Novo alerta do IPCC não deve ser ignorado
O Globo
Constatação de que meta de 1,5°C se tornou
improvável torna ainda mais urgente combate à emissão de gases
Os relatórios do Painel Intergovernamental
sobre Mudanças Climáticas (IPCC) sempre têm um ar de déjà-vu. A mensagem dos
cientistas reunidos pela ONU se repete: as emissões globais de gases do efeito
estufa continuam aumentando, e o controle do aquecimento global é cada vez mais
difícil. De tanto ouvi-la, alguns já não a escutam, nem refletem mais sobre
ela. É um erro.
O documento divulgado nesta semana merece
destaque por trazer uma projeção nova: a temperatura média mundial
provavelmente estará 1,5 °C mais quente em relação ao período pré-industrial já
na metade da próxima década. Os atuais eventos climáticos extremos são
decorrência do aquecimento registrado até agora, de 1,1 °C. Em cerca de 12
anos, a frequência e a gravidade de secas e temporais serão muito maiores. O
que está ruim vai piorar.
Mas a constatação de que o objetivo de 1,5°C já não é alcançável não deve ser paralisante. Ao contrário. A marca de 1,5°C ganhou peso simbólico em razão das negociações realizadas em Paris, em 2015. A maioria dos grandes países estava disposta a assinar um documento se comprometendo a limitar o aquecimento a um patamar inferior a 2°C até o final do século. Por pressão de uma aliança de pequenas ilhas que correm o risco de desaparecer com a alta no nível dos oceanos, a versão final recebeu um adendo. Ficou acertado que a meta seria ficar abaixo de 2 °C, mas esforços seriam empenhados para limitar o aquecimento a 1,5 °C.
A partir de Paris, a marca menor tornou-se
uma referência. Em 2018, o IPCC elevou seu status ao publicar estimativas sobre
os impactos de um aumento de 1,5 °C ou de 2 °C. Apenas no quesito
biodiversidade, no patamar mais alto a perda de espécies de vertebrados e
plantas era o dobro, a de insetos o triplo e a de recifes de corais quase
total.
Embora a resposta da maioria dos países até
agora seja claramente insuficiente, diversas iniciativas ainda poderão ganhar
corpo e limitar a alta da temperatura. No Brasil, o governo está disposto a
combater o desmatamento ilegal na Amazônia, e países ricos parecem ter
percebido que terão de pagar parte da conta ao ajudar a promover o bem-estar
dos milhões de brasileiros que vivem na região da floresta. Nos Estados Unidos,
o presidente Joe Biden deu início a uma transição para a energia limpa, com a
expansão do mercado de carros elétricos. China e Índia investem maciçamente em
fontes renováveis, e a Europa está se adaptando após o choque energético
provocado pela interrupção de fornecimento de gás e petróleo russo.
Para que se limite o aquecimento global na
medida necessária, algumas ideias precisam ser postas no devido contexto. Uma
delas é a noção de que a tecnologia necessariamente nos salvará. As técnicas de
captura de carbono ainda são incipientes. Seria uma irresponsabilidade tremenda
confiar que, sozinhas, tirarão da atmosfera os gases deletérios. A indiferença
da opinião pública também precisa ser combatida. Ao contrário da impressão
transmitida pela leitura dos relatórios do IPCC, a guerra não está perdida. É
óbvio e sempre bom lembrar que 1,6 °C ou 1,7 °C continuam sendo metas mais
atraentes que 1,8 °C e 1,9 °C.
Mexer por decreto no Marco do Saneamento
representa retrocesso
O Globo
Setor teme intervenção de Lula para
satisfazer interesses de Lira e de prefeituras do Nordeste
São preocupantes os riscos que ameaçam o
Marco do Saneamento Básico, aprovado há três anos pelo Congresso para tirar o
Brasil da situação vexaminosa em que 100 milhões não têm acesso à rede de
coleta de esgotos e 35 milhões não recebem água tratada.
Esperava-se que os debates exaustivos e a
aprovação do novo marco no Congresso houvessem inaugurado uma nova era no
saneamento básico brasileiro, em que a modernização ocorreria por meio de
licitações e concessões a empresas privadas. O maior avanço aconteceu no Rio de
Janeiro, onde a área coberta pela Cedae foi dividida em quatro regiões
leiloadas com enorme sucesso. Mas o setor teme que um decreto assinado pelo
presidente Luiz Inácio Lula da Silva imponha um freio à participação da
iniciativa privada.
