CPMI dos atos golpistas é só diversionismo
O Globo
Congresso tem tarefas mais relevantes, como
as reformas administrativa, tributária e o novo marco fiscal
Os atos golpistas do 8 de Janeiro são
investigados pela Polícia Federal, pela Procuradoria-Geral da República e
contam com empenho do Supremo. Por isso mesmo o Congresso tem mais o que fazer
do que perder tempo com uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI)
sobre o assunto, iniciativa do deputado André Fernandes (PL-CE) que já reuniu assinaturas
suficientes para a leitura do requerimento. Outra tentativa de abrir uma
comissão para investigar os ataques, da senadora Soraya Thronicke (União-MS),
foi descartada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), por ter
sido iniciada na legislatura anterior.
A verdade é que não há com que deputados e senadores possam contribuir. Quem defende a CPMI quer apenas tumultuar. Vários apoiam teses segundo as quais os culpados são vítimas e as vítimas culpados. O país não precisa de um novo circo de embate político, e o Congresso tem pautas mais relevantes para tratar, como o novo marco fiscal e a reforma tributária.
“CPI
a gente sabe como começa, mas não como termina”, reza a velha máxima de
Brasília. Muitas nem terminam, e a maioria não chega a lugar nenhum. Claro que
há CPIs com resultados positivos. A Lei do Feminicídio, de 2015, foi inspirada
em proposta elaborada pela CPMI da Violência contra a Mulher, de 2012 e 2013. A
CPI da Pedofilia, de 2008 a 2010, resultou em avanços, ao elevar o prazo de
prescrição de crimes sexuais contra crianças e adolescentes. A CPI do
Judiciário, de 1999, expôs desvios no Tribunal Regional do Trabalho de São
Paulo. A CPI do PC Farias foi determinante para o impeachment de Fernando
Collor. As CPIs dos Anões do Orçamento e do Mensalão desvendaram esquemas de
corrupção. E a CPI da Covid trouxe evidências fundamentais sobre a omissão criminosa
do governo Jair Bolsonaro durante a pandemia.
Mas essas são exceções numa miríade de CPIs
que não deram em nada ou serviram apenas para satisfazer a interesses
políticos, com ameaças de investigação para chantagear alvos ou tratamento VIP
em depoimentos de testemunhas célebres. A Constituição prevê que CPIs podem ser
criadas por Senado ou Câmara, em conjunto ou separadamente. O pré-requisito é a
assinatura de um terço dos parlamentares. Uma vez instaladas, podem determinar
diligências, requisitar documentos, quebrar sigilos ou ouvir testemunhas.
Nenhum desses poderes é necessário neste momento para esclarecer o que
aconteceu no 8 de Janeiro, já que PGR, PF e STF fazem seu trabalho.
O fato de Jair Bolsonaro, mesmo no
exterior, ter articulado a criação da CPMI dos atos golpistas é evidência de
que o objetivo é causar confusão. No poder, ele fez de tudo para disseminar
desinformação sobre as urnas eletrônicas e não disse uma palavra de sensatez
para desmobilizar seus acólitos acampados perto de quartéis. Agora, depois da
violência contra a democracia, quer jogar a culpa no PT, sonhando até com um
impeachment. Parece deboche.
Eleitos em outubro, os congressistas
deveriam se ocupar de pautas com impacto na vida da população. O Parlamento tem
responsabilidade pelo atraso do Brasil na agenda de reformas. Não há tempo a
perder com teatro. Esta legislatura tem a oportunidade de aprovar uma reforma
tributária decente, de tirar da geladeira a reforma administrativa e de
instituir um marco fiscal com credibilidade diante do mercado. É nisso que
precisa se concentrar.
Suspensão da venda de ativos da Petrobras
provocará paralisia no setor
O Globo
Decisão do governo Lula congela
investimentos em óleo e gás antes estimados em R$ 40 bilhões até 2029
No momento em que as companhias
independentes de petróleo, as junior oils, preparavam o lançamento de ações em
Bolsa para se capitalizar e investir no aumento da produção, o governo se
encarregou de mudar as regras da atividade, paralisando todos os projetos de
crescimento e obrigando os empresários a engavetar planos para novos negócios,
fusões e aquisições que fortaleceriam o setor.
