Rever venda da Eletrobras é ideia sem cabimento
O Globo
Ao levantar o assunto, Lula semeia
insegurança no mercado e deteriora ainda mais gestão da economia
Não tem cabimento a declaração do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmando que pretende entrar com ação na
Justiça para que o Estado retome o controle da Eletrobras, privatizada no ano
passado. Ela é contrária ao interesse do país por, pelo menos, dois bons
motivos. Primeiro, há uma questão prática. As chances de sucesso são ínfimas. A
privatização foi aprovada pelo Congresso Nacional e chancelada pelo TCU.
Segundo, há uma questão de mérito. A reestatização tornaria a empresa de novo
um cabide de empregos, com baixa capacidade de investimento e alta
vulnerabilidade a interferências políticas. Seria, ao contrário do que diz
Lula, péssimo para o Brasil.
Lula descreve a privatização como “loucura”, mas insanidade era a Eletrobras nas mãos do Estado, em especial nas administrações do PT. Quando o governo Michel Temer deu início à preparação da empresa para ser privatizada, os funcionários somavam 26 mil. Quando o controle passou a investidores privados, caíram para 12 mil. Em fevereiro, cerca de mil foram demitidos, e há ainda 1.500 inscritos no plano de desligamento voluntário. Quando concluída, só essa redução de 2.500 na força de trabalho gerará economia de R$ 95 milhões mensais. Quem pagava a conta de todos os empregos públicos desnecessários mantidos por décadas? Nós, contribuintes.
Nas mãos da iniciativa privada por poucos
meses, a Eletrobras já retomou investimentos que andavam paralisados. Ao todo,
R$ 5,6 bilhões foram aplicados em 2022, 20% a mais que na comparação com 2021.
A expectativa é que esse valor cresça nos próximos anos para R$ 14 bilhões,
patamar impossível de alcançar quando a empresa era estatal. Não há como o
investimento público — consumido por demandas mais relevantes como educação,
saúde ou combate à miséria — competir com o capital privado.
Em 2016, o endividamento era tão alto que a
Eletrobras só não corria o risco de entrar em recuperação judicial porque a
União bancava as perdas. Se continuasse estatal, sua participação de mercado
derreteria ao longo dos anos. Longe de leilões de energia por muito tempo, ela
agora volta a competir para crescer na comercialização. Neste ano, o foco será
em transmissão, segundo declarações dadas pelo presidente da empresa, Wilson
Ferreira Junior. O próximo leilão está previsto para junho e oferecerá projetos
em Minas Gerais, Bahia, Espírito Santo, Pernambuco, Rio de Janeiro, São Paulo e
Sergipe.
Mesmo defensores da privatização da
Eletrobras reconhecem que ela não ocorreu sem problemas. O principal ficou
conhecido como “jabuti das térmicas”. Congressistas favoreceram empresários do
setor do gás e incluíram na lei a obrigação de instalar termelétricas onde não
há gás nem alto consumo de energia. Foi um erro, mas não justifica rever uma
privatização de sucesso. Ao levantar a questão, Lula apenas semeia insegurança
no estratégico mercado de energia e cria ainda mais turbulência na gestão da
economia. Ele deveria esquecer o assunto e, se for adiante, o Supremo tem o
dever de zelar pela sensatez.
Xi busca na Rússia apoio para nova
hegemonia global da China
O Globo
Proposta de acordo de paz para guerra na
Ucrânia é apenas pretexto para consolidar poderio chinês
Xi Jinping tem senso de oportunidade. Em
seu inédito terceiro mandato consecutivo, o líder chinês mais poderoso desde
Mao Tsé-Tung acaba de patrocinar uma reconciliação entre o Irã e a Arábia
Saudita — inimaginável até há pouco tempo — e agora estreita os laços com a
Rússia. Na visita que fez nesta semana ao isolado Vladimir Putin, em Moscou,
não apenas consolidou sua influência sobre a Rússia, mas também tentou se
credenciar como um mediador com chances concretas de negociar a paz na Ucrânia.
