Valor Econômico
Congresso sonha com equação fiscal da era
Bolsonaro
A chegada do arcabouço fiscal ao Congresso
coincidirá com a volta do ex-presidente Jair Bolsonaro ao país. Um movimento é
a condição imposta pelo Banco Central para considerar uma trajetória de redução
na taxa de juros com a qual o governo espera tirar a economia da letargia. O
outro movimento é a tentativa de, no grito, impedir que isso aconteça.
É no Congresso que os dois movimentos
ganham sintonia. Não faltam sinais de que os parlamentares pretendem endurecer
o arcabouço. A ver como o modelo a ser apresentado trata as brechas para isso.
Quanto mais parecido com o teto de gastos, melhor este arcabouço será para os
parlamentares. Foi com o garrote no Executivo que o Legislativo avançou com o
orçamento secreto no governo Bolsonaro, o Eden do poder parlamentar.
A contenda entre Câmara e Senado em torno da tramitação das medidas provisórias completa o tripé. Derrotado na tentativa de manter o rito adotado durante a pandemia - e vigente durante quase toda a era Bolsonaro -, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), busca aumentar o espaço dos deputados nas comissões mistas por onde tramitam as MPs. É com a alocação de cargos e relatorias nessas instâncias parlamentares que Lira arbitra as disputas na Casa, consolida seu poder e dimensiona a base parlamentar a ser “alugada” ao Executivo.
O início dos trabalhos nas comissões
permanentes, no entanto, mostraram um Legislativo menos domesticável pela mesa
da Câmara e mais ditado pela polarização do país. Foi como uma missão
precursora desta polarização que se desenrolaram as duas primeiras sessões do
ano da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.
Desmobilizados pela persecução penal de 8/1,
os acólitos do ex-presidente estavam dispostos a se mostrar quites com a lição
de casa da escolinha do professor Jair. A deputada que havia posado nas redes
como uma metralhadora e uma camiseta onde se lia, em inglês, “venha pegar”,
numa alusão ao desarmamento do governo Lula, surgiu cândida, com um arranjo de
flores no cabelo, apelando ao ministro da Justiça, Flávio Dino, contra o
Conselho de Ética.
O deputado que surgira de peruca loira, na
tribuna da Câmara, numa homenagem transfóbica ao dia da mulher, reagiu
transtornado ao ouvir o apelido avacalhado que lhe dirigiu seu rival mineiro,
André Janones (PT). Respirava misoginia por todos os poros ao dizer que
estariam todos “ovulando”, como um sinônimo de histeria, se o apelido tivesse
sido usado por ele.
Se Janones retomou o papel desempenhado na
campanha eleitoral, valendo-se das armas dos adversários para acuá-los, o
ministro da Justiça apareceu como o posto avançado da reação governista. Alvo
da estratégia bolsonarista de se vitimizar pelos crimes perpetrados em 8/1,
Dino desmontou, um a um, argumentos e provocações que lhe foram dirigidos, com
didatismo, sarcasmo, deboche e ironia. Se a estratégia bolsonarista era lacrar
no debate para tirar o terceiro lote de joias sauditas das redes, até conseguiu
diversificar a pauta, mas em franca desvantagem.
Está claro que Bolsonaro volta nesta
quinta, 30, para mobilizar novamente os radicais que dão visibilidade política
nas redes. Encontra, porém, reações governistas mais apetrechadas do que na
época em que ditava a pauta. O simples anúncio de sua volta fez com que suas
mensagens nas redes, até então letárgicas, alcançassem, segundo a Bites, uma
interação nove vezes maior do que aquela registrada pelo presidente Luiz Inácio
Lula da Silva.
É bem verdade que este período convergiu
com a pneumonia de Lula, que o tirou no noticiário. O que não deixa de ser uma
boa notícia para o governo, já que a capacidade de reação de seus aliados se
mostrou não apenas competitiva como, muitas vezes, superior à de Lula, que pode
até ser estimulado a adotar uma postura mais presidencial que de provocador.
Há quem aposte que Lula, ao provocar Sergio
Moro com insinuações sobre as quais não tinha prova, tenta polarizar com o
senador para que ele tome o lugar de Bolsonaro. Lula enfrenta limitações na
tarefa. Seria preciso que o senador tivesse uma fração da argúcia política de
Bolsonaro para ameaçar sua liderança. Os holofotes que Lula lhe dirigiu, porém,
o animaram a se expor mais ao debate e, nele, se enredar nas escaramuças do
governismo.
A prorrogação da disputa entre lulismo e
bolsonarismo é inevitável. Basta constatar a herança de um país marcado por
quatro anos de apologia oficial à discriminação e à violência. Se o
bolsonarismo está suficientemente vivo para reivindicar a redução da maioridade
penal como subproduto da morte de Beth Tenreiro, os valores que pautaram o
rechaço ao ex-presidente embalaram o velório da professora morta a facadas numa
escola na zona oeste de São Paulo por um adolescente racista.
Se o velho aliado bolsonarista, Alberto
Fraga (PL-DF), provoca “sou pistola, não chupeta”, Dino, por outro lado,
informa que o recadastramento de armas já superou os registros anteriores. Ou
seja, nem todo mundo que comprou armas impulsionado pelo liberou-geral do
bolsonarismo pretende militar na clandestinidade miliciana.
Bolsonaro conta com uma tropa de choque
mobilizada no Congresso, como mostraram os embates desta semana, mas viu
minguar o respaldo que tinha em setores das Forças Armadas. Não bastasse o
efeito demonstração do infortúnio do seu ex-ajudante de ordens, o
tenente-coronel Mauro Cid, a presença do almirante Flavio Rocha, ex-secretário
de Assuntos Estratégicos de Bolsonaro, na reunião do Alto Comando da Marinha
com Lula mostrou que a ordem do dia é o pragmatismo. Bolsonaro marcou sua volta
para a véspera dos 59 anos de golpe militar, mas a efeméride deve passar em
branco nos quartéis.
A mobilização nas redes sociais deixa claro
que é uma volta estridente que se prepara, mas há uma reação institucional
anunciada. Há um ano, faltaram oito votos para o projeto de lei das “fake news”
ganhar urgência de tramitação. As “big techs” se aliaram ao bolsonarismo contra
a celeridade da pauta. Desta vez, apesar de as empresas se manterem resistentes
ao relatório do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), o atual governo deveria ter
motivos de sobra para mover sua base pelo projeto, mas a queda de braço entre
Congresso e Supremo no tema acaba por imobilizar o Executivo.
É nos tribunais superiores que está a corda
mais ou menos esticada com que Bolsonaro será administrado nesta volta. O
embate entre os tribunais e o Congresso já está contratado.
Ela sabe tudo
ResponderExcluirA colunista entende do riscado.
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