Não bastasse a decisão sem sentido de taxar
as exportações de petróleo — ainda que por quatro meses —, agora o governo
suspendeu a venda de ativos da Petrobras, incluindo campos de produção que não
interessam mais à empresa. Espalhou com isso uma insegurança sobre o setor
capaz de paralisar qualquer novo projeto. A reação das empresas é
compreensível, já que tudo pode mudar de uma hora para outra dependendo de uma
ordem emitida do Planalto.
De acordo com cálculos obtidos pelo GLOBO,
apenas três dessas companhias independentes de petróleo pretendiam investir R$
5,8 bilhões em polos de produção na Bahia, no Espírito Santo e no Rio Grande do
Norte. Como um todo, as junior oils estimavam investir R$ 40 bilhões até 2029,
criando mais de 300 mil empregos no interior das regiões Sudeste, Centro- Oeste
e Nordeste, segundo a Associação Brasileira de Produtores Independentes de
Petróleo e Gás (Abpip). A perspectiva era mais que dobrar a produção do conjunto
de empresas, de 225 mil para 500 mil barris diários.
Nada pior para o planejamento das empresas
que a falta de estabilidade nas regras. A justificativa para a suspensão de
vendas de ativos da estatal é que Lula pretende reavaliar a Política Energética
Nacional. Para isso, não era preciso suspender a venda de campos antigos, em
curso desde 2015, quando a Petrobras decidiu se desfazer de áreas de produção
que não eram mais rentáveis para uma companhia de grande porte.
As junior oils surgiram para aproveitar a
oportunidade oferecida pelo óleo e pelo gás que ainda existem nesses campos.
Investimentos são suspensos, empregos deixam de ser criados e regiões pobres no
interior, onde geralmente ficam essas áreas produtivas, perdem renda.
Não faz sentido taxar exportação de petróleo, porque mudam-se regras que deveriam ser estáveis para investimentos que já foram decididos. Menos ainda interromper a venda das áreas de produção, porque afastam-se novos investimentos. O melhor que o governo pode fazer é recuar nas duas decisões. Quanto à Petrobras, deveria se dedicar ao que o mercado demanda de uma petrolífera de grande porte: explorar o petróleo em águas profundas, prospectar o pré-sal e desenvolver fontes limpas de energia.
O mistério das joias
Folha de S. Paulo
Depoimento de ex-ministro só aumenta dúvidas
sobre presente saudita a Bolsonaro
Nas aventuras de Sherlock Holmes, o
detetive de Arthur Conan Doyle sempre se pauta pela separação meticulosa dos
fatos antes de elaborar a tese a ser testada acerca da ocorrência de um crime.
Não raro, contradições discretas mudavam o rumo das investigações.
Na vida real do Brasil de 2023, a sutileza
passa bem longe. A apuração do opaco episódio das joias que o governo da Arábia
Saudita teria enviado como presente para o então presidente Jair Bolsonaro (PL)
tem revelado um cipoal de versões discrepantes.
O novo capítulo foi o depoimento dado pelo
almirante Bento Albuquerque, ex-ministro de Minas e Energia, à Polícia Federal
na terça-feira (14). Ele afirmou ter trazido, após reuniões no país árabe em
2021, dois conjuntos de joias sem saber do que se tratava.
Só descobriu, disse, quando seu assessor
que carregava um estojo avaliado em R$ 16,5 milhões foi flagrado tentando
entrar no país sem declará-lo à Receita Federal. Já em vídeo de segurança do
aeroporto de Guarulhos, o almirante alegou que eram para a então primeira-dama,
Michelle Bolsonaro, mas a carteirada não funcionou.
Em sua oitiva na PF, Albuquerque mudou a
versão —reafirmada em entrevistas quando o caso emergiu neste ano— ao dizer que apenas
supôs que os presentes eram para Michelle, e que o destinatário do
mimo seria a impessoal União.
A explicação dada pelo almirante desmonta a
alegação da defesa de Bolsonaro de que os agrados eram
"personalíssimos" e poderiam, assim, serem levados para casa pelo
então mandatário —o que de resto já contradizia a negativa inicial de
conhecimento sobre o caso.
