A social-democracia nasce no interior da Segunda Internacional Socialista, fundada em 1890. Alguns fatos marcantes foram determinantes para o racha no movimento socialista. A conquista do direito do voto universal e secreto e de leis de limitação da jornada de trabalho e de melhoria das condições de vida dos trabalhadores, em alguns países avançados. A eclosão da Primeira Grande Guerra Mundial e a Revolução Russa, em 1917. A expectativa dos fundadores do marxismo é que a revolução aconteceria nas nações de capitalismo mais avançado e maduro, onde as condições objetivas e subjetivas seriam configuradas, possibilitando a ruptura com o capitalismo. No entanto, a revolução aconteceu em país atrasados de capitalismo incipiente ou inexpressivo, como a URSS, e mais tarde, a China, em 1949.
É preciso ter cuidado com as palavras em
sua evolução histórica. Os partidos de esquerda eram chamados de
social-democratas, incluindo os marxistas, denominação que incomodava Engels e
Lenin, que preferiam a termo comunismo, mas era fato. Liberais hoje nos EUA não
são os seguidores de Hayek e Friedman, mas os progressistas hospedados no
Partido Democrata e no meio acadêmico.
Dito isto, uma série de líderes da Segunda
Internacional, seguindo elementos já presentes no “socialismo utópico”,
começaram a perceber a inviabilidade da revolução nos países avançados e as
mutações no capitalismo e os avanços na democracia parlamentar.
O marco mais relevante foi a publicação por
Eduard Bernstein, parlamentar alemão e líder do SPD, de seus “Os Pré-requisitos
do Socialismo e as Tarefas da Social Democracia” e “Socialismo Evolucionário”,
em 1899. Adotava uma visão revisionista, crítica em relação ao marxismo,
reformista e de valorização da luta democrática e parlamentar. Recebeu duras
críticas de Bebel, Rosa Luxemburgo, Kautsky, Plekhanov e Lenin. A visão começou a ganhar inúmeros adeptos nos
partidos socialdemocratas europeus. Mais tarde, Kautsky e Plekhanov também iriam
arder na fogueira do marxismo-leninismo caracterizados como revisionistas,
reformistas e traidores.
A Primeira Grande Guerra foi o marco
divisor. Os líderes russos se colocavam contra a guerra, porque a classe
operária não teria fronteiras e não deveriam os operários se matar uns aos
outros. Romperam com os social-democratas e fundaram a Terceira Internacional,
sob comando do Partido Bolchevique da URSS.
A partir daí, diante da impossibilidade de
revolução nos países avançados e das possibilidades abertas pela democracia
parlamentar, os socialdemocratas se concentraram em criar partidos de massa,
com força eleitoral, acumular experiência de governo, lutar pela evolução da
legislação protetiva e promotora de direitos dos trabalhadores, defender as
reformas e a intervenção do Estado para avançar e humanizar o capitalismo, sem
rompimento com a economia de mercado.
A crise mundial de 1929, dinamitou os cânones
do pensamento neoclássico liberal, dando uma prova viva que a economia de
mercado não tendia ao equilíbrio geral, mas a crises cíclicas permanentes.
Surge o pensamento do maior economista do século XX, o inglês John Maynard
Keynes, que ofereceu a fundamentação teórica para a intervenção estatal na
economia, em determinadas circunstâncias, para garantir o pleno emprego e o
crescimento. Isto foi apropriado pelos governos e partidos sociais-democratas.
A guerra fria, a partir de um mundo bipolar marcado pelo confronto entre EUA e
URSS, era o pano de fundo. O New Deal americano e o Plano Marshall foram
expressões disto. Mais tarde, em linha semelhante, na América Latina, surgiu o
pensamento cepalino, que valorizava os conceitos de Estado e Nação, para
superar o atraso e promover a industrialização na periferia do capitalismo.
