segunda-feira, 27 de março de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Integração nacional de polícias é crucial para conter facções

O Globo

Bases unificadas de inteligência são essenciais para impedir criminosos de encontrar refúgio noutros estados

A Polícia Federal foi informada em janeiro sobre a existência de um plano para promover atentados contra autoridades, entre elas o ex-juiz e atual senador Sergio Moro (União-PR). Na última quarta-feira, a PF prendeu em vários estados nove suspeitos do grupo que planejava os crimes. No dia seguinte, agentes das polícias Civil e Militar fluminenses, em cooperação com policiais do Pará e com apoio de blindados e helicópteros, realizaram ações contra líderes do narcotráfico. No Complexo do Salgueiro, Região Metropolitana do Rio, a operação resultou na morte de Leonardo Costa Araújo, o Leo 41, chefe do tráfico no Pará, além de 12 outras pessoas. Pouco antes fora preso na favela Nova Holanda, Complexo da Maré, Breno Vinícius Garção Martins, o Matuto, líder do tráfico em Sergipe.

Tanto Matuto como Leo 41 estavam no Rio há tempos. Matuto deixou a cadeia em 2020. Leo 41 era foragido da Justiça paraense desde 2019. Puderam retomar o ofício de traficante no Rio, onde Leo 41 comandou à distância ataques que provocaram a morte de 40 agentes de segurança do Pará e ainda participou do assalto a uma joalheria em que foi assassinado um vigilante.

A rapidez com que a PF agiu na prisão dos acusados de tramar contra autoridades contrasta com o tempo que os traficantes do Norte e do Nordeste tiveram para se articular com a criminalidade carioca. Tal contraste demonstra a necessidade urgente de um sistema nacional ágil para troca de informações entre as 27 secretarias estaduais de Segurança. A falta de informações e de um trabalho mais eficaz de inteligência leva a mais violência.

Um sistema nacional e robusto de inteligência poderia ter levado à prisão de Leo 41 bem antes do assalto à joalheria. Se as polícias estaduais trabalhassem com base nesse sistema, também não seriam necessárias operações bélicas como a executada no Complexo do Salgueiro. Desta vez, ninguém morreu de bala perdida, mas três moradores se feriram, um gravemente.

Em junho de 2020, um mês depois de a polícia ter matado dois jovens no mesmo Complexo do Salgueiro, o ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin tomou a decisão liminar de proibir operações policiais nas favelas do Rio, com exceção das feitas em “hipóteses absolutamente excepcionais”, mediante justificativa por escrito ao Ministério Público fluminense.

Dois anos depois, o plenário do STF referendou a liminar de Fachin e definiu seu alcance. O MP do Rio informou que, como determinado, recebeu a justificativa da operação na comunidade do Salgueiro. Mas, na prática, o Supremo criou apenas uma burocracia para avalizar essas operações policiais, sem que haja uma discussão séria sobre mudanças de método no trabalho das polícias ou sobre sua integração em nível nacional.

O combate ao crime organizado não pode prescindir de um esforço coordenado pelo governo federal, capaz de fechar as brechas que permitem aos bandidos fugir de um estado para o outro com a tranquilidade de quem sabe estar a salvo da polícia. A integração dos sistemas estaduais de inteligência policial, com a criação de uma base nacional única de investigação, é o primeiro e essencial passo na luta contra as facções criminosas. Só isso não bastará — obviamente é preciso retomar o controle dos presídios e garantir um sistema eficaz e expedito de Justiça. Mas, sem isso, o resto não funcionará.

Manipulação de resultados na Série B do futebol impõe desafio a clubes e CBF

O Globo

Justiça de Goiás aceitou denúncia contra esquema que tentava faturar com pênaltis em sites de aposta

A decisão da Justiça de Goiás de aceitar a denúncia do Ministério Público contra 14 acusados de manipular resultados da Série B do Campeonato Brasileiro de 2022, com o intuito de favorecer apostas fraudulentas, é um passo fundamental para preservar a saúde do futebol brasileiro. Entre os réus, estão oito jogadores — à época nos clubes Vila Nova, Tombense e Sampaio Corrêa — e quatro suspeitos de atuar como aliciadores de atletas e apostadores no esquema ilegal. As investigações não apontaram envolvimento das empresas de apostas.