Para piorar, ainda será
apurado o caminho de um segundo conjunto de joias, este masculino,
que estava na bagagem de um dos membros da comitiva e escapou da interceptação
pela Receita.
O ex-ministro o manteve de forma
incompreensível em um cofre, e o material foi entregue a Bolsonaro em novembro
de 2022, enquanto o estojo apreendido em 2021 foi objeto de oito tentativas
frustradas de recuperação por parte da Presidência perante o fisco.
Nada no caso parece se encaixar, a começar
pelo valor dos presentes, acima da já
bem generosa média dos agrados da monarquia absolutista do Golfo. Já
o transporte do material nas raias da ilegalidade apenas exacerba as dúvidas
sobre a natureza do presente.
O caso constrange também os sauditas, mudos
até aqui, não menos porque Albuquerque esteve reunido na viagem com a gigante
petrolífera estatal Aramco, que é negociada em Bolsa nos EUA —o que implica
regras draconianas sobre relações com governos, como oferecimento de presentes
suspeitos.
O teste de Macron
Folha de S. Paulo
Reformista francês tenta mudar
aposentadoria no país recordista em gasto público
Quase seis anos depois de assumir a
Presidência francesa com uma plataforma reformista, Emmanuel Macron pode ter
nesta quinta-feira (16) um dia decisivo para o penoso plano de rever as normas
previdenciárias do país.
Em seu segundo mandato, Macron volta a se
deparar com massivos
protestos de rua contra restrições propostas para as condições de aposentadoria.
A primeira tentativa acabou interrompida pela pandemia e deu lugar a um projeto
menos ambicioso.
As imagens que inevitavelmente simbolizam a
nova onda de resistência feroz à reforma são da capital Paris coberta
por toneladas de lixo. Trata-se de efeito da greve dos coletores,
que hoje têm direito de se aposentar aos 57 anos —o governo quer elevar essa
idade mínima a 59 anos.
Mudanças previdenciárias são controversas
em qualquer sociedade, por estarem em jogo direitos fundamentais e o próprio
contrato entre cidadãos e poder público. Na França, as reações são proporcionais
a um Estado superlativo.
Ali está o maior gasto governamental do
planeta, equivalente a 55% do Produto Interno Bruto, chegando aos 60% durante o
enfrentamento da pandemia, segundo dados do Fundo Monetário Internacional
(FMI).
No Brasil, que se destaca em hipertrofia
estatal entre os emergentes, são 45%.
O dispêndio francês com o sistema de
aposentadorias é o terceiro maior do mundo rico, atrás apenas dos de Itália e
Grécia, consumindo cerca de 14% do PIB —o desembolso brasileiro, quando se
consideram União, estados e municípios, aproxima-se desse patamar.
Perto da votação conclusiva no Legislativo,
a reforma de Macron tem como principal proposta a
elevação, de 62 para 64 anos, da idade mínima geral para aposentadoria.
Não há nada de draconiano aí. Grande parte dos países ricos e remediados já
adota um piso de 65 anos —aqui, ele vale para os homens, sendo de 62 o das
mulheres.
Lá como aqui, o argumento em favor da
mudança é a insustentabilidade do sistema com o envelhecimento da população: se
nada for feito, os encargos previdenciários ocuparão parcelas crescentes do
Orçamento e exigirão cortes em outras prioridades ou alta escorchante dos
impostos.
A verdade é que, dados os enormes obstáculos políticos, as reformas em geral são feitas com atraso, já sob pressão da asfixia econômica. Assim foi no Brasil e é na França.
Orçamento secreto 2.0
O Estado de S. Paulo.
Ao que parece, tudo mudou em Brasília para permanecer como era. Governo pode ser novo, mas o rateio de recursos do Orçamento sem transparência segue mais vivo do que nunca
O esquema do orçamento secreto, revelado por
este jornal em maio de 2021, pode ter acabado do ponto de vista formal depois
que o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou sua gritante
inconstitucionalidade, em dezembro de 2022. Porém, a distribuição de vultosos
recursos do Orçamento da União entre parlamentares escolhidos a dedo continua
envolta por uma névoa de mistério, em desabrida afronta à Constituição.
