O Estado de S. Paulo.
Independência dos BCs tornou-se
imprescindível nos últimos 50 anos e consagrada há pelo menos três décadas. PT
e Lula não perceberam essa realidade ainda
Nas recentes críticas à taxa de juros, o
presidente Lula tachou de “bobagem” a independência do Banco Central (BC).
Ocorre que a regra prevalece nos países ricos, sem exceção. Também é assim em
países latino-americanos. Em três deles – Chile, Colômbia e México, governados
por líderes de esquerda – esse status permanece. O novo presidente colombiano,
Gustavo Petro, ex-guerrilheiro, reclamou das taxas de juros, mas não questionou
a independência do banco central.
Lula usou um exemplo pessoal para defender uma tese: nos seus dois primeiros mandatos, o presidente do BC tinha autonomia para definir a taxa Selic. Não haveria, pois, necessidade da independência formal. Lula se equiparou, assim, a Luís XIV, o Rei Sol francês do século XVII, que em 72 anos de reinado se tornou o símbolo máximo do absolutismo. Egocêntrico, ele teria dito que “o Estado sou eu”, ou seja, a fonte máxima de poder e autoridade para estabelecer regras. Se não fosse Lula o presidente, como ficaria a autonomia do BC?
O Iluminismo, como se sabe, contribuiu para
a morte do absolutismo e para a garantia de direitos e garantias individuais.
Nas democracias modernas, as regras são prerrogativa de Parlamentos, sob
controle de sua constitucionalidade pelo Judiciário. Nem mesmo na autoritária
China as regras constituem exclusividade do chefe do governo. Desde muito
tempo, em todo o mundo, elas obedecem a um processo natural de evolução. Nascem
habitualmente de decisões de certos indivíduos, mas estes são influenciados por
ideias anteriores. Não surgem do nada. Originam-se do aprendizado propiciado
pela história.
O conceito de independência dos bancos
centrais evoluiu durante mais de três séculos, começando com a criação do Banco
da Suécia, em 1668, seguido pelo Banco da Inglaterra (1694) e pelo Banco da França
(1800), este criado por Napoleão para controlar a inflação. No século 20, os
bancos centrais se tornaram necessários para evitar crises bancárias e prevenir
a falência de bancos em cadeia, o que prejudicava a atividade econômica, o
emprego e a renda. A concessão de autonomia operacional do Banco da Inglaterra
coube a um líder de esquerda, Tony Blair (1997).
As regras que determinam a ordem econômica,
construídas ao longo do tempo, resultaram de mudanças pequenas e
descoordenadas, impulsionadas pelo debate e pelo avanço das ideias. Douglass
North, que estudou o papel das instituições no desenvolvimento, as denominou de
“regras do jogo”, as quais alinham incentivos para a atividade de investir,
assumir riscos e gerar riqueza. Ele mostrou que as leis de usura, uma regra
ruim, acarretavam ineficiências. Sua burla aumentava os custos de transação e
provocava quedas na produtividade. Quando os juros passaram a ser determinados
pelo mercado, sob influência da taxa básica do banco central, os custos de
transação caíram e a economia ganhou produtividade.
Outro exemplo do papel das regras no
desenvolvimento é o das leis de defesa da concorrência, que surgiram na segunda
metade do século 20 com base na percepção do mau efeito econômico que decorria
da ação de monopólios e oligopólios. Estes já haviam sido considerados
indesejáveis por Adam Smith em sua monumental obra de 1776, mas somente mais
tarde a experiência e os respectivos estudos permitiriam que eles viessem a ser
combatidos diante da ameaça ao livre mercado e ao bom funcionamento da
economia.
No front internacional, a ordem baseada em
regras tornou-se fonte de paz e prosperidade com os tratados celebrados em
Vestfália, logo após o término da Guerra dos 30 Anos (1648). Deles nasceram as
regras relativas à soberania das nações e à criação de embaixadas, cujo
objetivo era evitar conflitos bélicos entre as nações. Napoleão, Hitler e,
agora, Putin as violaram brutalmente, mas a cada nova experiência tais regras
evoluem e melhoram.
O Brasil tem sido palco de más e boas
regras. Exemplos das primeiras foram o estabelecimento, na Constituição de
1988, da taxa anual de juros reais de 12% e a Nova Matriz Econômica, criada no
fim do segundo mandato de Lula. Ambas causaram enorme estrago à economia
brasileira. Exemplos de boas regras foram as que proporcionaram a privatização
da Telebrás, da Embraer e da Companhia Vale do Rio Doce. A primeira promoveu o
acesso ao telefone à massa de consumidores, ricos e pobres, a custo
relativamente baixo; a segunda deu origem à terceira maior produtora mundial de
jatos de passageiros; e a terceira permitiu à Vale emergir como uma das maiores
potências minerais do mundo.
Boas regras são essenciais para a
prosperidade e para a redução das desigualdades e da pobreza. A independência
dos bancos centrais tornou-se imprescindível nos últimos 50 anos e consagrada
há pelo menos três décadas. O PT e Lula ainda não perceberam essa realidade. O
partido a rejeitou explicitamente em resolução recente do seu Diretório
Nacional, adotada em fevereiro passado. Como entender?
*Maílson da Nóbrega, sócio da Tendências Consultoria, foi ministro da Fazenda
Lendo e aprendendo.
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