Xi apresentou-se em Moscou como homem da
paz, ao contrário de seu anfitrião. Na bagagem levou sua proposta de 12 pontos
para o entendimento entre russos e ucranianos. Na atual circunstância, ela
jamais seria aceita pelos ucranianos, por não prever a retirada russa dos territórios
ocupados. O jogo de cena serve a outro objetivo, como observou o analista
Alexander Gabuev, um dos mais argutos observadores russos da China: aprofundar
as relações com a Rússia que beneficiem Pequim.
O encontro dos dois autocratas serviu a
ambos. As vantagens para Putin são claras: a Rússia ganhou acesso ao mercado
chinês para escapar das sanções comerciais impostas por Estados Unidos, Europa
e Austrália. Também ganhou apoio para desengavetar o projeto do duto de
exportação de gás e óleo à China, essencial para compensar a perda do mercado
europeu. Com a aproximação comercial, a Rússia tenta deixar a órbita do dólar e
entrar na do yuan, que ganha espaço na tentativa de se consolidar como moeda
global. Putin queria ainda apoio militar de Xi, demanda sem chance de ser
atendida, por implicar custos pesados para a China e ferir a imagem de
neutralidade de quem pretende mediar um acordo de paz.
Um Putin pressionado pelo apoio militar e
financeiro do Ocidente à Ucrânia é útil para Xi no embate que trava com os
Estados Unidos pela hegemonia global. Ele tenta usar a Rússia para criar um
eixo antiamericano numa nova ordem mundial em que Pequim se torna centro de
poder. Xi e Putin concordam que não interessa aos americanos e aliados que
China e Rússia sejam fortes. Xi acusou os Estados Unidos de adotar uma política
de “contenção, cerco e supressão” contra a China. Em artigo no Diário do Povo
Chinês, Putin defendeu os mesmos pontos de vista e ainda afirmou que a
Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) “pretende penetrar na Ásia
pelo Pacífico”.
Denunciado ao Tribunal Penal Internacional (TPI) por crimes contra a humanidade na invasão da Ucrânia, Putin só pode contar com Pequim. Para Xi, convém uma Rússia dócil, garantia de paz na extensa fronteira dos dois países, palco de confrontos armados entre soviéticos e chineses no tempo do comunismo. A diferença é que, naquela época, os soviéticos eram mais poderosos, e a China tinha de se contentar com a posição do primo pobre. Agora os papéis se inverteram — e Xi não faz nenhuma questão de esconder isso.
Saúde nos rincões
Folha de S. Paulo
Mais Médicos volta com desafios como
qualificação e permanência de profissionais
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
anunciou a retomada do Mais Médicos, que visa levar profissionais a unidades
básicas de saúde de regiões mais carentes ou remotas do país. Neste ano, as 15
mil vagas ofertadas terão custo de R$ 712 milhões. Hoje, 13 mil
médicos remanescem no programa.
Lançado em 2013 por Dilma Rousseff (PT), o
programa é alvo de críticas de entidades de classe e apresenta distorções para
as quais, após 20 anos, buscam-se soluções.
Podem se candidatar profissionais
brasileiros, formados aqui ou no exterior, e estrangeiros. Cubanos podem
participar, mas a antiga parceria com a ilha foi interrompida. O fato de a
ditadura caribenha repassar apenas um quarto do valor pago pelo Brasil aos
participantes gerou uma onda de críticas.
Como as de Jair Bolsonaro (PL), durante sua
campanha eleitoral de 2018, ao dizer que os cubanos eram explorados. Na época,
eles ocupavam mais da metade (8.332) das cerca de 16.200 vagas preenchidas.
Após a eleição daquele ano, Cuba deu fim à
parceria, colocando em risco o atendimento à saúde de milhares de famílias.
Em dezembro, 7.120 brasileiros assumiram os
postos desocupados. Apenas três meses depois, cerca de 15%
(1.052) já haviam abandonado o programa. A maior taxa de desistências
(31%) ocorreu em locais cuja população extremamente pobre perfaz 20% ou mais do
total.
Contudo, o abandono sempre foi um
obstáculo. Entre 2013 e 2017, cerca de 20% dos brasileiros que ingressaram no
programa desistiram em até um ano —a duração do contrato era de três anos.
O modelo lançado agora tenta resolver esse
problema com incentivos de fixação. Por um deles, o médico receberá adicional
de 10% a 20% —a depender da vulnerabilidade do município— da soma das bolsas de
todo o período em que esteve no programa. Poderá escolher se quer o incentivo
completo ao final de 48 meses ou antecipar 30% do valor após 36 meses.