Seguindo o famoso conselho do oportunista
Tancredi no romance O Leopardo, de Lampedusa, tudo aparentemente mudou em
Brasília para permanecer exatamente como era. Vale dizer, o Palácio do Planalto
continua submisso às vontades de um Congresso que não só foi capaz de manter,
como ampliou sua esfera de poder mesmo após o revés no STF. Ninguém duvida que
a caciquia do Poder Legislativo segue forte o bastante para exigir
contrapartidas nem sempre republicanas por seu apoio às questões de interesse
do chefe do Poder Executivo – seja quem for.
Reportagem do Estadão revelou que o governo
do presidente Lula da Silva, decerto em combinação com a cúpula do Congresso,
engendrou um novo modelo de transferência de recursos orçamentários para
parlamentares ungidos depois que o STF ordenou o fim dos repasses por meio das
chamadas emendas de relator (RP9), base do orçamento secreto. Na prática, o
estratagema consiste em cumprir a decisão da Corte Suprema em seus aspectos
formais ao mesmo tempo que dá sobrevida, por outros meios, à distribuição de
recursos orçamentários ao abrigo do escrutínio da sociedade.
A técnica dessa espécie de “orçamento
secreto 2.0” pode ser distinta, mas, na essência, o esquema em nada difere da
artimanha de Jair Bolsonaro para comprar a base de apoio congressual que lhe
valeu, entre outras coisas, a permanência no cargo, malgrado o fato de o
ex-presidente ter gabaritado a lei dos crimes de responsabilidade.
Há poucos dias, as ministras do
Planejamento, Simone Tebet, da Gestão, Esther Dweck, e o ministro das Relações
Institucionais, Alexandre Padilha, assinaram uma portaria definindo o novo
processo de liberação de emendas parlamentares pelo Palácio do Planalto. O
documento, no entanto, não estabelece qualquer mecanismo objetivo que assegure
a transparência sobre os dados dessas transferências, como, aliás, determinou o
STF.
Fundamentalmente, a portaria apenas
centraliza na pasta das Relações Institucionais a negociação com o Congresso em
torno da distribuição das verbas por meio de projetos de outros Ministérios.
Questionada pela reportagem, a assessoria do ministro Alexandre Padilha não
soube responder como o cidadão poderá consultar os nomes dos parlamentares
agraciados com a liberação das emendas, nem tampouco os valores e a destinação
dos recursos.
Como disse ao Estadão a procuradora do
Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo Élida Graziane, não houve
mudança fundamental de um modelo de distribuição de recursos do governo
Bolsonaro para o governo Lula da Silva. A falta de transparência no manejo do
Orçamento da União permanece. “Há uma fortíssima tendência de a execução (das
emendas) repetir o que foi o ‘orçamento secreto’, que é liberar o dinheiro sem
aderência ao planejamento, de forma discriminatória, escolhendo os
beneficiários sem nenhum filtro”, disse a procuradora.
Parece que foi há muito tempo, mas durante
a campanha eleitoral do ano passado, o então candidato Lula da Silva chegou a
dizer em alto e bom som que “fizeram um tremendo carnaval com o mensalão”, mas,
segundo o petista, o orçamento secreto seria “a maior excrescência política
orçamentária deste País”. Lula prometeu acabar com a prática antirrepublicana,
que, em suas palavras, fizera de seu antecessor um “bobo da corte” nas mãos do
Congresso. Mas só a ingenuidade ou o desconhecimento do passado da era
lulopetista autorizavam a crença de que algo, de fato, haveria de mudar na
relação entre o Executivo e o Legislativo.
É legítimo que o Poder Legislativo, como
representante da sociedade e da Federação, disponha de parte do Orçamento da
União. Emendas parlamentares são usuais em países de democracia consolidada. O
que não tem cabimento é a falta de transparência no manejo desses recursos, ao
arrepio do espírito constitucional.
Lira e a farra das medidas provisórias
O Estado de S. Paulo.
É surreal que um senador tenha de recorrer
ao STF para fazer cumprir o rito constitucional das MPs, impedindo manobra do
presidente da Câmara que permite desfigurá-las
O senador Alessandro Vieira (PSDB-SE)
ingressou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para obrigar o
presidente da Câmara, Arthur Lira (PPAL), a retomar imediatamente o rito
constitucional das medidas provisórias (MPs). No mandado de segurança, o
senador menciona um ato assinado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco
(PSD-MG), que restabelece a tramitação ordinária e a instalação das comissões
mistas para todas as MPs editadas a partir de 1.º de janeiro.