O escândalo veio à tona no início deste ano, depois que o presidente do Vila Nova, Hugo Jorge Bravo, denunciou a fraude e apresentou o clube como vítima. Atletas de equipes diferentes haviam sido subornados para cometer três pênaltis no primeiro tempo das partidas da última rodada do Brasileiro, beneficiando o líder da quadrilha, que receberia R$ 2 milhões se as penalidades ocorressem.

O acaso frustrou o plano. Um jogador do Vila Nova que já recebera R$ 10 mil (de um total de R$ 150 mil) para derrubar um adversário na área não foi escalado para a partida. Tentou convencer colegas a participar da fraude, mas eles não aceitaram. Nos jogos Tombense x Criciúma e Sampaio Corrêa x Londrina, os pênaltis aconteceram.

As denúncias deram origem à Operação Penalidade Máxima, conduzida pelo Ministério Público de Goiás. Os oito atletas acusados foram denunciados com base no Estatuto de Defesa do Torcedor, que pune quem “aceitar ou solicitar vantagem ou promessa de vantagem para qualquer ato destinado a alterar ou falsear o resultado de uma competição esportiva”. A pena prevista é de dois a seis anos de prisão, além de multa.

Com a proliferação de apostas, o futebol fica exposto a esquemas de manipulação de resultados. Isso não acontece só no Brasil. A CBF afirma que monitora sites de apostas para detectar movimentações atípicas. Os casos suspeitos no Brasil subiram de 89 em 2021 para 239 no ano passado. No mundo, de 697 para 776. Mas a vigilância não é infalível, como mostra o caso de Goiás. Ele só foi descoberto porque o esquema não deu certo e vazou.

Qualquer manipulação é fatal para o futebol. Primeiro, porque pode selar o destino de um clube. A Série B contou em 2022 com gigantes do futebol brasileiro que, numa disputa acirrada, lutavam para voltar à elite. Em segundos, um pênalti armado põe a perder o planejamento de um ano. Segundo, porque mexe com a essência do esporte: a competição saudável entre adversários dentro de regras preestabelecidas. Nos últimos anos, o futebol tem incorporado ferramentas como o VAR justamente para tornar os resultados mais justos.

É fundamental que a CBF aprimore seus sistemas de monitoramento e que se punam com rigor os envolvidos nos esquemas de manipulação. É a melhor forma de desestimular a ação dos fraudadores. A confiança nos resultados depende disso. Se o torcedor descobre que o placar foi arranjado, por que ele irá ao estádio ou se postará diante da TV para assistir aos jogos?

Pressões da máquina

Folha de S. Paulo

Após ajuste de Bolsonaro, Lula enfrentará demandas de servidores com caixa vazio

reajuste salarial de 9% para os servidores federais deve pacificar por ora as relações entre o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e as corporações. Entretanto é provável que esta administração petista vá ter mais dificuldade que as anteriores nessa seara.

A medida tem custo estimado em R$ 11,2 bilhões neste ano —e certamente haveria usos mais eficazes do ponto de vista social para tal montante. Mas não chega a ser uma benesse exagerada, uma vez que os últimos aumentos ocorreram em 2019, e o IPCA acumulou 21,7% nos últimos três anos.

O problema para a análise é a falta de parâmetros relativos à remuneração e à quantidade necessária de funcionários na máquina federal. Há décadas o gasto da União com pessoal varia de acordo com as inclinações e condições políticas do governo de turno e as disponibilidades de dinheiro no caixa.

Assim, momentos de bonança na arrecadação —ou de fragilidade presidencial— resultam em reajustes generosos e generalizados, além de mais contratações. Depois, quando os cofres se esvaziam, os salários ficam congelados e os concursos públicos escasseiam.