Outra crítica diz respeito à validação dos
diplomas estrangeiros. Esse é a principal
divergência das entidades de classe, como o Conselho Federal de Medicina,
que explicita motivações corporativistas.
Mas, enquanto brasileiros relutarem em
atuar nos rincões mais pobres e as condições de trabalho não melhorarem,
torna-se mais difícil exigir a validação. O Mais Médicos é uma intervenção
paliativa sobre uma deficiência específica no mercado de trabalho que não tem
solução imediata à vista.
Mas, por óbvio, ele não deve ser usado para
eximir o poder público de buscar opções, criar infraestrutura e implementar
novas tecnologias —como a telemedicina— para tentar resolver o problema de modo
estável e duradouro.
Felicidade nota 6
Folha de S. Paulo
Brasil cai 11 posições em ranking, o que
não é necessariamente motivo de alarme
Qual é o sentido da vida? A resposta mais
próxima de um consenso, descartadas as fornecidas por religiões, é
provavelmente a busca da felicidade —ainda que o termo possa significar coisas
muito diferentes a depender da pessoa.
A ideia não é propriamente nova. Já no
século 4 a.C., Aristóteles afirmou que a "eudaimonia" (felicidade) é
o fim de toda ação humana. E, de uma forma bastante moderna, observou que a
"eudaimonia" dependia tanto de fatores externos, como condições
materiais e de saúde, quanto das disposições internas do indivíduo.
Mais de dois milênios depois, Jeremy
Bentham (1748-1832) não só definiu que a meta das políticas públicas deveria
ser promover a felicidade dos súditos como fez a primeira tentativa de
calculá-la. O objetivo não passou despercebido a homens de Estado.
Thomas Jefferson (1743-1826), um dos pais
fundadores dos EUA, incluiu a "busca pela felicidade" entre os
direitos inalienáveis elencados na Declaração de Independência, ao lado da vida
e da liberdade.
Nesta semana foi divulgada mais uma edição
do ranking global de felicidade da ONU. Utiliza-se no trabalho um índice
calculado a partir de uma pesquisa de opinião em que cerca de mil pessoas de
cada país dão notas de 1 a 10 a suas vidas, além de dados relativos a PIB per
capita, expectativa de vida saudável, liberdade, generosidade, apoio social e
percepção de corrupção.
O Brasil caiu
11 posições em um ano, o que não é necessariamente motivo para
alarme. O indicador brasileiro recuou de 6.293 pontos para 6.125, uma variação
modesta. Nossa posição relativa mudou em larga medida porque outras nações nos
ultrapassaram. Felicidade não é jogo de soma zero.
Uma crítica frequente a índices como esse e
o IDH (de desenvolvimento humano), ambos da ONU, é que seus critérios acabam
por medir quão escandinavo é um país —e os nórdicos,
não por acaso, dominam as primeiras colocações.
Trata-se, é claro, de mérito dessas nações,
que de fato oferecem excelentes condições de vida a suas populações. Mas há aí
também algum nível de arbitrariedade.
Não há dúvida de que é melhor viver num país com menos corrupção, mas essa dimensão poderia perfeitamente ser substituída por uma outra —integração com a natureza, por exemplo— e ainda estaríamos medindo felicidade. Nessa hipótese, países de outras regiões talvez se saíssem melhor.
Militantes do atraso
O Estado de S. Paulo.
Lula quer retomar poder sobre a Eletrobras
na Justiça, ato que só trará prejuízos à empresa e afastará investidores,
ampliando incertezas e a percepção de risco sobre seu governo
Lula quer retomar poder sobre a Eletrobras
na Justiça, ato que só trará prejuízos à empresa e afastará investidor.
Ogoverno estuda uma forma de retomar os
mandos e desmandos sobre a Eletrobras. Com pouco mais de 40% dos papéis da
empresa, a União detém hoje 10% do poder de voto nas assembleias, conforme
definido no estatuto da companhia, limitação que vale para todos os demais
acionistas e que foi fundamental para viabilizar sua privatização. Na avaliação
do presidente Lula da Silva, no entanto, isso seria um “crime de lesa-pátria”.
