Folha de S. Paulo
Aliança com líderes do centrão é compensada
por esquerdismo na política externa e contra o Bacen
Na primeira reunião ministerial de seu
governo, o presidente Lula reconheceu seu caráter
hiperminoritário: "nós não mandamos no Congresso, nós dependemos
dele". Mas durante a campanha, ele criticara Bolsonaro por ser "um bobo da corte": "Bolsonaro não manda
nada, é refém do Congresso Nacional".
Por sua vez, na sabatina do Jornal Nacional, Bolsonaro ao ser questionado
sobre sua dependência do Congresso, reagiu: "Bonner você está me
estimulando a ser um ditador? O centrão são 300 deputados. Se eu deixar de lado
vou governar com quem?".
Há assim forte continuidade nas relações Executivo-Legislativo determinada fundamentalmente
pela alta fragmentação partidária. Mas as similaridades param aí. As
estratégias são distintas e explicam a aparente virada à esquerda de Lula.
Bolsonaro iniciou seu governo rejeitando "a velha política", mas embarcou numa hiperdelegação de poderes ao Legislativo, na figura dos líderes das duas casas, que se materializou no orçamento secreto (OS): as emendas de relator (RP9) cresceram em detrimento dos recursos discricionários dos ministérios.
Lula aliou-se ao centrão antes mesmo de
tomar posse, garantindo a aprovação da PEC do teto de gastos. O STF decidiu
pela inconstitucionalidade do OS e o rearranjo negociado entre Executivo e
centrão foi que metade dos gastos assumiriam a forma de emendas individuais que
são impositivas. O restante voltaria aos ministérios; seriam objeto de
negociações com parlamentares, sob discricionariedade do Executivo. O governo
acaba de delegar ao ministro das Relações Institucionais a centralização dessas negociações; e o Congresso, de
anabolizar as Emendas de Comissão (RP-8), que passaram de R$ 90 mi para R$ 6,5 bi, contornando o STF. Orçamento semi-secreto?
As moedas de troca agora incluem —de forma
mais institucionalizada— ministérios e cargos para a base. O apoio agora gera
custos reputacionais concentrados no presidente (vide affair Juscelino Filho).
A hiperdelegação sob Bolsonaro era também uma estratégia de se esquivar desses custos: "não é comigo isso daí".
Se o rapprochement com o centrão representa
um movimento centrípeto de barganha, como explicar o movimento centrífugo em
que o presidente radicaliza na política externa e em relação ao Bacen? O
esquerdismo da política externa é uma forma de compensação da aliança com o
centrão. Não se trata de algo novo. O episódio do Banco Central contrasta marcadamente
com o que aconteceu no Chile de Boric e com Lula 1 que terceirizou a crítica ao Bacen
para a Fiesp e o vice-presidente. Reflete fundamentalmente o temor de uma
reação popular forte caso a economia degringole.
*Professor da Universidade Federal de
Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA
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