Em 2009, no segundo mandato de Lula, a despesa com o funcionalismo atingiu 4,6% do Produto Interno Bruto, o maior patamar da série histórica do Tesouro Nacional iniciada em 1997.

Após um ajuste forçado e precário no governo Jair Bolsonaro (PL), o desembolso caiu ao nível historicamente baixo de 3,4% do PIB —e tenha-se em mente que a diferença de 1,2 ponto percentual ante o pico equivale, em valores atuais, a mais de R$ 120 bilhões.

Tanto na expansão como na retração faltaram critérios e objetivos claros, de modo que não se sabe ao certo qual é a necessidade de cada órgão e qual o padrão remuneratório de cada categoria.

Pode-se afirmar, de todo modo, que os servidores federais figuram entre os trabalhadores mais bem pagos do país, além de contarem com o privilégio da estabilidade no emprego, que deveria se limitar às carreiras típicas de Estado.

A margem para elevação de salários nos próximos anos será estreita, dado que o governo Lula precisa reequilibrar o Orçamento se quiser que os juros do Banco Central caiam e a economia possa retomar a trajetória de crescimento.

É quase impossível, infelizmente, que a administração petista enfrente o corporativismo estatal e se empenhe numa reforma administrativa mais ambiciosa. Seria necessário rever vencimentos iniciais, hoje muito próximos dos valores pagos no final da carreira, e o alcance da estabilidade.

Resta esperar que a prudência orçamentária se sobreponha às pressões que virão do funcionalismo.

Intenções e resultados

Folha de S. Paulo

PEC das Domésticas não produz efeito esperado, revelando que lei não é panaceia

Além do samba e do futebol, o Brasil possui outro patrimônio cultural: a obsessão por leis. Temos direitos e interditos que regem os aspectos mais banais da vida cotidiana.

O que à primeira vista parece louvável pode gerar distorções, como excesso de burocracia e aumento de gastos sem que se produzam os efeitos desejados.

Um exemplo é a PEC das Domésticas. Aprovada em 2013, a medida buscou garantir direitos trabalhistas como FGTS, seguro-desemprego, regime de 44 horas semanais, hora de almoço e auxílio-doença.

Contudo, após dez anos, a lei não aumentou a formalização, em parte porque elevou-se o custo das contratações —reação adversa que havia sido apontada por economistas quando a lei foi proposta.

Para fugir dos encargos trabalhistas, quem necessita de serviço doméstico passou a contratar diaristas, que não são submetidas à PEC. Em casos mais graves, patrões burlam as regras. A dificuldade de fiscalização, ignorada durante a formulação da norma, incentiva ações ilegais.

Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, de cada 4 profissionais dedicados a afazeres domésticos, 3 atuam sem carteira assinada.

Em 2015, 1,8 milhão de trabalhadores do setor eram formalizados e 4 milhões não tinham carteira assinada. Já em 2023, são 1,5 milhão e 4,4 milhões, respectivamente.

A queda tem relação com o fraco desempenho da economia durante o período, causado pela recessão encerrada em 2016 e a pandemia de Covid-19. Menos produtividade, mais desemprego e informalidade no mercado de trabalho.

Mas deve-se notar que, excetuando leve alta na formalidade em 2016 (2,1 milhões), desde 2018 o número de trabalhadores com carteira assinada se mantém menor, e o de informais é maior do que no ano de publicação da PEC.

O trabalho doméstico é característico de países pobres ou emergentes, pois trata-se de mão de obra barata. Assim que a capacitação profissional da população cresce, há menos trabalhadores disponíveis para esse tipo de serviço, e os salários sobem.

Para especialistas, a melhor forma de lidar com a informalidade é incrementar a formação técnica em outras áreas, além de uma política econômica que aumente a produtividade e a geração de renda,que sempre tem impacto positivo sobre a empregabilidade.

Candidato a imperador da Câmara

O Estado de S. Paulo.

