O Globo
A cadeia do ouro ilegal é um hub de redes
criminosas. Governo Lula avança em várias frentes, mas o desafio pode ser ainda
mais grave do que se imagina
O ouro está no centro do debate em Brasília. Onde se vá, o tema está pauta. A minuta de uma MP está sendo analisada neste momento no governo. Ela impõe a nota fiscal eletrônica e acaba com o princípio da boa-fé. Esse princípio concede aos vendedores de ouro a presunção de que eles estão dizendo a verdade sobre a origem do ouro, e com isso permite-se a lavagem do crime. O tema está também no STF e houve na ação um lance surpreendente. No Banco Central, houve nova reunião com a indústria da mineração. Chegam amanhã a Brasília líderes dos três povos indígenas mais afetados, Yanomami, Munduruku, Kayapó, para uma série de reuniões com o governo. O Instituto SocioAmbiental (ISA) fez um relatório inédito em que explica, em minúcias, por que o garimpo ilegal cresceu nos últimos anos e mostra o caminho para o país quebrar a cadeia de criminalidade.
Por causa da violência do garimpo ilegal em
suas vidas, os três povos, distantes geograficamente, e que, no passado,
tiveram rivalidades entre si, uniram-se, fizeram uma aliança e esta semana
estarão reunidos com o governo. O relatório do ISA “O garimpo em pauta: terra
rasgada” foi feito para qualificar o debate cada vez mais urgente e que tem
estado no centro de todos os crimes na Amazônia. A ida do presidente Lula à
Terra Yanomami e a tragédia que ele constatou levaram o tema para o nível da
ação urgente.
No dossiê do ISA, o instituto mostra como
as agências governamentais, a começar da Agência Nacional de Mineração, têm
sido omissas. A cadeia do ouro ilegal é uma espécie de hub de várias redes
criminosas que vai do tráfico de drogas, invasão de terras públicas, contrabando
de mercúrio, tráfego aéreo clandestino. O dossiê aponta o caminho da solução e
afirma, “é possível acabar com o garimpo ilegal que devasta terras indígenas no
Brasil. Há expertise suficiente nos órgãos públicos” e mais adiante diz que “
trata-se de um problema complexo, sistêmico e de múltiplas escalas. Qualquer
plano para enfrentá-lo precisará partir do entendimento desse caráter”. É o que
se tenta armar em Brasília, mas ainda há muito desentendimento.
Há visões diferentes, por exemplo, sobre o
que está acontecendo agora na Terra Yanomami, a primeira das sete desintrusões
que o governo quer fazer este ano. No Ministério da Justiça a promessa é que
até abril terá sido encerrada essa saída dos garimpeiros. Falei com quem está
na TI e eles informam que “o apoio das Forças Armadas tem sido pontual e
insignificante”, que o garimpo continua funcionando e que a reabertura do
espaço aéreo tem servido à logística do crime. O Ministério da Justiça colocou
a Polícia Rodoviária Federal também na força tarefa para o combate ao crime, e
ela está indo com três novos helicópteros.
A Terra Yanomami é o primeiro teste dessa
frente de comando e controle contra o garimpo ilegal. Mas no Ibama o temor é
que o governo dê o assunto por resolvido antes da hora. No Ministério da
Justiça se diz que não há esse risco, porque bases serão instaladas. Mas a
situação pode ser ainda mais grave do que se imagina. No ISA informam que há
comunidades na TI que ainda nem receberam o atendimento sanitário e alimentar.
Na região conhecida como Homoxi, o posto de saúde continua sendo depósito de
material dos garimpeiros e a pista de pouso é usada pelo crime.
O Banco Central fez uma reunião na última
semana com o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) e mostrou que o comércio
de ouro está fugindo das DTVMs e indo para as empresas comercializadoras que
não são fiscalizadas pelo BC. O BC, na verdade, nunca conseguiu fiscalizar as
DTVMs e agora menos ainda porque as comercializadoras não são instituições
financeiras.
Na minuta da MP que o governo analisa neste
momento está dito que “é obrigatória a utilização da Nota Fiscal eletrônica”,
que a primeira venda do ouro só pode ser feita por instituição financeira, e
revoga o artigo da lei 12.844 de 2013 que estabeleceu o princípio da boa-fé.
No STF, o ministro Gilmar Mendes é o
relator de ações contra o princípio da boa-fé. O governo Bolsonaro defendia a
constitucionalidade da lei. O governo Lula decidiu alterar isso para considerar
a norma inconstitucional. Só que num lance surpreendente o texto da AGU,
enviado ao Supremo, continua defendendo a constitucionalidade da lei. Uma coisa
é certa, o ouro ilegal continuará no centro do debate.
Muita conversa em Brasília, pouca ação no chão no meio da Amazônia. E o apoio das Forças Armadas de novo é "insignificante".
ResponderExcluirParabéns à colunista pelo texto tão informativo, e ao blog por divulgar o trabalho da jornalista!
O princípio da boa fé.
ResponderExcluirTá.