Há mais de um mês, Lira protela a
assinatura desse ato, atitude que explica, em parte, a letargia que tem marcado
os trabalhos do Congresso neste ano. Não é coincidência que nada de útil tenha
sido apreciado pelos parlamentares desde o início da nova legislatura: enquanto
Lira não firma o ato, Pacheco se recusa a enviar as MPs à Câmara. Assim, quase
30 medidas provisórias estão paradas, 11 das quais editadas pelo presidente
Lula da Silva, e algumas podem perder validade se não forem deliberadas até
abril.
Na ação, Vieira acusa Lira de cometer ato
“ilegal e abusivo consubstanciado na inércia da autoridade coautora” e
“flagrante atentado” contra o texto constitucional. “A Constituição estabelece
um regime específico para a tramitação de Medidas Provisórias, e o que hoje
acontece é uma subversão desse regime por uma determinação e um capricho do
presidente da Câmara dos Deputados”, afirmou Vieira, em discurso no Senado.
Tem toda a razão o senador, mas é surreal
que ele tenha de recorrer ao Supremo para garantir o cumprimento de algo que a
Constituição definiu de forma tão cristalina. Fruto de emenda constitucional de
2001, o artigo 62 menciona expressamente as comissões mistas, compostas por
igual número de deputados e senadores, como as responsáveis por emitir parecer
antes que os textos sejam submetidos ao plenário da Câmara e do Senado.
O mesmo assunto já foi tratado pelo STF há
exatos 11 anos. Em março de 2012, o STF determinou à Câmara e ao Senado que
respeitassem a Constituição e adotassem, obrigatoriamente, a instalação de
comissões mistas para toda medida provisória. É função desses colegiados
analisar se as MPs cumprem os pressupostos de relevância e urgência que
asseguram sua edição por parte do Executivo, analisar o mérito das propostas e
elaborar o parecer que irá a votação em plenário.
Na pandemia de covid-19, para evitar
aglomerações e proteger os parlamentares, esse procedimento foi revisto. Além
de permitir deliberações a distância, o Congresso suspendeu as comissões mistas
e passou a analisar as MPs diretamente em plenário. O mais interessante é que
um dos fatores considerados pelos ministros do STF no caso julgado em 2012 foi
a mesma “polêmica” que voltou à tona neste ano: mudanças profundas no teor das
medidas provisórias, aprovadas por meio de emendas propostas em plenário, sem
que houvesse uma “reflexão mais detida” em comissão, segundo mencionou o voto
do ministro Luiz Fux.
Pelo rito constitucional, as emendas às MPs
são apresentadas na etapa da comissão mista. O relator pode ou não acatá-las
sem seu parecer e, caso elas não sejam acolhidas, os parlamentares podem
destacá-las em plenário, desde que elas já tenham sido apresentadas à comissão.
Não é permitido, no entanto, apresentar novas emendas à MP na fase de plenário
– e é contra isso que se insurge o presidente da Câmara.
O rito expresso pandêmico deu a Lira poder
para alterar leis em tempo real, no momento em que as MPs entravam na pauta das
sessões. O protocolo também assegurou à Câmara não só a primeira, como a última
palavra sobre as MPs, já que alterações feitas pelo Senado poderiam ser
retiradas da redação final sem dificuldades – como foram em muitas ocasiões nos
últimos três anos.
A pior fase da pandemia de covid-19,
felizmente, foi superada. Já não há mais nada a amparar a conduta de Lira ou a
continuidade deste rito excepcional de tramitação de medidas provisórias. Nesse
caso, não há decisão nem acordo possível que não passe pelo simples cumprimento
da Constituição e pelo retorno das comissões mistas.
O jogo ainda é ilegal no Brasil
O Estado de S. Paulo.