Neste ano, após sua impressionante vitória, Arthur Lira intensificou o modo rolo compressor, ignorando ritos e limites. É preciso detê-lo. A Câmara tem de ser sinônimo de democracia

O País tem um problema a resolver. O presidente da Câmara, Arthur Lira, vem atuando como se fosse um monarca absolutista, sobre o qual os limites da Constituição não teriam efeito. Perante as leis da República, ele estaria acima do bem e do mal. Seu comportamento em relação à tramitação das medidas provisórias (MPs), descumprindo e desautorizando o rito constitucional, é apenas a ponta de um iceberg de uma compreensão absolutamente distorcida sobre as funções e os contornos da presidência da Câmara dos Deputados.

Em fevereiro, Arthur Lira teve uma vitória absolutamente espetacular na recondução à direção da Câmara por mais um biênio (2023-2024). De um total de 513 deputados, 464 votaram nele. Na história recente nacional, considerando os últimos 50 anos, foi a maior votação absoluta de um candidato à presidência da Câmara. O segundo colocado, o deputado Chico Alencar, obteve 21 votos, o que corresponde a menos de 5% do total dado a Arthur Lira. Num país polarizado política e ideologicamente, o deputado do PP de Alagoas reuniu em torno de si todo o mundo da política, do bolsonarismo ao lulopetismo. Teve nada mais nada menos do que o apoio de 20 partidos, incluindo duas federações.

O resultado da votação para a presidência da Câmara diz muito sobre as disfuncionalidades do sistema representativo nacional e o próprio comportamento dos partidos, com um pragmatismo que asfixia qualquer pretensão de identidade programática. Mais do que apoio genuíno, a votação acachapante foi o símbolo do receio, compartilhado pela grande maioria das legendas, de se opor a Arthur Lira. Ninguém ousou enfrentá-lo.

Fosse o presidente da Câmara um exemplo de obediência à Constituição, à lei e ao Regimento Interno, a inexistência de resistência ao seu comando já seria bastante problemática para a vida institucional do País. No Estado Democrático de Direito, o exercício do poder sempre exige controle. E parte importante do controle do poder político fica a cargo da oposição.

No entanto, o que se vê em Arthur Lira é uma situação bem diferente. Ele não é afeito aos ritos institucionais. No biênio 2021-2022, a presidência da Câmara foi marcada por atos de abuso de poder, atropelos, manobras regimentais e descumprimento da legislação. Ele pôs em marcha um movimento de alteração profunda da dinâmica parlamentar, com efeitos de curto, médio e longo prazos. Por exemplo, a mudança do Regimento Interno da Câmara, realizada em maio de 2021, reduziu, num rito já facilitado pela pandemia, ainda mais o espaço da oposição para fazer obstrução, o que afeta diretamente a qualidade do debate e da representação parlamentar.

No entanto, em algumas circunstâncias, mesmo esse rito alterado não foi seguido. Por exemplo, Arthur Lira valeu-se de sessões de um minuto, às seis da manhã, para a contagem do prazo regulamentar. Pôs em votação o projeto de lei sobre o Imposto de Renda (IR) sem divulgar aos próprios deputados o texto final que estava sendo apreciado.

Outra frente de distorção da representação e do debate é o uso abusivo de grupos de trabalho, sobre os quais o presidente da Câmara tem mais discricionariedade e controle, em vez das comissões especiais, cuja composição precisa expressar a representatividade dos partidos. O caso paradigmático do momento é o principal tema em tramitação na Câmara, a reforma tributária, que está sendo analisada em um grupo de trabalho, e não em uma comissão especial.

Esse histórico de rolo compressor de Arthur Lira traz sérias preocupações. E o pior é que, além de ter sido incapaz de suscitar oposição, foi o que lhe rendeu 464 votos na eleição de fevereiro. Os partidos e o sistema político como um todo têm sido coniventes.

É preciso vigilância. Não cabe na República exercício do poder além do que dispõe a Constituição. Jair Bolsonaro tentou e foi contido pelo Judiciário e pelo eleitor nas urnas. Agora, é preciso conter Arthur Lira. Na República, não há imperadores. O funcionamento da Câmara tem de ser expressão de democracia, e não o contrário.l

Despreparo que penaliza os jovens

O Estado de S. Paulo.

