domingo, 26 de março de 2023

Míriam Leitão - A semana difícil de Lula

O Globo

Presidente teve que lidar com diagnóstico de pneumonia e adiamento da viagem à China. E com as consequência da declaração lamentável sobre plano do crime organizado

A sensata decisão do presidente Lula de adiar a viagem à China não tira a força da diplomacia presidencial que ele tem comandado desde que voltou ao governo. É impressionante como mudou o nível das relações internacionais, depois de encerrado o projeto país pária. A agenda de visitantes no Brasil e de viagens do presidente ao exterior em três meses é mais movimentada do que em qualquer ano do governo Bolsonaro. A China é o nosso maior parceiro comercial, houve preparações dos dois lados para uma visita com resultados concretos, e tudo isso será retomado assim que for possível.

A semana em que terminou diagnosticado com pneumonia, e com viagem cancelada, não foi boa para Lula. E é bom que a cúpula do governo entenda que ajudam os que alertam para os erros e não os que dão tapinhas nas costas, como o presidente alertou.

Ao fim de três meses do governo Lula, o país já mudou. Só para citar um detalhe, na próxima sexta-feira, não acordaremos com os quartéis ofendendo os fatos e comemorando a ditadura militar. Diversas áreas mudaram para melhor, da política externa à proteção dos indígenas, da ação ambiental à política cultural. Um evento da semana passada poderia entrar na coleção das boas novas. Forças de segurança, federal e estaduais, frustraram um plano terrível do crime organizado de ataque e morte de agentes públicos. Uma das autoridades era o senador Sergio Moro, que um dia foi juiz, e naquela função condenou Lula.

As declarações de Lula sobre o assunto foram lamentáveis. Até seus aliados admitiram. Depois de quatro anos ouvindo falas levianas e chulas, acusações sem prova, negações de evidências, o país quer outro estilo de presidência. Na quinta, mesmo diante das provas abundantes trazidas pela investigação, da qual participou a Polícia Federal, Lula criou uma teoria da conspiração. E o fez naquele estilo de dizer que não ia dizer o que estava dizendo, que era tão comum no governo anterior. “Eu não vou atacar ninguém sem provas” mas “é visível que é uma armação do Moro”.

No passado, Moro foi algoz de Lula. Hoje não tem esse poder. É um senador de um partido dividido, no qual há apoiadores de Lula, que agora é presidente da República. Não tem cabimento Lula estar ainda em briga com Moro. Lula o venceu. Nos tribunais e nas urnas. Moro foi considerado parcial pelo STF e viveu a contradição humilhante de apoiar, na última eleição, o presidente que o demitira e que ele acusara de usar a Polícia Federal para defender interesses particulares.

O crime organizado é o inimigo. As facções cresceram, fizeram alianças interestaduais e passaram a atuar nacionalmente. Na Amazônia, bandidos se consorciaram e o crime ambiental passou a monetizar o narcotráfico. Nas cidades, aterrorizam os cidadãos. Uniram-se a gangues de outros países, suas finanças são operadas globalmente. As facções viraram multinacionais do crime. Agora, querem acuar o próprio estado brasileiro. A única resposta possível é a atuação suprapartidária do estado contra esse inimigo comum.

O presidente Lula é um estadista e tem que permanecer nesse lugar. O país precisa disso, depois de tudo o que viveu em quatro anos terríveis. As duas declarações de Lula sobre Moro foram insensatas. Numa delas, ele usou um dos muitos palavrões que Bolsonaro proferiu na reunião ministerial de 22 de abril de 2020. O país se fartou de ver um presidente falando assim. Esse modelo foi gasto pelo seu antecessor e não deveria ser usado por Lula.

Bolsonaro levava o debate para o bizarro, para desviar a atenção de assuntos relevantes. O presidente Lula tem o que mostrar em temas importantes. Naquele mesmo dia em que disse que a investigação era “armação de Moro”, Lula fez um belo evento no Theatro Municipal para retomar a política cultural. Bolsonaro vivia das frases polêmicas por falta de capacidade de governar, Lula só tem a perder com declarações que atrapalhem a visibilidade das ações de governo. Deveria evitar o modelo de capturar a atenção do país com falas imprudentes e agressivas. Elas animam auditório mas azedam o clima e o apequenam.

Neste momento, há muitos problemas reais assombrando o país. A eles, Lula deve dedicar sua atenção quando estiver prontamente recuperado. Bons conselheiros poderiam dizer a Lula que ele foi eleito, não para fazer um acerto de contas com o passado, mas para governar. Até porque ele venceu o passado.

5 comentários:

  1. A jornalista domina conteúdo e escrita de forma brilhante !

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  2. Estadista kkkkk. Cala a boca, Porcona.

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  3. Excelente análise! Parabéns à autora e ao blog que divulga seu trabalho! O bolsonarista acima apenas demonstra o nível rasteiro dos apoiadores do GENOCIDA.

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  4. Lula estadista é piada de mau gosto. E Lula sempre disse montes de fezes, sempre foi tosco como Bolsonaro. Mas a sra Leitoa, como boa parte da mídia mainstream, tem dupla moral na análise das duas faces da mesma moeda do atraso brasileiro.

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  5. Míriam Leitão continua sendo ótima.

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