Os maiores focos de resistência ao novo
marco estão no Nordeste, onde prefeitos de cerca de 800 municípios não se
conformam em não poder mais renovar contratos com empresas estaduais de
saneamento, em geral firmados sem a fixação de metas de melhorias a cumprir, como
estabelece a nova legislação para as concessionárias.
Eles encontraram um porta-voz de peso no
presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que defende “ajustes” na legislação
para evitar a “judicialização” de contratos. Ao primeiro comentário de Lira, as
concessionárias privadas que ganharam licitações, comprometendo-se com
investimentos de R$ 50 bilhões e desembolsando em outorgas mais de R$ 30
bilhões, passaram a atuar na defensiva.
O setor privado tem feito alertas para que
o governo não use um decreto presidencial como forma de alterar a lei, já que
isso inevitavelmente levará a questionamentos judiciais. Os prefeitos, porém,
esperam que o decreto permita restabelecer contratos rentáveis. É sintomático
que a prefeitura de João Pessoa tenha acabado de assinar contrato de concessão
de 30 anos com a Companhia de Águas e Esgotos da Paraíba (Cagepa) sem
licitação, contra o que estabelece a lei. O caso já foi levado ao Supremo
Tribunal Federal pelas concessionárias privadas. Pela legislação, a empresa não
poderá ter acesso a recursos de instituições financeiras federais.
O lobby dos prefeitos e das empresas
estaduais de saneamento em favor do decreto de Lula passa pelo ministro-chefe
da Casa Civil, Rui Costa, e tem amplo apoio do PT, contrário ao Marco do
Saneamento. A assinatura de um decreto presidencial mexendo nas regras
aprovadas pelo Congresso porá em risco a meta de, até 2033, levar água potável
a 99% da população e tratamento de esgoto a 90%. Como consequência, o Brasil se
beneficiaria da melhoria no rendimento escolar de crianças e da queda na
pressão sobre o sistema público de saúde. Mas, aparentemente, o governo eleito
com o discurso de favorecer os pobres prefere mantê-los em condições típicas do
século XIX a trazê-los ao século XXI.
Folha de S. Paulo
Com regra fiscal adiada, presidente
alimenta falatório e dúvidas sobre rumos
Para a sorte do país, Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) não converte em atos de governo todas as disparates econômicas que
propaga com regularidade —ou até seria difícil saber o que esperar de um presidente
capaz de dizer que "livros de economia estão superados".
Em casos mais palpáveis, Lula atacou as
metas de inflação, mas não usou seu poder para alterá-las; diz que a
responsabilidade fiscal é inimiga da responsabilidade social, mas autorizou seu
ministro da Fazenda a buscar medidas para atenuar o déficit do Tesouro.
O ministro da Previdência foi desautorizado
quando falou em rever a reforma da aposentadoria. Reverteu-se, isso sim, sua
tentativa desastrada de baixar na
marra os juros dos empréstimos consignados para beneficiários
do INSS.
Nas medidas não se vê, ao menos até aqui, a
convicção arrogante que Lula exibe quando fala a plateias e entrevistadores
amigáveis —ou seria ainda maior o estrago que já provocou nos juros de mercado
com afirmações impensadas.
No governo, o feudo das velhas ideias do PT
e do dito desenvolvimentismo foi instalado no BNDES, que na segunda (20)
promoveu seminário para contestar a austeridade orçamentária e as taxas de
juros do Banco Central.
Não há clareza sobre qual será a resultante
desse jogo de pressões —e a misteriosa regra de controle do gasto público
recém-proposta pela Fazenda ao Planalto por ora só alimenta as dúvidas. Como se
anunciou nesta terça, a
divulgação do texto foi adiada, supostamente para mais debates internos.
Do lado político, petistas dizem temer que
um aperto fiscal e monetário provoque uma recessão que derrubará a aprovação
popular ao governo. O cálculo se baseia em premissas equivocadas.
O Brasil tem gasto público alto para
padrões globais e, pelo que se projeta, registrará neste ano um dos déficits
orçamentários mais elevados entre as principais economias ricas e emergentes.
Não é por falta de despesa do governo que o PIB está em desaceleração.
Os juros subiram para conter a inflação,
aqui e no mundo. A taxa nacional de 13,75% ao ano constitui uma anomalia, é
verdade, e um dos motivos principais é justamente o desequilíbrio fiscal.
Reduzir os juros decerto favorece o
crescimento econômico, mas não é condição suficiente, nem eficaz se mal
conduzida. Recorde-se que, no primeiro governo Lula, a Selic chegou a 26,5% e
não caiu abaixo de 13,25%, e o PIB teve bom desempenho. Já sob Dilma Rousseff
(PT), a queda forçada a 7,25% resultou em inflação que levou à escalada
recessiva da taxa para 14,25%.