O divórcio entre a educação e o mundo do trabalho é um erro que custa caro. O Brasil tem o dever de investir na formação profissionalizante da juventude, a maior vítima do desemprego

A falta de experiência profissional já é um desafio para quem tenta ingressar ou está começando no mercado de trabalho. Para milhões de jovens no Brasil, porém, há obstáculos muito maiores, e é preciso agir logo para reverter esse quadro − sob pena de que uma parcela significativa da juventude continue condenada a engrossar as estatísticas do desemprego ou a depender de programas assistenciais para sobreviver. Não bastassem as deficiências da educação básica, que tanto deixa a desejar, o País falha na oferta de ensino técnico e profissionalizante, seja por oferecer vagas em número inferior à demanda ou, não raro, por ignorar as profundas transformações que vêm remodelando a economia e o mercado de trabalho.

Um diagnóstico desse desarranjo, motivo de tantos prejuízos, acaba de ser lançado − e deveria ser lido com atenção pelas autoridades responsáveis pela Educação Profissional e Tecnológica (EPT). Trata-se da pesquisa O futuro do mundo do trabalho para as juventudes brasileiras, elaborada pelo Instituto Cíclica, em parceria com o Instituto Veredas e apoio do Itaú Educação e Trabalho, da Fundação Roberto Marinho e da Fundação Telefônica Vivo, entre outras entidades.

Infelizmente, o ponto de partida é o atual cenário em que a taxa de desemprego na faixa de 18 a 24 anos corresponde a mais que o dobro da média geral do País. Outro dado grave diz respeito à chamada geração “nem-nem”, formada por quem não trabalha nem estuda − situação de um a cada quatro jovens de 18 a 29 anos. É desolador, para dizer o mínimo, perceber a falta de perspectivas em que um contingente tão expressivo da juventude brasileira está mergulhado. Vale indagar: aonde o País espera chegar abrindo mão do potencial de tamanha quantidade de jovens?

A pesquisa ouviu 34 organizações da sociedade civil envolvidas com a inclusão produtiva de jovens, além de revisar mais de 500 publicações sobre o tema. Os resultados reforçam o “divórcio entre educação e trabalho”, na acertada expressão da superintendente do Itaú Educação e Trabalho, Ana Inoue, em entrevista ao Valor. Para 82% das organizações, os empregadores não encontram jovens com a devida qualificação para as vagas de trabalho anunciadas; para 77%, os jovens estão mal informados sobre o funcionamento do mundo do trabalho e sobre as carreiras do futuro; para 59%, os cursos de formação profissional não são atualizados nem estão em sintonia com o mundo do trabalho.

O estudo chama a atenção para o impacto da digitalização da economia, que cada vez mais substitui postos de trabalho, especialmente em funções que exigem menor qualificação. Um gargalo que se estreita, portanto, para a maior parte da juventude, considerando que cerca de dois terços dos jovens que conseguem seu primeiro emprego ganham até um salário mínimo. Eis outro aspecto que merece atenção das autoridades educacionais. Claro está que não basta apenas expandir os cursos técnicos e profissionalizantes: é preciso repensá-los à luz das novas tecnologias. A digitalização e as inovações tecnológicas, como se sabe, também criam oportunidades, a começar pelo setor de tecnologia da informação (TI) − no qual, aliás, é comum faltar mão de obra especializada.

Nesse sentido, o estudo lista carreiras consideradas promissoras para a inclusão profissional de jovens − e defende que os cursos de EPT sejam expandidos também para atender quem já concluiu o ensino médio. A chamada economia verde, por exemplo, demanda profissionais para a instalação de equipamentos de energia solar, para a manutenção de turbinas eólicas e para o processamento de biocombustíveis. No caso da economia digital, um dos nichos é o de operador de drones. Já o envelhecimento da população faz crescer a procura por cuidadores de idosos.