Casas de apostas esportivas online
desrespeitam a legislação brasileira, que proíbe jogos de azar
Em 1941, a Lei de Contravenções Penais
(Decreto-Lei 3.688/1941) proibiu os jogos de azar no País, fixando pena de
prisão de três meses a um ano para quem estabelecer ou explorar “jogo de azar
em lugar público ou acessível ao público”. A lei é cristalina. Afora as apostas
sobre corrida de cavalos, que continuaram autorizadas, “consideram-se jogos de
azar as apostas sobre qualquer outra competição esportiva”. Apesar da proibição
legal, alguns cassinos funcionaram até 1946, quando o Decreto-Lei 9.215/1946
reiterou a vigência da proibição dos jogos de azar.
Desde então, houve muitas tentativas de
legalizar o jogo no Brasil, mas sempre foram rechaçadas, em razão dos muitos
danos sociais causados pela jogatina. Em 2015, reiterando a proibição da Lei de
Contravenções Penais, o Congresso modificou o DecretoLei 3.688/1941 para
incluir na pena de multa “quem é encontrado a participar do jogo, ainda que
pela internet ou por qualquer outro meio de comunicação, como ponteiro ou
apostador”.
No ano passado, houve mais uma tentativa
para legalizar cassinos, bingos, jogo do bicho e apostas esportivas. A Câmara
dos Deputados aprovou um novo texto do Projeto de Lei (PL) 442/91, mas
felizmente o Senado mostrou-se menos açodado. O tema não foi ainda à votação
pela Casa. O jogo de azar continua proibido no País.
Todo esse itinerário de resistência à
jogatina, que também se relaciona com uma das grandes batalhas dos tempos
atuais – a prevenção da lavagem de dinheiro e do financiamento do tráfico de
drogas e do terrorismo –, vem sendo acintosamente ignorado pelas apostas
esportivas online. Quem assiste a uns minutos de televisão no Brasil tem a
impressão de que o jogo de azar foi inteiramente liberado no País, tal é a
presença de comerciais de casas de apostas pela internet.
Como mostrou o Estadão, são empresas com
sede no exterior – nem sequer estão localizadas aqui – que oferecem, de forma
massiva e reiterada, sem nenhuma fiscalização, serviços de apostas esportivas
aos brasileiros. No futebol, elas se tornaram onipresentes, patrocinando quase
todos os clubes da série A do Campeonato Brasileiro.
A situação é um acinte com a legislação
brasileira e com o próprio Congresso. Aqui faz-se necessário um esclarecimento.
Ao contrário do que alguns alegam, a Lei 13.756/18 não liberou os jogos de azar
no País. Originalmente, ela era uma Medida Provisória para tratar do Fundo
Nacional de Segurança Pública (FNSP). No Congresso, ganhou um capítulo sobre
“apostas de quota fixa”, “sob a forma de serviço público exclusivo da União”, a
serem exploradas mediante autorização ou concessão do Ministério da Fazenda,
que nem sequer regulamentou o tema.
A Lei 13.756/18 é ruim e mal redigida. De toda forma, ela não autoriza o que essas empresas de apostas situadas no exterior vêm fazendo no Brasil. Além de revelar a voracidade do setor e seu baixo compromisso com a lei, esse cenário de apostas pela internet reforça a importância de não legalizar o jogo. Se é assim antes de liberar, o que será depois?
Sob pressão, BCE decidirá futuro do aperto
monetário
Valor Econômico
Diante do menor sinal de risco bancário, a
prudência acabará se revelando o melhor caminho
Os bancos suíços já foram os mais seguros
do mundo - não mais. O Credit Suisse, que chegou a ser oitavo maior banco do
mundo, foi tragado por uma espiral de maus negócios, operações suspeitas de
lavagem de dinheiro e fraudes fiscais nos Estados Unidos e na França e, agora,
por desconfianças letais sobre suas demonstrações financeiras. Com a quebra do
Silicon Valley Bank e mais duas instituições financeiras americanas, ondas de
insegurança entre os investidores se espalharam do outro lado do Atlântico. Um
dos elos frágeis do sistema bancário europeu, o Credit Suisse viu suas ações caírem
24% ontem, em uma sequência de perdas de valor de mercado que atingiu 85% em
dois anos. O preço de seus papéis passou a valer menos que o de uma barra de
chocolate (suíço).
