Valor Econômico
A encrenca das joias não oferece respiro ao
Planalto
As joias sauditas oferecem até aqui a maior
oportunidade para que o ex-presidente Jair Bolsonaro seja pessoalmente
carimbado pela corrupção. Só as investigações em curso demonstrarão se a
vantagem solicitada em troca dos presentes milionários, de fato, se efetivou.
Mas o trâmite das joias, das tentativas de liberação alfandegária à ausência de
registro como presente ao Estado brasileiro, passando pelo envolvimento do
ajudante de ordens do presidente, joga o escândalo diretamente no colo de
Bolsonaro. Não faltam elementos para que, uma vez instalada uma ação penal,
seja pedida sua extradição.
O escândalo desmonta a salvaguarda bolsonarista que associa o comportamento do ex-presidente na pandemia, no genocídio dos indígenas e na afronta à impessoalidade dos órgãos de investigação, às suas convicções ideológicas e a políticas de governo delas decorrentes. Não há convicção, a não ser em defesa da apropriação indébita, que justifique a história trazida à luz pelos jornalistas Adriana Fernandes e André Borges. Na escala da degradação da função pública, o ex-presidente, na definição de um ministro do Supremo, decidiu explorar o fosso.
Vai tentar todas as manobras possíveis para
driblar a existência do ato de ofício, ou seja, a comprovação de que o presente
teve como contrapartida vantagens obtidas no governo. O mandato do almirante
Bento Albuquerque, mula das joias sauditas, à frente da Petrobras do
início do governo Bolsonaro até maio de 2022, torna-se, por óbvio, a principal
frente de suspeitas.
O almirante já é tratado como o futuro
Anderson Torres, o ex-ministro da Justiça que é mantido preso em Brasília por
causa dos atos de 8 de janeiro. O ministro do Supremo Tribunal Federal,
Alexandre de Moraes, dá sinais de que o ex-ministro assim permanecerá enquanto
não entregar o mapa da intentona.
A venda da refinaria Landulpho Alves, na
Bahia, para o Mubadala, durante o mandato de Bento Albuquerque, foi alvo de
denúncia da Federação Única dos Petroleiros. Apesar de o fundo ter origem nos
Emirados Árabes, e não na Arábia Saudita, a denúncia explora a aliança
estratégica entre os dois países e faz menção à declaração de Bolsonaro de que
o presente foi “acertado” em Dubai.
Por mais intricada que seja a busca do ato
de ofício, jargão que havia desaparecido dos jornais com o ocaso da Lava-Jato,
o ex-presidente tem, na atuação de seu ajudante de ordens, a extensão de seus
atos.
Ao se encrencar, Bolsonaro não proporciona,
ao atual presidente, respiro nas suas dificuldades de encaminhar as propostas
de governo e de gerenciar a base parlamentar. É como se o encurralamento do
bolsonarismo se limitasse a azeitar a relação do Ministério da Justiça e da
Controladoria-Geral da União com a máquina jurídico-policial na abertura de
inquéritos e investigações sobre Bolsonaro. Custa a abrir uma vereda para o
governo deslanchar.
A volta do tenente-coronel Mauro Cid à cena
do crime mostra o quanto a iniciativa política do governo se desidratou em tão
pouco tempo. Em janeiro, o general Júlio César de Arruda resistiu a rever a
indicação de Mauro Cid para o comando de um batalhão nas cercanias da capital
federal. O gesto levou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a demitir o
comandante do Exército e assumir o comando das Forças Armadas.
Agora o ajudante de ordens de Bolsonaro,
que já havia enviado um sargento do Exército à alfândega de Guarulhos, em avião
da FAB, para conseguir a liberação das joias de R$ 16,5 milhões, disse que um
segundo conjunto de joias foi entregue a Bolsonaro. Documentos comprovam ambos
os fatos e confirmam as digitais do ex-presidente nos atos.
A diferença é que, desta vez, o cerco sobre
Bolsonaro não resulta em fortalecimento político de Lula no seu principal campo
de batalha, o Congresso. O presidente levantou a expectativa de que demitiria
Juscelino Filho, o ministro que pediu diárias e avião da FAB para ir a leilões
de cavalos. Recuou. Também tem dificuldades para trocar a direção do Sebrae e
tateia sobre o primeiro projeto que vai servir de cobaia para o tira-teima de
Arthur Lira.
Lira tirou quase tudo do ex-presidente.
Sabe-se agora que lhe deixou as joias. Governo e Supremo fizeram um acordo para
que devolvesse uma parte das emendas de relator. Pois agora o presidente da
Câmara as quer de volta. É este o preço que pretende cobrar para fazer tramitar
a pauta do Executivo. Vale-se da insatisfação generalizada com a ocupação de
cargos para reverberar.
Vale-se de sua capacidade de continuar a
aglutinar a base do bolsonarismo raiz na Câmara, que, a exemplo de seu
eleitorado, ignora a lambança do ex-presidente. O governo errou tanto em não
monitorar os movimentos que desaguariam na invasão de terras da Suzano, quanto
acertou em chamar o deputado bolsonarista Zé Trovão (PL-SC) para conversar.
O governo vai usar o Conselhão, que nasce
com boa representatividade, para evitar os erros, ampliar os acertos e tentar
furar as barricadas de Lira no Congresso. A experiência, nos primeiros governos
do PT, teve um peso, sobretudo, simbólico, na condução de um governo pautado
pelo diálogo com forças antagônicas. Desta vez tem o desafio de dar permanência
à frente pela democracia incorporando as pautas que hoje travam o país. Na sua
primeira versão, porém, influiu sobre um Congresso menos fortalecido do que
este que aí está.
O Conselhão terá que ajudar também na
superação de dois vícios atávicos do PT, a ocupação de espaços e voluntarismos
como aquele que marcou a negociação da proposta para o Carf. Ainda está a
repercutir negativamente, no próprio governo, a proposta formatada por lobbies
privados junto à Fazenda e levada ao Supremo Tribunal Federal. Tanto por ter
aberto mão dos juros das dívidas no início da negociação quanto por ter tentado
driblar o Congresso.
Erros desse tipo são atribuídos, por
ministros palacianos, à falta de coordenação do núcleo do governo. A ideia, que
tem sido costurada pelo ministro das Relações Institucionais, Alexandre
Padilha, de uma reunião de coordenação, às segundas-feiras, reunindo os
ministros do Palácio do Planalto, o vice-presidente Geraldo Alckmin e ministro
da Fazenda, Fernando Haddad, poderia servir para por a bola no chão antes de decidir
para onde chutar.
A defesa do campo bolsonarista está vazada,
o que não resulta, necessariamente, em caminho desimpedido para o governo.
Maria Cristina Fernandes dá mais um show de análise jornalística
ResponderExcluir"O mandato do almirante Bento Albuquerque, mula das joias sauditas,..."
ResponderExcluirAlmirante q se presta a ser mula. Dado o nível dos milicos (pazuellos, cid e outros, todos de alta patente), não surpreende.
O que ensinam nestas academias militares. Como sobressai a mediocridade.
ResponderExcluirMaria Cristina Fernandes sabe das coisas.
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