“Eu espero que um dia, se a gente tiver
condições, a gente volte a ser dono da maior empresa de energia que esse país
já teve”, disse Lula, em entrevista ao portal Brasil 247. Para concretizar esse
plano, o governo analisa apresentar uma ação ao Supremo Tribunal Federal (STF),
alegando que o limite de 10% para o poder de voto da União fixado no estatuto é
inconstitucional, segundo noticiou o jornal O Globo.
A atitude é lamentável e inconsequente, mas
não surpreende. Ainda na campanha eleitoral, Lula deixou claro não se conformar
com a privatização da Eletrobras, posição que ele, enquanto candidato, tinha
todo o direito de explorar. Como presidente, no entanto, Lula parece perdido e
muito mal assessorado, pois essa estratégia embute inúmeros equívocos.
Em primeiro lugar, trata-se de explícita
quebra de contrato. A privatização da Eletrobras seguiu um modelo consagrado
conhecido como corporation, que se baseia justamente no fato de não haver um
dono para comandar a empresa. Essa configuração, vista como uma forma de proteger
a companhia de ingerências políticas, foi essencial para trazer novos
investidores ao negócio, inclusive trabalhadores que aplicaram parte de seu
FGTS confiando nesse processo.
A União não foi lesada, mas muito bem
remunerada para deixar de cometer atos que causaram prejuízos bilionários à
Eletrobras, sobretudo durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff. Porém,
se ainda assim o governo quiser retomar o controle da empresa, há alternativas
previstas no próprio estatuto. Basta abrir o cofre e pagar aos acionistas o
triplo do valor das ações, drenando recursos em detrimento de outras políticas
públicas nas áreas de educação, saúde e de transferência de renda, por exemplo.
Nem parece que foi o mesmo Lula que instou
lideranças a contribuírem para o fim da judicialização da política. Em reunião
realizada com governadores no fim de janeiro, o presidente pediu a eles que
parassem de recorrer ao Judiciário para invadir competências do Legislativo. Se
ouvisse a si mesmo, o presidente deveria propor a alteração do estatuto da
Eletrobras ao Congresso, correndo o risco de sofrer uma derrota acachapante. Se
não o faz, é somente porque sabe que a privatização da companhia é fato
consumado e que suas bravatas não mobilizam ninguém além dos membros de seu
próprio partido.
A proposta que permitiu a capitalização da
companhia foi aprovada por ampla maioria no Legislativo. Como alertamos neste
mesmo espaço, longe de ser a melhor alternativa, o texto recebeu inúmeros
jabutis, entre os quais o que obriga a construção de termoelétricas em locais
onde não há reservas de gás, gasodutos ou linhas de transmissão para escoar a
energia até os centros de consumo.
Viabilizar essas usinas no interior do
País, em vez de construí-las na costa, próximas das reservas e da carga, é um
exemplo de projeto caro e ineficiente, mas contra esse aspecto perverso da
privatização da Eletrobras o governo Lula não se insurgiu. Pelo contrário: tudo
indica que pretende obrigar outra estatal, a PPSA, a construir, operar e manter
gasodutos, um projeto que o setor estima que possa desperdiçar até R$ 120
bilhões.
É impressionante o quanto Lula tem
trabalhado contra si mesmo e seu próprio governo. Em vez de aproveitar o início
de seu terceiro mandato para articular uma maioria parlamentar e aprovar a
âncora fiscal e a reforma tributária, o presidente perde tempo com uma
verborragia que só contribui para afastar investidores, aumentar o risco
associado ao setor elétrico e ampliar incertezas no cenário econômico como um
todo. Um presidente assim nem precisa de oposição.
Rússia, peão chinês
O Estado de S. Paulo.
Em tese, a China é neutra e quer a paz. Na
prática, extrai benefícios da guerra, favorecendo a Rússia para ter um vassalo
no confronto com Ocidente e em suas pretensões sobre Taiwan
Analistas definem a posição da China em
relação à guerra na Ucrânia como uma “neutralidade pró-Rússia”. A ambivalência
foi comprovada na visita do presidente Xi Jinping à Rússia. De jure, a China é
neutra e Xi foi a Moscou em missão de paz. De facto, o encontro com Vladimir
Putin foi uma enfática demonstração de solidariedade, crucial para as ambições
geopolíticas chinesas: consolidar a narrativa de um Ocidente em declínio e um
Oriente em ascensão e substituir a “ordem internacional baseada em regras”
liderada pelos EUA pela “Iniciativa de Segurança Global” do Partido Comunista
Chinês.