São lições que PT e Lula deveriam ter
aprendido com a prática, mesmo rejeitando os livros de teoria.
Violência no RN
Folha de S. Paulo
Governo federal acerta ao usar Força
Nacional para conter ataques criminosos
Um rastro de
terror se espalhou pelo Rio Grande do Norte ao longo da última
semana, quando criminosos perpetraram perto de 300 ataques indiscriminados em
mais de 20 cidades potiguares.
A onda de violência, que incluiu investidas
incendiárias contra veículos, depredação de patrimônio público e privado e
disparos de tiros ao léu, instilou medo na população dentro de suas próprias
casas e prejudicou as rotinas municipais, com suspensão de aulas e paralisação
de diversos serviços.
Seria, segundo o Ministério Público, o
fruto podre de uma aliança entre facções criminosas para reivindicar
mudanças nas condições carcerárias do estado. De fato, inspeção
realizada no fim do ano passado identificou a prática de tortura contra detentos
em prisões potiguares, para nada dizer do déficit de mais de mil vagas no
sistema.
Ainda que se confirme a hipótese da
Promotoria, ela não justifica a reação bárbara dos facínoras —e ao Estado não
resta opção senão contra-atacar com firmeza e velocidade, a fim de restabelecer
a ordem pública o quanto antes e assegurar a punição dos responsáveis.
Foi decerto no afã de realizar esse
desiderato que o senador Styvenson Valentim (Podemos-RN) apresentou um
requerimento cobrando o envio das Forças Armadas ao Rio Grande do Norte, por
meio de uma missão de Garantia da Lei e da Ordem —a famigerada GLO.
O pedido, no entanto, encontrou a objeção
de Flávio Dino. Com razão, o ministro da Justiça ponderou que o emprego de
fardados deve ser visto como espécie de remédio extremo para situações de
colapso das demais tropas de segurança, o que está longe de ser o caso.
As Forças Armadas, vale lembrar, não têm
vocação para cuidar da segurança pública. Utilizá-las amiúde no papel de
polícia representa um duplo risco: o de abusos contra civis e o de cooptação de
militares pelas facções criminosas.
Recorrer à Força Nacional, como fez Dino, é
a melhor solução para episódios como esse. Composta sobretudo por policiais
estaduais, a tropa tem mais expertise no trato de questões urbanas.
De acordo com o ministro da Justiça, o
reforço federal montou a mais de 700 agentes. Além disso, pelo menos dez
detentos foram deslocados para presídios federais.
As iniciativas devem bastar para devolver a paz às ruas potiguares e para apertar o cerco sobre os líderes que, estando dentro ou fora do cárcere, ordenaram os ataques.
O mistério sobre a âncora fiscal
O Estado de S. Paulo.
Lula adia a revelação do substituto do teto
de gastos, mas, a julgar pelo palavrório dos petistas, o problema não é a
proposta, mas a existência de qualquer limite para conter gastos
A julgar pelo palavrório, o problema não é
a proposta, mas a existência de qualquer limite para conter gastos.
Opresidente Luiz Inácio Lula da Silva
decidiu adiar o anúncio da âncora fiscal que substituirá o teto de gastos. A
proposta, apresentada a Lula na semana passada pelo ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, deve permanecer cercada de segredo até abril, depois que o presidente
e sua equipe voltarem de uma viagem oficial à China. Na avaliação de Lula, não
há motivo para precipitar esse debate. “A gente não tem que ter a pressa que
algumas pessoas do setor financeiro querem. Eu vou fazer o marco fiscal, eu
quero mostrar ao mundo que tenho responsabilidade”, disse ele, em entrevista ao
portal Brasil 247.
A cautela demonstrada por Lula a respeito
da proposta não é, em si, um problema. A âncora fiscal que norteará as ações do
governo ao longo dos próximos quatro anos precisa ser bastante debatida antes
de entrar em vigor. A experiência prévia do teto de gastos mostrou que
simplicidade e clareza não são suficientes para garantir a credibilidade do
arcabouço. Fixar a regra na Constituição não assegurou sua perenidade. Ao contrário:
o teto de gastos foi sistematicamente desrespeitado como se a emenda
constitucional que o criou fosse uma nota de rodapé, daquelas que se pode
ignorar numa leitura rápida.