Após a Segunda Grande Guerra, a
social-democracia se tornou hegemônica, legitimando o papel do Estado na
sociedade e na economia, dando origem ao “Welfare State”. Surgiriam lideranças
marcantes na Europa e nos EUA, nas décadas posteriores, como Willy Brandt na
Alemanha, Olaf Palme, na Suécia, Felipe González, na Espanha, François
Mitterand, na França, Mário Soares, em Portugal, Jospin, na França, Tony Blair,
no Reino Unido, Helmut Schmidt, na Alemanha, Bill Clinton e Obama, nos EUA,
Fernado Henrique Cardoso, no Brasil. Cada um com seu momento e suas
circunstâncias, mas unidos na convicção social-democrata de que o mercado é o
melhor organizador dos fatores econômicos, mas produz crises e desigualdades, e
que o Estado deve atuar para atenuar as falhas do mercado e intervir através
das políticas públicas para promover a maior equidade social possível.
O Estado de Bem Estar Social (Welfare
State) se agigantou e a expansão de gastou encontrou seus limites. Houve uma
crise no final da década de 1970 e ocorreu a chamada reação neoliberal, nos
anos de 1980, liderada por Margaret Thatcher e Ronald Reagan, que marcou uma
ofensiva de estratégias liberais na economia e conservadora nos costumes.
Isso e o avanço da globalização mudaram o
cenário. Os novos líderes da social-democracia enfrentaram o desafio de
reinventar os conceitos e as estratégias diante do novo mundo, aprendendo
inclusive com as experiências neoliberais. Sucederam-se a formação da União Europeia,
em 1992, impondo austeridade monetária e fiscal, o que colocava limites claros
para o financiamento do Welfare State. Depois a criação da Zona do Euro. A
dissolução da URSS e a queda do Muro de Berlim colocando fim ao império
soviético e à experiência do socialismo real. A revolução da era da robótica e
da internet. Restou um mundo multipolar onde as EUA, China – e seu capitalismo
de Estado, União Europeia, disputam a liderança e a Rússia tenta recuperar
terreno e com transformações tecnológicas em ritmo inédito.
Hoje é impensável em países tão desiguais e
com um atraso relativo, como o Brasil, adotar o conservadorismo, porque
mudanças radicais são necessárias. Também o liberalismo radical pouco se
adequa, já que o mercado não dá conta de erguer autonomamente as respostas
necessárias. A perspectiva revolucionária do comunismo foi arquivada pela
história. Portanto, é fundamental o diálogo da socialdemocracia e do
social-liberalismo para construir um horizonte que combine, nas condições
históricas concretas do século XXI, desenvolvimento sustentável, reformas
sociais, equilíbrio macroeconômico, crescimento e democracia – o valor
universal e permanente indispensável – realizando progressivamente os sonhos de
liberdade, equidade social, sustentabilidade ambiental e justiça.
Para quem quiser iniciar-se na história da socialdemocracia e seu conteúdo recomendo a leitura dos textos “Socialismo Evolucionário” de Eduard Bernstein, “O que é uma Revolução Social” de Karl Kautsky, “O Fim do Laissez-faire” de J. M. Keynes, “A proposta Social-Democrata” organizado por Hélio Jaguaribe, “A Terceira Via” de Anthony Giddens e “A Soma e o Resto” de Fernado Henrique Cardoso.
Texto bem interessante. Parabéns ao autor e ao blog que divulga seu trabalho!
ResponderExcluirO autor inclui como socialdemocratas diversos políticos europeus que sempre militaram no Partido Socialista, como Mitterrand na França, González na Espanha e Mário Soares em Portugal. Parece uma ampliação do conceito de socialdemocracia, talvez aceitável (ou necessária) na visão e no objetivo do autor.
Grande texto e sábias lições de política e governabilidade com base na democracia com justiça social e respeito às leis do mercado. Muito úteis para jovens ativistas politicos e partidos de Esquerda, ainda aferrados ao dogmatismo e aos regimes de partido unico.
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