quinta-feira, 9 de março de 2023

Maria Cristina Fernandes - Bolsonaro encrencado

Valor Econômico

A encrenca das joias não oferece respiro ao Planalto

As joias sauditas oferecem até aqui a maior oportunidade para que o ex-presidente Jair Bolsonaro seja pessoalmente carimbado pela corrupção. Só as investigações em curso demonstrarão se a vantagem solicitada em troca dos presentes milionários, de fato, se efetivou. Mas o trâmite das joias, das tentativas de liberação alfandegária à ausência de registro como presente ao Estado brasileiro, passando pelo envolvimento do ajudante de ordens do presidente, joga o escândalo diretamente no colo de Bolsonaro. Não faltam elementos para que, uma vez instalada uma ação penal, seja pedida sua extradição.

O escândalo desmonta a salvaguarda bolsonarista que associa o comportamento do ex-presidente na pandemia, no genocídio dos indígenas e na afronta à impessoalidade dos órgãos de investigação, às suas convicções ideológicas e a políticas de governo delas decorrentes. Não há convicção, a não ser em defesa da apropriação indébita, que justifique a história trazida à luz pelos jornalistas Adriana Fernandes e André Borges. Na escala da degradação da função pública, o ex-presidente, na definição de um ministro do Supremo, decidiu explorar o fosso.

Vai tentar todas as manobras possíveis para driblar a existência do ato de ofício, ou seja, a comprovação de que o presente teve como contrapartida vantagens obtidas no governo. O mandato do almirante Bento Albuquerque, mula das joias sauditas, à frente da Petrobras do início do governo Bolsonaro até maio de 2022, torna-se, por óbvio, a principal frente de suspeitas.

O almirante já é tratado como o futuro Anderson Torres, o ex-ministro da Justiça que é mantido preso em Brasília por causa dos atos de 8 de janeiro. O ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, dá sinais de que o ex-ministro assim permanecerá enquanto não entregar o mapa da intentona.

A venda da refinaria Landulpho Alves, na Bahia, para o Mubadala, durante o mandato de Bento Albuquerque, foi alvo de denúncia da Federação Única dos Petroleiros. Apesar de o fundo ter origem nos Emirados Árabes, e não na Arábia Saudita, a denúncia explora a aliança estratégica entre os dois países e faz menção à declaração de Bolsonaro de que o presente foi “acertado” em Dubai.

Por mais intricada que seja a busca do ato de ofício, jargão que havia desaparecido dos jornais com o ocaso da Lava-Jato, o ex-presidente tem, na atuação de seu ajudante de ordens, a extensão de seus atos.

Ao se encrencar, Bolsonaro não proporciona, ao atual presidente, respiro nas suas dificuldades de encaminhar as propostas de governo e de gerenciar a base parlamentar. É como se o encurralamento do bolsonarismo se limitasse a azeitar a relação do Ministério da Justiça e da Controladoria-Geral da União com a máquina jurídico-policial na abertura de inquéritos e investigações sobre Bolsonaro. Custa a abrir uma vereda para o governo deslanchar.

A volta do tenente-coronel Mauro Cid à cena do crime mostra o quanto a iniciativa política do governo se desidratou em tão pouco tempo. Em janeiro, o general Júlio César de Arruda resistiu a rever a indicação de Mauro Cid para o comando de um batalhão nas cercanias da capital federal. O gesto levou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a demitir o comandante do Exército e assumir o comando das Forças Armadas.

Agora o ajudante de ordens de Bolsonaro, que já havia enviado um sargento do Exército à alfândega de Guarulhos, em avião da FAB, para conseguir a liberação das joias de R$ 16,5 milhões, disse que um segundo conjunto de joias foi entregue a Bolsonaro. Documentos comprovam ambos os fatos e confirmam as digitais do ex-presidente nos atos.

A diferença é que, desta vez, o cerco sobre Bolsonaro não resulta em fortalecimento político de Lula no seu principal campo de batalha, o Congresso. O presidente levantou a expectativa de que demitiria Juscelino Filho, o ministro que pediu diárias e avião da FAB para ir a leilões de cavalos. Recuou. Também tem dificuldades para trocar a direção do Sebrae e tateia sobre o primeiro projeto que vai servir de cobaia para o tira-teima de Arthur Lira.

Lira tirou quase tudo do ex-presidente. Sabe-se agora que lhe deixou as joias. Governo e Supremo fizeram um acordo para que devolvesse uma parte das emendas de relator. Pois agora o presidente da Câmara as quer de volta. É este o preço que pretende cobrar para fazer tramitar a pauta do Executivo. Vale-se da insatisfação generalizada com a ocupação de cargos para reverberar.

Vale-se de sua capacidade de continuar a aglutinar a base do bolsonarismo raiz na Câmara, que, a exemplo de seu eleitorado, ignora a lambança do ex-presidente. O governo errou tanto em não monitorar os movimentos que desaguariam na invasão de terras da Suzano, quanto acertou em chamar o deputado bolsonarista Zé Trovão (PL-SC) para conversar.

O governo vai usar o Conselhão, que nasce com boa representatividade, para evitar os erros, ampliar os acertos e tentar furar as barricadas de Lira no Congresso. A experiência, nos primeiros governos do PT, teve um peso, sobretudo, simbólico, na condução de um governo pautado pelo diálogo com forças antagônicas. Desta vez tem o desafio de dar permanência à frente pela democracia incorporando as pautas que hoje travam o país. Na sua primeira versão, porém, influiu sobre um Congresso menos fortalecido do que este que aí está.

O Conselhão terá que ajudar também na superação de dois vícios atávicos do PT, a ocupação de espaços e voluntarismos como aquele que marcou a negociação da proposta para o Carf. Ainda está a repercutir negativamente, no próprio governo, a proposta formatada por lobbies privados junto à Fazenda e levada ao Supremo Tribunal Federal. Tanto por ter aberto mão dos juros das dívidas no início da negociação quanto por ter tentado driblar o Congresso.

Erros desse tipo são atribuídos, por ministros palacianos, à falta de coordenação do núcleo do governo. A ideia, que tem sido costurada pelo ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, de uma reunião de coordenação, às segundas-feiras, reunindo os ministros do Palácio do Planalto, o vice-presidente Geraldo Alckmin e ministro da Fazenda, Fernando Haddad, poderia servir para por a bola no chão antes de decidir para onde chutar.

A defesa do campo bolsonarista está vazada, o que não resulta, necessariamente, em caminho desimpedido para o governo.

 

4 comentários:

  1. Anônimo9/3/23 09:57

    Maria Cristina Fernandes dá mais um show de análise jornalística

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  2. Anônimo9/3/23 10:28

    "O mandato do almirante Bento Albuquerque, mula das joias sauditas,..."

    Almirante q se presta a ser mula. Dado o nível dos milicos (pazuellos, cid e outros, todos de alta patente), não surpreende.

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  3. Anônimo9/3/23 12:14

    O que ensinam nestas academias militares. Como sobressai a mediocridade.

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  4. Maria Cristina Fernandes sabe das coisas.

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