Para Xi convém figurar como pacificador.
Por um lado, para abastecer a acusação aos EUA – apta a vencer a batalha de
opinião no “Sul global” – como uma potência belicosa que divide o mundo entre
amigos e inimigos. Ao mesmo tempo, o repúdio a expedientes nucleares, a evasiva
ao pedido de armas pela Rússia e as promessas de um telefonema ao presidente
ucraniano, Volodmir Zelenski, foram projetados para reabilitar a reputação da
China na Europa, seu principal parceiro comercial ao lado dos EUA. A mediação
da reaproximação entre Irã e Arábia Saudita edulcorou as credenciais pacifistas
de Xi e seu “plano de paz” foi elogiado pelos russos.
Mas, na prática, Xi tem pouco interesse em
uma mediação neste momento. Primeiro, porque nem Rússia nem Ucrânia a querem –
ambas creem poder conquistar posições no campo de batalha. Além disso, seu
plano é impraticável para os ucranianos – ele advoga o fim das sanções
ocidentais sem dizer nada sobre a desocupação de territórios pelos russos. De
resto, como resumiu Alexander Gabuev, um pesquisador russo exilado especialista
em China, os chineses “entendem que o momento é muito propício para enfiar a
Rússia mais fundo em seu bolso”.
Em 2022, as exportações de petróleo e gás
russo para a China quase dobraram. As exportações chinesas para a Rússia
cresceram 12,8%. No confronto da China com os EUA, que poderia ser acirrado por
hostilidades a Taiwan, a Rússia é fonte crucial de energia, tecnologia militar
e apoio diplomático.
Se o fim da guerra interessa pouco a Xi,
uma derrota russa interessa ainda menos. Ela pesaria a balança do poder em
favor dos EUA e da Otan e o que eles representam: a democracia liberal.
Concomitante às generalidades de Xi sobre a neutralidade da China, seus
diplomatas e a mídia oficial repercutem a narrativa de Putin de que a culpa
pela guerra é a expansão da Otan e o hegemonismo dos EUA. Se há tratativas para
o envio de armas à Rússia, são sigilosas, mas seriam uma alarmante inflexão na
estratégia de ambivalência da China.
Esse é só mais um ponto volátil no equilíbrio
de forças entre China e EUA. As perspectivas de uma estabilização nas relações
bilaterais após o encontro entre Xi e o presidente americano, Joe Biden, em
novembro passado foram, por ora, esvaziadas quando um balão de espionagem
chinês foi abatido nos EUA em fevereiro. Ainda assim, o mundo precisa
desesperadamente que as duas potências oxigenem sua comunicação e criem
anteparos para garantir competição e trocas no plano econômico, cooperação em
desafios globais (como as mudanças climáticas) e convivência no plano
geopolítico. Neste último ponto, a antiga guerra fria tem lições úteis a
oferecer. Mas o alinhamento entre Rússia e China não é alvissareiro.
Após a 2.ª Guerra Mundial, a aproximação
dos americanos à China para aprofundar seu cisma com a União Soviética foi
fundamental para encerrar a guerra fria. Agora, mesmo que a parceria entre
China e Rússia não seja “sem limites”, como alegam, é cada vez mais estreita.
Ao mesmo tempo, é cada vez mais distante de uma “amizade” entre iguais e cada
vez mais próxima à relação entre um suserano – uma China menos preocupada com
as “reformas e aberturas” econômicas das últimas décadas do que com “segurança
e controle” geopolíticos – e um vassalo – uma Rússia com ambições de restaurar
um império eslavo. Isso só aproxima o mundo de uma 3.ª guerra mundial. Evitá-la
a qualquer custo é o grande desafio desta geração.
