua primeira reeleição
em 1984, em decorrência desse fato. No segundo mandato, Thatcher promoveu um
programa de privatizações das empresas estatais e continuou combatendo de forma
radical os movimentos sindicais trabalhistas. O êxito de sua receita neoliberal
se espalhou pelo mundo, principalmente depois de adotada por Ronald Reagan, o
presidente dos Estados Unidos..
Viver a vida
A reforma da Previdência de Emmanuel Macron
nem de longe segue a receita de Margareth Thatcher, mas o seu enfrentamento com
os sindicatos tem a mesma proporção. Ao pretender aumentar por decreto a idade
mínima para a aposentadoria de 62 para 64 anos, o presidente francês viu o povo
voltar às ruas como os antigos revolucionários, fazendo barricadas e ateando
fogo ao que encontrasse pela frente. Na verdade, a França tem um sistema
previdenciário que se tornou insustentável devido às mudanças demográficas. O
gasto público chega a 55% do Produto Interno Bruno (PIB), dos quais 14,7%
correspondem às aposentadorias.
A redução da idade mínima para
aposentadoria de 65 para 60 anos sempre foi uma bandeira da esquerda francesa,
que alcançou esse objetivo no governo de François Mitterrand, do Partido
Socialista. O sonho de consumo do francês comum é se aposentar para viver a
vida e conhecer o mundo. Sem apoio na Assembleia francesa para fazer a reforma,
o governo anunciou que pretende recorrer ao artigo 49.3 da Constituição e
implantá-la por decreto.
A principal crítica à reforma é não usar
como referência o tempo de contribuição, mas o da idade. Isso prejudicaria
muito mais os trabalhadores de baixa renda, que geralmente começaram a
trabalhar muito mais cedo. A mobilização contra a reforma não é monopólio dos
sindicatos e dos partidos de esquerda, que organizam as greves. Os partidos de
ultradireita, como o Reunião Nacional (RN), de Marine Le Pen, que foi derrotada
por Macron no segundo turno da última eleição, também foram às ruas contra a
reforma e mobilizam seus eleitores. Cerca de 57% dos votos dos assalariados e
67% dos votos dos trabalhadores braçais votaram na direita.
Entretanto, a grande estrela dos protestos
é um garoto de 15 anos, Manès Nadel, aluno do Liceu Buffon, em Montparnasse,
Paris. Filho de um economista e de uma funcionária pública, único ativista de
cinco irmãos, o líder secundarista construiu uma narrativa que surpreende os
analistas: “Para nós, defender os serviços públicos, a segurança social e as
pensões, é o nosso modelo social à proteção dos mais pobres”, disse à France
Télévisions.
“Especialmente quando houver o aquecimento
global, que também os atingirá primeiro. Nesse momento, serviços públicos
fortes serão necessários. E quando estamos lutando contra a regressão social,
estamos lutando por isso também”, completou.
Embora negue qualquer vínculo partidário, o
jovem foi flagrado pela mesma emissora que o entrevistou assobiando A
Internacional, a canção escrita em francês em 1871, por Eugène Pottier
(1816-1887), um dos membros da Comuna de Paris, como paródia d’A Marselhesa. Só
em 1888, Pierre De Geyter (1848-1932) transformou o poema em música, que se
tornaria o hino da antiga União Soviética.
Sim,15 anos!
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