segunda-feira, 13 de março de 2023

Marcus André Melo* - Lula virou à esquerda?

Folha de S. Paulo

Aliança com líderes do centrão é compensada por esquerdismo na política externa e contra o Bacen

Na primeira reunião ministerial de seu governo, o presidente Lula reconheceu seu caráter hiperminoritário: "nós não mandamos no Congresso, nós dependemos dele". Mas durante a campanha, ele criticara Bolsonaro por ser "um bobo da corte": "Bolsonaro não manda nada, é refém do Congresso Nacional".

Por sua vez, na sabatina do Jornal Nacional, Bolsonaro ao ser questionado sobre sua dependência do Congresso, reagiu: "Bonner você está me estimulando a ser um ditador? O centrão são 300 deputados. Se eu deixar de lado vou governar com quem?".

Há assim forte continuidade nas relações Executivo-Legislativo determinada fundamentalmente pela alta fragmentação partidária. Mas as similaridades param aí. As estratégias são distintas e explicam a aparente virada à esquerda de Lula.

Bolsonaro iniciou seu governo rejeitando "a velha política", mas embarcou numa hiperdelegação de poderes ao Legislativo, na figura dos líderes das duas casas, que se materializou no orçamento secreto (OS): as emendas de relator (RP9) cresceram em detrimento dos recursos discricionários dos ministérios.

Lula aliou-se ao centrão antes mesmo de tomar posse, garantindo a aprovação da PEC do teto de gastos. O STF decidiu pela inconstitucionalidade do OS e o rearranjo negociado entre Executivo e centrão foi que metade dos gastos assumiriam a forma de emendas individuais que são impositivas. O restante voltaria aos ministérios; seriam objeto de negociações com parlamentares, sob discricionariedade do Executivo. O governo acaba de delegar ao ministro das Relações Institucionais a centralização dessas negociações; e o Congresso, de anabolizar as Emendas de Comissão (RP-8), que passaram de R$ 90 mi para R$ 6,5 bi, contornando o STF. Orçamento semi-secreto?

As moedas de troca agora incluem —de forma mais institucionalizada— ministérios e cargos para a base. O apoio agora gera custos reputacionais concentrados no presidente (vide affair Juscelino Filho). A hiperdelegação sob Bolsonaro era também uma estratégia de se esquivar desses custos: "não é comigo isso daí".

Se o rapprochement com o centrão representa um movimento centrípeto de barganha, como explicar o movimento centrífugo em que o presidente radicaliza na política externa e em relação ao Bacen? O esquerdismo da política externa é uma forma de compensação da aliança com o centrão. Não se trata de algo novo. O episódio do Banco Central contrasta marcadamente com o que aconteceu no Chile de Boric e com Lula 1 que terceirizou a crítica ao Bacen para a Fiesp e o vice-presidente. Reflete fundamentalmente o temor de uma reação popular forte caso a economia degringole.

*Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA

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