A menos que o Brasil tenha compromisso com o atraso, é preciso qualificar a formação da atual e das novas gerações. Criar condições para que um número cada vez maior de jovens conquiste empregos e ajude o País a crescer. O divórcio entre a educação e o mundo do trabalho não interessa a ninguém.

Câmeras policiais ganham o País

O Estado de S. Paulo.

O uso de câmeras nas forças nacionais e subnacionais levará a uma polícia mais civilizada, eficaz e segura

Como reportou o Estadão, o governo federal está elaborando um programa para incentivar Estados e municípios a adotarem câmeras corporais nas polícias militares e guardas civis. Além disso, o próprio governo vai adotar o equipamento nas forças policiais da União: Polícia Rodoviária Federal, Força Nacional de Segurança Pública e Polícia Federal. Trata-se de uma bem-vinda iniciativa que reproduz programas de sucesso já aplicados há anos em países como EUA, Inglaterra ou Alemanha, e cujos efeitos em um curto espaço de tempo são visíveis em Estados como Santa Catarina, Rondônia e notadamente São Paulo.

Estados que optarem pelo modelo serão beneficiados com recursos especiais do Fundo Nacional de Segurança Pública. O governo negocia ainda um suporte do Banco Interamericano de Desenvolvimento para ajudar a custear os programas.

Após oito anos de estudos e maturação, a Polícia Militar de São Paulo introduziu as câmeras em junho de 2021 por meio do Programa Olho Vivo. Segundo estudo da FGV, em um ano o número de mortes decorrentes de intervenção policial caiu 80% e o de lesões, 61%.

A principal reserva dos críticos é de que as câmeras inibiriam a proatividade dos policiais, prejudicando a repressão ao crime. Mas esse receio não é apoiado pelas evidências. Na comparação entre áreas que receberam as câmeras e as demais, não houve variação nas taxas de flagrantes e de crimes como roubos e homicídios.

Isso não significa que o sistema não tenha impacto sobre a eficácia da polícia no combate à criminalidade. De imediato, ocorrências que costumavam ser subnotificadas, como violência doméstica, tiveram aumento expressivo nos registros, como se a corporação adotasse a política de tolerância zero. Além disso, as imagens podem ser analisadas pela cadeia de comando, contribuindo, a médio prazo, para aperfeiçoar treinamentos, protocolos e abordagens. Os bons policiais podem ser valorizados, e os maus, corrigidos. Naturalmente, as condutas valorosas serão prestigiadas; as inadequadas, inibidas; e as criminosas, punidas. Assim, as câmeras contribuem para a segurança da própria polícia. Com quadros mais bem preparados, a tendência é de redução das mortes e lesões dos policiais.

Isso não significa que as câmeras sejam uma panaceia. A redução da letalidade policial em São Paulo, por exemplo, está associada à adoção de outras tecnologias, como armas não letais de imobilização – por exemplo, os tasers de eletrochoque. Além disso, o efeito das câmeras de adequar o comportamento dos agentes aos protocolos só é potencializado se complementado por bons programas de treinamento, sistemas de supervisão e mecanismos de prestação de contas.

De resto, ao contribuir para uma polícia não só mais civilizada no trato com os cidadãos, mas mais eficaz no combate aos criminosos, as câmeras contribuem, direta ou indiretamente, para solucionar graves deficiências de segurança pública, como a corrupção nas corporações, as condições desastrosas dos presídios ou as baixas taxas de elucidação de crimes e de repressão aos mercados ilegais.

Lira quer reduzir poder do Senado e trava Legislativo

Valor Econômico

Legislativo e Judiciário aumentaram seus poderes, o Executivo, não

Mais de 50 dias após o início do ano legislativo ele continua encalacrado, desta vez pela disputa do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), contra o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Lira já concentra mais poderes do que todos seus antecessores no cargo, e quer mais. Ele não quer abrir mão de um rito provisório, criado na pandemia, de levar as Medidas Provisórias diretamente a plenário, indicando seus relatores e influindo em seu tempo de tramitação e conteúdo, para depois encaminhá-las ao Senado. A pandemia terminou, mas Lira quer perenizar o dispositivo, que atende suas ambições.