O teto foi criado para ser um recurso que
encaminhasse o País na direção de reformas estruturais capazes de rever o
volume e a rigidez do gasto público. Os artifícios usados para driblar o
acionamento dos gatilhos em sua curta vida não deixam dúvidas de que ele
fracassou. O objetivo que guiou sua elaboração, no entanto, continua muito
atual: “reverter, no horizonte de médio e longo prazo, o quadro de agudo
desequilíbrio fiscal em que nos últimos anos foi colocado o governo federal”,
como diz a Exposição de Motivos da Proposta de Emenda à Constituição (PEC)
55/2016, que deu origem ao teto.
Há muitos meios de se chegar a um mesmo
fim, e um amplo debate costuma expor os diferentes caminhos capazes de conduzir
a ele. Mas o que parece é que não há, no governo, unidade em torno deste fim.
Pouco se sabe sobre a proposta de Haddad, a não ser o fato de que ela pretende,
com base em parâmetros como o crescimento econômico e a trajetória da dívida
pública, limitar o avanço das despesas em momentos de crescimento econômico e
manter os investimentos em períodos de desaceleração. Subjaz à âncora a intenção
pública anunciada pelo ministro, ainda em janeiro, de reduzir o déficit do
Orçamento deste ano a R$ 100 bilhões e de zerar o déficit em 2024.
Ainda é uma incógnita saber se o arcabouço
conseguirá cumprir esses objetivos, mas a mera existência dessas metas foi
suficiente para que parte da cúpula do governo e de membros do PT tenha
decidido boicotá-lo já no nascedouro. Só isso explica a súbita urgência que
ganhou o lançamento do novo marco para as Parcerias Público-Privadas (PPPs),
único tema que teria sido levantado pelo ministro da Casa Civil, Rui Costa,
durante as quase três horas em que a proposta foi apresentada por Haddad a
integrantes do governo.
A cobrança pelo marco das PPPs, na
avaliação da ala política, seria uma forma de impedir que a nova âncora reduza
o nível de investimentos e limite o crescimento econômico. Mas a lógica está
invertida. Se há algo que pode contribuir muito com esses objetivos é
justamente um arcabouço fiscal crível, estável e capaz de reduzir o déficit
fiscal no médio prazo e de ancorar expectativas sobre a inflação e os juros
futuros no curto prazo, de forma a criar condições para o Banco Central reduzir
a Selic e, consequentemente, ampliar o retorno dos investimentos e o
crescimento econômico.
O que é lamentável é que o debate sobre a
âncora e as preocupações que alguns expoentes do governo e do PT têm exposto
não parece dizer respeito às suas regras, que podem ter alguma flexibilidade e
permitir ajustes a depender das circunstâncias, mas à existência de qualquer
limite para conter o avanço do gasto público. Se o objetivo é formular um
mecanismo que garanta a inclusão de toda e qualquer despesa no orçamento,
trata-se de um problema bem mais sério, pois remete a um modelo fracassado a
que o País já foi submetido no passado recente.
O paternalismo do Supremo
O Estado de S. Paulo.
Leis imperfeitas devem ser corrigidas pelo
Congresso, e não pelo Judiciário. Não é papel do STF alterar leis
constitucionais que, por alguma razão, exigem atualização ou retificação
À época de sua aprovação pelo Congresso, o
Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) foi internacionalmente celebrado como
uma legislação prudente e equilibrada, que protegia os princípios fundamentais
do bom funcionamento da internet: a liberdade de expressão, a privacidade dos
usuários e a neutralidade da rede. Tornou-se célebre o apoio do cientista
britânico Tim Berners-Lee, criador da rede mundial de computadores (World Wide
Web), ao texto da lei brasileira. “Finalmente um projeto de lei reflete como a
internet deve ser: uma rede aberta, neutra e descentralizada, em que os
usuários são o motor para a colaboração e inovação”, disse Berners-Lee.
Os anos passaram e hoje o art. 19, um dos
dispositivos que eram sinônimo de ponderação e equilíbrio, tem sido objeto de
intenso debate. Segundo a Lei 12.965/2014, o provedor de aplicações de internet
só pode “ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo
gerado por terceiros” se, depois de uma ordem judicial, não tomar as
providências devidas. A exceção são as violações da intimidade, com a
divulgação de “cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado”. Nesses
casos, não há a necessidade de ordem judicial. A empresa é obrigada a retirar o
conteúdo publicado após receber a notificação.
Com a experiência de quase uma década de
vigência, essa sistemática do art. 19 tem recebido críticas. A previsão de
irresponsabilidade das plataformas pelo conteúdo de terceiros – que vinha, como
a lei diz, “assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura” – estaria
favorecendo a circulação de conteúdos distorcidos, abusivos e mesmo criminosos.
