domingo, 26 de março de 2023

Luiz Carlos Azedo - Parceria com a China pode estressar relação com os EUA

Correio Braziliense

Quando Lula se propõe à formação de um clube de países para negociar a paz entre a Rússia e a Ucrânia, põe em risco suas boas relações com Joe Biden

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva adiou a viagem para a China, que faria com uma comitiva de 200 empresários e uma delegação parlamentar da qual fazia parte o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Na lógica geopolítica do chamado “Sul global”, as relações com presidente Xi Jinping são as mais importantes para a diplomacia brasileira, porém, qualquer aproximação que possa ser interpretada como uma aliança principal podem estremecer as relações do Brasil com os Estados Unidos, cujo apoio foi decisivo para respaldar a eleição de Lula, garantir sua posse e frustrar a tentativa de golpe de estado de 8 de janeiro. O adiamento é uma oportunidade de refletir sobre seus objetivos.

O Brasil está entre dois polos de atração da geopolítica global. A China hoje é o nosso principal parceiro comercial, para o qual exportamos algo em torno de US$ 88 bilhões, enquanto importamos US$ 47 bilhões, com um superávit da balança comercial de US$ 41 bilhões. Em contrapartida, importamos US$ 39 bilhões dos Estados Unidos, para os quais exportamos US$ 31 bilhões, um déficit comercial de US$ 8 bilhões. Ocorre que o valor agregado de nossas exportações para a China é muito baixo, enquanto os produtos chineses estão matando a indústria nacional, que perdeu também seu mercado para os chineses na América do Sul.

É preciso levar em conta o contexto em que isso ocorre. O eixo do comércio mundial se deslocou do Atlântico para o Pacífico. Nossa infraestrutura foi montada originalmente em conexão com a Europa e os Estados Unidos; agora, está sendo lentamente convertida para se integrar ao Pacífico, mas a barreira dos Andes encarece os custos logísticos. Até 2007, o Brasil acompanhou o boom da demanda mundial, na esteira da desvalorização cambial. A partir da crise de 2008, a indústria brasileira sucumbiu à concorrência internacional, aos aumentos de custo de produção em reais (principalmente salários) e à forte apreciação do câmbio nominal e real.

A expansão do PIB observada no pós-2008 foi toda baseada em serviços não sofisticados e na construção civil (quadro típico de doença holandesa). A demanda por bens industriais foi totalmente suprida por importações. Houve enorme perda de complexidade produtiva. A produtividade da economia caiu e continuará caindo, ate que as manufaturas domésticas se recuperem. A desvalorização cambial de 2015 não produziu a reconstrução do setor de bens com maior valor agregado.

A tentativa de adensar as cadeias produtivas, verticalizando-as em vez de integrá-las de forma complementar às cadeias globais de valor, provocou a perda de produtividade e competitividade da nossa indústria. Nos últimos 20 anos, os produtos minerais e agropecuários ultrapassaram em três vezes o valor das exportações de bens de baixa, média e alta complexidades. A principal causa é o comércio com a China, que triplicou o valor de nossas exportações, mas confinou o Brasil à vocação natural de exportador de minérios e produtos agrícolas na nova divisão internacional do trabalho.

Guerra fria

A expansão do comércio com a China é global. Seu principal parceiro comercial são os Estados Unidos, que exportaram tecnologia e empregos para a potência asiática, da qual passaram a importar toda sorte de produtos, desde os mais primários aos eletrônicos de última geração e redes sociais. A perda contínua de mercado para os chineses, inclusive no seu próprio mercado interno, provocou a reação política e militar dos Estados Unidos contra a expansão da influência chinesa no mundo.

Esse cenário havia sido previsto por Henry Kissinger, o negociador do restabelecimento das relações entre os dois países durante o governo Nixon, no seu livro Sobre a China (Objetiva), cujo final é muito perturbador. O ex-secretário de Estado norte-americano assinala que o século passado foi pautado por uma disputa pelo controle do comércio no Atlântico entre uma potência continental, a Alemanha, e uma potência marítima, a Inglaterra, que provocou duas guerras mundiais. Segundo ele, com a mudança de eixo do comércio para o Pacífico, essa disputa está se repetindo, neste século, entre os Estados Unidos, uma grande potencia marítima, e a China, a potência continental emergente. Como isso se resolverá?