A Constituição determina que as MPs sejam em primeiro lugar avaliadas por uma comissão mista em que o número de deputados e senadores é igual. Esse foi um dos pretextos usados pela subversão por Lira: se é para ter comissão mista que ela seja proporcional ao tamanho das casas, e não paritária, como manda a lei. A Câmara tem 513 deputados e o Senado, 81 senadores. A proposta requer aprovação de emenda constitucional.

Depois de vários encontros sem acordo, Rodrigo Pacheco decidiu instalar as comissões para analisar as 13 MPs editadas pelo governo Lula - nas quais estão a volta do voto de desempate no Carf, a recriação do Bolsa Família e a reorganização de ministérios. O presidente da Câmara prometeu boicotá-las. Pelo regimento, Pacheco tem o direito de indicar membros dos partidos para compô-las. Lira, por seu lado, prometeu votar as 16 MPs que restam do governo Bolsonaro e exigiu discussão conjunta com o Senado para isso.

O presidente da Câmara foi mais longe. Reuniu-se com o presidente Lula na sexta para pedir-lhe apoio a sua posição - ele sabe o que está em jogo para o Planalto e pode insinuar má vontade com as MPs. A ameaça de caducidade das medidas criada por essa situação levou Lula a realizar reunião com alguns ministros para definir uma posição. Foi decidido então que essa é uma disputa no Congresso que deve ser decidida pelo Congresso e na qual o governo não deve se intrometer.

 

A disputa é artificial e contrária aos interesses do país. Lira quer agora diminuir os poderes do Senado e aumentar os seus, mesmo quando a Constituição já lhe dá o suficiente. Os dispositivos que criaram as comissões mistas prescrevem que a tramitação das MPs tem de iniciar pela Câmara, o que deixa pressuposto que modificações feitas pelo Senado terão de ser reavaliadas pelos deputados, que podem ou não acatá-las.

Lira ameaça fazer esta semana um esforço concentrado para votar as 16 MPs deixadas por Bolsonaro, pelo rito anterior, ou seja, assuntos relevantes e urgentes, como contêm as MPs, serão examinadas em baciadas, com o rigor de sempre, ou seja, quase nenhum.

Depois de assenhorear-se da liderança do Centrão, com o acordo feito com o governo Bolsonaro para dar-lhe uma base parlamentar que o então presidente se recusara a compor, Lira, em troca, não encaminhou nenhum das dezenas de pedidos de impeachment contra o ex-capitão. Em troca, ganhou de presente, junto com Pacheco, os recursos do orçamento secreto. Ao coordenar o trânsito de mais de R$ 50 bilhões das emendas do relator desde 2021, construiu vasta rede de apoio a seu comando na Casa, e aval a seus interesses políticos, independente de filiações partidárias.

Lira, ao se fortalecer, ampliou a entropia das alianças intra e interpartidárias, ao dar peso, com o dinheiro das emendas, a pessoas e não tanto a partidos ou blocos. Depois que as emendas do relator foram proibidas pelo STF, um rescaldo delas (R$ 9,8 bilhões) ainda vaga pelos ministérios, mas o fato principal é que os apoios ao governo (agora, a qualquer governo) foram pulverizados mais ainda. Lula, que evita como pode antagonizar Lira, teve de liberar cargos à moda antiga para os partidos, e mesmo assim não conseguiu até agora formar uma base fiel de apoio.

As exigências cresceram, as negociações se tornaram mais numerosas - com alas de um mesmo partido, ou com caciques diversos de uma mesma legenda - e muitas vezes, como está se tornando um padrão, caso a caso. A lentidão para formar maiorias, que tem a influência das ações de Lira, é um corolário desses tipos de acordos.

Ao receber apoio de partidos de direita, centro e esquerda, o presidente da Câmara foi reeleito. Com Bolsonaro, o Legislativo aumentou seu poder e, para manter o então presidente na linha, o mesmo aconteceu com o Judiciário. O Executivo saiu diminuído e é com isso que Lula terá de lidar. Não é fácil.

 

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