Mais médicos onde eles são necessários
O Estado de S. Paulo
Não faltam médicos. Desafio é estimulá-los a ir cuidar dos cidadãos há muito esquecidos nos rincões do Brasil
A Constituição de 1988 trouxe avanços em
muitas áreas, mas em poucas representou um salto civilizatório como na área da
saúde. Até a sua promulgação, os serviços de saúde eram tratados no País sob a
lógica mercantil, vale dizer, eram vistos como produtos – aos quais,
evidentemente, a maioria da população não tinha acesso. Ao passar a tratar a saúde
como direito de todos e dever do Estado (art. 196), a Constituição promoveu uma
revolução no setor. Dois anos depois, esse primado humanista se materializou na
criação do Sistema Único de Saúde (SUS).
Sem prejuízo do reconhecimento de suas
inolvidáveis qualidades – a pandemia que o diga, apenas para citar um exemplo
ainda vivo na memória coletiva –, o SUS, mais de três décadas após seu advento,
ainda tem deficiências que precisam ser superadas para que, de fato, todos os
brasileiros tenham acesso à saúde, como lhes garante a Constituição. O
subfinanciamento do sistema é a principal delas.
Se o governo Lula da Silva trabalhar bem,
duas outras carências do SUS – a má distribuição de médicos pelo território
nacional e a baixa oferta de serviços especializados – poderão ser supridas
pelo novo programa Mais Médicos, lançado oficialmente pelo Ministério da Saúde
no dia 20 passado.
De acordo com a ministra da Saúde, Nísia
Trindade, o Mais Médicos reformulado privilegiará a contratação de médicos
formados no Brasil, além de promover ações de estímulo à permanência desses
profissionais em áreas remotas ou periféricas do País. Entre as políticas de
retenção anunciadas estão o pagamento de bônus aos médicos que se dispuserem a
trabalhar onde ninguém quer e a facilitação de ingresso em programas de
especialização, com apoio de centros de excelência em medicina. Uma das razões
alegadas por médicos brasileiros que desistiram do Mais Médicos era justamente
a ausência de meios para sua qualificação profissional.
Em uma segunda fase, o novo Mais Médicos
também promoverá a presença de especialistas em pontos remotos ou periféricos
do País. A Medicina de Família e Comunidade, sem dúvida, é uma especialidade
relevantíssima, mas, por óbvio, não dá conta de cobrir a miríade de serviços de
saúde necessários nessas localidades.
Tal como foi apresentado, o novo Mais
Médicos traz avanços significativos em relação ao modelo original do programa,
lançado por Dilma Rousseff em 2013. Àquela época, o foco não era atrair
brasileiros, era povoar os rincões do País com médicos cubanos. Pouco importava
se esses profissionais tinham condições para exercer a medicina, menos ainda o
tratamento que recebiam da ditadura de Cuba, interessada no acordo com o
governo brasileiro como fonte de financiamento de seu regime de exceção.
A falta de médicos deixou de ser um problema entre nós há tempos. Hoje, o País tem médicos em proporção similar à de países desenvolvidos, como EUA e Canadá (cerca de 2,6 por mil habitantes). O desafio é estimular esses profissionais a não se concentrar nos grandes centros e ir cuidar dos cidadãos que têm sido esquecidos nos rincões do Brasil.
Fed eleva juro e abrevia o aperto; BCB
mantém taxa
Valor Econômico
Segundo Powell, é possível que o que
parecia ser uma crise a caminho dos bancos seja um episódio isolado
Apesar das pressões do governo Lula, o
Banco Central manteve a taxa de juros em 13,75% e deu sinal tênue, no balanço
de riscos, de que pode reduzi-la, menos pelo ajuste fiscal prometido, que
ninguém sabe qual é, e mais por restrições ao crédito provocadas pelo aperto
monetário.
Apesar das turbulências no setor bancário
americano, o Federal Reserve aumentou os juros em 0,25 ponto percentual e
indicou que o ciclo de aperto monetário está perto do fim, com mais uma alta
possível em maio, da mesma magnitude, se tudo correr bem e novas ondas de
saques bancários não arruinarem seu cenário básico. Jerome Powell, presidente
do banco, foi claro e interrompeu a festa dos investidores que começava: não
cogita cortar juros este ano.