O mundo unipolar liderado pelos Estados Unidos após a dissolução da União Soviética, cujo auge foi o período entre as guerras da Sérvia (Balcãs) e do Iraque (Oriente Médio), deixou de existir com a emergência da China. Entretanto, o que está surgindo não é um mundo multipolar, como vinha se desenhando, com o fortalecimento da Alemanha e da França na União Europeia e a formação dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Com a brutal invasão da Ucrânia pela Rússia, em resposta à expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), instalou-se no mundo um novo clima de “guerra fria”. A ocupação de parte do território ucraniano se tornou o palco de uma “guerra por procuração” entre a Otan e a Rússia.

Quando Lula propõe a formação de um clube de países não envolvidos na guerra para negociar a paz entre a Rússia e a Ucrânia, para o qual pleiteia o apoio do presidente chinês Xi Jinping, põe em risco suas excelentes relações com o presidente Joe Biden. A Ucrânia não quer um cessar-fogo com os russos ocupando a região de Donbass nem os russos aceitam sair com a Otan na sua fronteira. A Rússia e a China formaram uma aliança euro-asiática, de caráter autoritário, que se contrapõe à hegemonia norte-americana. De dimensões continentais, o Brasil é uma democracia emergente do Ocidente. Em termos geopolíticos, seria um equivoco envolver o Atlântico Sul nessa disputa, não apenas por razões comerciais, porque isso tornaria inevitável a sua militarização pelas potências do Ocidente, numa conjuntura de “guerra fria”.

 

9 comentários:

  1. Boa relação: ser serviçal e atender aos desígnios unilaterais yanke. Daí quando defendem a soberania da Ucrania frente a Russia e etc gritam com toda a força dos pulmões, mas quando o Brasil exerce de sua soberania para receber navios iranianos ou procurar melhores negócios independente com que seja, vem o pessoal do, "Olha, temos que pensar que os EUA são nossos vizinhos" temos de escutá-los e etc. Bando de articulista safado!

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    1. Amizade com esse país assassino é motivo de vergonha na cara e não político.

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  2. Esse é a primeira análise sobre o momento geopolítico global que vejo publicada na grande mídia tratando essas questões de forma sintética, realista e precisa, sem concessão à guerra de propaganda e manipulação. Parabéns Azedo!

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  3. Brasileiros parecem não ligar ao fato do embaixador chinês considera-los inferiores aos chineses, incapazes e preguiçosos que vivem o ano inteiro para a alegria do Carnaval. Pelo menos brasileiros não comem morcegos e outras coisas eu lembraria.

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  4. E foi justamente por causa da Indústria que ele disse que o brasileiro é incompetente para desenvolvê-la.

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  5. Esse cara é maluco: "Quando Lula propõe a formação de um clube de países não envolvidos na guerra para negociar a paz entre a Rússia e a Ucrânia, para o qual pleiteia o apoio do presidente chinês Xi Jinping". Xi Jinping já foi na Rússia sozinho e não precisa de apoio do Bananão. Bananão continua anão diplomático , querido, em que mundo vc vive que o Mulambo Ladrão vai dar ideia para o líder chinês? Kkkkk cala a boca e produz farelo e óleo de soja aí pros chineses, bando de tupiniquim.

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  6. Kissinger sabia de tudo

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  7. Xi Jinping já foi na Rússia sozinho e nada mudou em relação à guerra. O líder chinês é poderoso, mas nada conseguiu avançar para acabar com a guerra. Lula pode conseguir uma convergência maior de países importantes que não estejam já diretamente envolvidos. Pode não dar certo, mas acho que ele deve tentar, sim, independente do que pensem os bolsonaristas ou outros incompetentes como Magnoli.

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