Não havia pior momento para que a
consultoria PwC anunciasse sua “opinião adversa sobre a eficácia de controle
interno sobre os relatórios financeiros”. Anteontem, o CEO do banco, Axel
Lehmann, mencionara “fraquezas materiais” da situação financeira da instituição
e outros analistas preferiram apontar “debilidades significativas”. Seja qual
for o termo, ele expressa a grave enrascada em que se meteu o banco, o 44º do
mundo por ativos e o 17º maior europeu.
A negativa de injeção de capital por um dos grandes acionistas, o Saudi National Bank, que detém 10% do capital, foi a gota d’água para que a instituição recorresse ao Banco Central da Suíça em busca de apoio. O BC disse no fim do dia que abriria, se necessário, uma linha de assistência de liquidez ao Credit, que, com o UBS, domina o sistema financeiro local e, por décadas, foram sinônimos da segurança do país como centro financeiro global. Segundo o BC suíço, o Credit atende os requisitos de capital e liquidez exigidos dos bancos sistemicamente importantes. No fim de 2022, o banco perdeu US$ 111 bilhões em depósitos e continua perdendo, em ritmo menor.
Na Arábia Saudita, aonde foi pedir
dinheiro, Lehmann disse que o Credit tem um “balanço forte”, que está em meio a
uma reestruturação radical para estancar perdas e que uma ajuda financeira do
BC suíço “não é uma questão” para o banco. Suas declarações a esta altura valem
tanto quanto as ações da instituição. Os ‘credit default swaps” do banco,
termômetro das possibilidades de falência, atingiram ontem a marca dos 1.145
pontos - o de papéis do Brasil era de 224 e os da Argentina, 1.031.
A quebra de bancos regionais americanos, a
delicada situação do Credit e a inquietação quanto à existência ou não de mais
instituições com fragilidades financeiras ampliaram o desafio do Banco Central
Europeu, que se reúne hoje para definir os próximos passos de sua política monetária
e já havia indicado como certo mais um aumento de 0,5 ponto percentual na taxa
de juros, de 2,5%. Ao mesmo tempo, a autoridade monetária pediu aos principais
bancos da zona do euro que relatassem seu grau de exposição ao Credit.
O BCE está diante da mesma equação com a
qual o Fed se defrontará na semana que vem. Uma corrente de investidores de
peso acredita que o aperto monetário é um dos principais responsáveis pelos
sintomas de crise bancária que estão emergindo. Ray Dalio, dirigente de um dos
maiores fundos de hedge, o Bridgewater, vê na falência do SVB o exemplo
clássico de estouro de uma bolha de crédito-débito por juros altos, que
atingirá ativos de longo prazo alavancados e que só será brecada com a
interrupção do aperto monetário e a volta do “quantitative easing”. Larry Fink,
que pilota o BlackRock, com gestão de ativos de US$ 8,6 trilhões, vai na mesma
linha e vê as recentes quebras como “preço a pagar por décadas de dinheiro
fácil”.
Ainda que o ambiente seja o mesmo - o
aperto monetário nos dois lados do Atlântico - há poucas semelhanças entre os
bancos em dificuldades, exceto erros estratégicos e má gestão. Ainda assim,
tanto o Fed como o BCE têm motivos para reduzí-lo ou pausá-lo para ver a
extensão dos estragos no sistema financeiro. Não faz sentido prosseguir com a
mesma intensidade a redução de liquidez com juros mais elevados e redução dos
títulos em seus balanços se, por outro lado, o Fed faz o contrário para evitar
corridas bancárias.
As perdas contábeis não realizadas, com títulos do Tesouro e hipotecas adquiridos a juros baixos e que se desvalorizam com a alta somam até agora US$ 600 bilhões nos EUA. No balanço do próprio Fed, há perda de US$ 38 bilhões. Mas a inflação, com toda a carga de juros, cai lentamente e se mantém ainda distante da meta do BCE e do Fed. Diante do menor sinal de risco bancário, a prudência acabará se revelando o melhor caminho.
"Folha de S. Paulo
ResponderExcluirDepoimento de ex-ministro só aumenta dúvidas sobre presente saudita a Bolsonaro"
Não há dúvida. O joiagate é corrupção mesmo. Remuneração pelos serviços prestados pelo genocida ao comprador da refinaria.
$16,5 MI de presente sem contrapartida? Eh, articulista inocente!
Jair Messias Bolsonaro, o Groja
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