O Copom acrescentou aos fatores que
poderiam reduzir a taxa de juros a “desaceleração na concessão doméstica de
crédito maior do que seria compatível com o atual estágio do ciclo de política
monetária”. Também importante, substituiu um fator potencial de alta da
inflação, o “hiato mais estreito” do produto - sinal de que não há mais dúvida
sobre a direção da desaceleração da economia - pela desancoragem da inflação em
prazos longos. A inflação no cenário de referência subiu.
Já a decisão do Fed sobre os próximos
passos da política monetária foi a mais difícil e delicada nos últimos meses.
Powell havia sinalizado há pouco mais de duas semanas que o Fed caminhava para
um aumento do ritmo de aperto e altas sucessivas de juros. A quebra de três
bancos foi suficiente para que o Fed cogitasse encerrar as altas.
O comunicado da reunião de ontem não muda
muito a avaliação da economia - consumo e investimentos estão esfriando, mas o
mercado de trabalho continua quente e a inflação, muito elevada. Os efeitos da
guerra da Ucrânia deixaram de ser mencionados, dando lugar a possíveis efeitos
da quebra de bancos. O sistema financeiro, segundo o Fed, é seguro e
resistente, mas os fatos recentes “provavelmente resultarão em condições de
crédito mais apertadas para famílias e empresas e pesarão na atividade
econômica, no emprego e na inflação”.
Com base nesses efeitos, cuja extensão é
“incerta”, o Fed mudou sua principal orientação futura, de “aumentos contínuos”
para apenas um aumento adicional que leve a instância da política monetária a
ser “suficientemente restritiva”. O Fed tomou essa decisão por unanimidade. No
mapa do que os membros do Fomc esperam para o futuro, esse será o último
aumento de juros, levando a taxa terminal do ciclo a 5,25% - pelas sinalizações
anteriores, ela poderia ir mais longe, até 6%. Dez dos 18 membros do comitê
previram esta taxa, enquanto mais 3 queriam levá-la a 5,5% e outros 3, a 5,75%.
O cenário mediano do comitê mudou pouco. O PIB
este ano será de 0,4%, o desemprego, 4,5% (4,6% na projeção de dezembro), a
inflação, medida pelos gastos pessoais de consumo, será maior (3,3% agora, ante
3,1%), assim como seu núcleo (3,6% ante 3,5%). A mediana dos juros em 2023 não
variou, mas cairão um pouco mais devagar em 2024 (4,3% ante 4,1%).
Em entrevista, Powell disse que as
condições financeiras já estão mais apertadas do que aparecem nos índices e que
isso tem o mesmo efeito de um aumento de juros pelo Fed. Relatório do Goldman
Sachs estima que essa restrição pode equivaler a algo como 0,25 a 0,5 ponto de
alta nos fed funds, enquanto outros analistas projetam algo mais intenso, em
torno de 1,5 ponto.
Qual será a extensão e a duração da piora
das condições financeiras é impossível saber, disse Powell. Mas o peso das
instituições de médio e pequeno porte nos EUA é relevante, em especial no
financiamento de imóveis comerciais (perto de 80%), que certamente se
contrairá. Elas concentram cerca de 40% dos ativos do sistema financeiro.
Segundo Powell, o futuro segue cheio de
incertezas. Uma das possibilidades é que o que parecia ser uma crise importante
dos bancos seja só um episódio isolado e as restrições financeiras,
temporárias. Então, com uma inflação ainda alta, o Fed precisaria usar mais os
juros para levá-la à meta de 2%.
A outra possibilidade é que os abalos no
sistema financeiro sejam intensos e desaqueçam muito a economia, o mercado de
trabalho e a inflação, de forma que só mais um aumento nos juros complete o
serviço de derrotar a inflação. Por isso, as decisões dependentes dos dados
continuam obrigatórias na orientação futura. Mas, a julgar pelas reviravoltas
seguidas em poucos meses, esse roteiro será modificado pela realidade.
Russia, peão chinês.
ResponderExcluirDifícil comentar uma bobagem dessa sem perder as estribeiras ou pensar na real vassalagem mundial ao poderio americano como sempre seguiu esse jornal. O engraçado dos liberais é que eles defendem a "competição" desde que nao entre em jogo novos adversários, pq senao titio sam pega a bola e diz que a bola é dele e vai embora. A liberais.... livre mercado e soft power só se atenderem os seus propósitos não?