O tema não é fácil. Qualquer estudo sobre a
regulação das redes sociais passa por avaliar os efeitos concretos do art. 19,
bem como os prós e contras de outros regimes possíveis de responsabilização das
plataformas digitais. Cabe ao Congresso, com as necessárias contribuições da
sociedade civil, realizar esse debate, estabelecendo o tratamento mais adequado
ao tema.
O que não pode ocorrer – constituiria
evidente usurpação de competências do Legislativo – é o Judiciário atribuir-se
o papel de revisor da legislação, avaliando se ela está adequada, se está
produzindo os efeitos esperados ou se existe alguma solução melhor. À Justiça
cabe fazer apenas o controle de constitucionalidade das leis, checando sua
conformidade com a Constituição.
Tal como foi constitucional durante todos
esses anos, o Marco Civil da Internet continua sendo plenamente constitucional.
Se hoje a Lei 12.965/2014 pode demandar alguma atualização ou retificação,
diante da experiência de seus anos de vigência, isso não a torna
inconstitucional, ou seja, não a torna sujeita à análise e a eventuais
alterações por parte da Justiça. A avaliação sobre a efetiva necessidade de
ajuste da lei e qual deveria ser a nova solução regulatória está no âmbito da
política, e não no do Judiciário. Cabe aos representantes eleitos decidir sobre
a adequação da legislação às circunstâncias atuais.
Evidente e cristalina, tal realidade tem
sido, no entanto, obnubilada por uma compreensão expansiva do controle de
constitucionalidade. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) anunciou
que realizará audiência pública para discutir as regras do Marco Civil da
Internet, em concreto o art. 19. Ora, isso é tarefa do Congresso.
Além de não ser sua competência, o STF não
fará outra coisa se entender que a análise da constitucionalidade de uma lei
inclui discutir e ponderar sobre sua adequação aos tempos presentes. Legislação
desajustada e ultrapassada é o que não falta no País. Mas o Legislativo é quem
deve fazer esse trabalho de revisão.
Em toda essa história, há um problema de
compreensão não apenas das competências de cada Poder, mas da própria
cidadania. O Judiciário assume uma posição paternalista, como se fosse o
responsável por prover todas as soluções ao País. Ao invadir a esfera do
Legislativo, toma o espaço da política e, consequentemente, da própria
sociedade na determinação de seu destino.
A PEC da exploração da fé
O Estado de S. Paulo.
Já há muitas distorções da imunidade tributária sobre templos religiosos. Não é preciso criar outras
O presidente da Câmara dos Deputados,
Arthur Lira (PP-AL), enviou à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa
uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), de autoria do deputado Marcelo
Crivella (Republicanos-RJ), que amplia a imunidade tributária que hoje é
concedida aos templos religiosos no País. Essa PEC deve ser rejeitada no âmbito
da própria CCJ; caso não seja, que não prospere no plenário. Trata-se de um
engodo, uma desavergonhada tentativa de explorar a fé alheia e os recursos dos
contribuintes para enriquecer ainda mais algumas igrejas – principalmente os
seus líderes.
A Constituição de 1988 já proíbe a União,
os Estados e os municípios de instituir impostos sobre templos de qualquer
culto (art. 150, inciso VI, alínea b). É razoável que tenha sido esse o
entendimento do constituinte originário. Afinal, as religiões têm papel
fundamental na vida da grande maioria dos brasileiros. Seus templos, pois, são
locais de relevante interesse social, não econômico. Tributá-los poderia levar,
no limite, à extinção de denominações religiosas que não tivessem condições
financeiras de arcar com o custo, uma evidente contradição com a liberdade de
culto assegurada pela própria Constituição.
No entanto, o que pretendem o deputado
Marcelo Crivella, sobrinho do líder máximo da Igreja Universal do Reino de
Deus, Edir Macedo, e os mais de 350 deputados que assinaram a PEC é extrapolar
essa imunidade tributária sobre os templos para a aquisição de quaisquer bens
ou serviços “necessários à formação do patrimônio, à geração de renda e à
prestação de serviços” das instituições religiosas. Chega a ser acintoso.
O que está isento de tributação, à luz da
Constituição, é o livre exercício da fé. Os defensores da PEC argumentam, no
entanto, que as instituições religiosas não devem pagar impostos sobre a
construção e reformas dos templos, manutenção de escolas, creches ou asilos nem
tampouco sobre despesas correntes, como água e energia elétrica, sem falar na
aquisição de bens, como imóveis e veículos. Ora, todas essas atividades, por
mais louváveis que possam ser, vão além dos serviços estritamente religiosos
que são cobertos pela imunidade tributária vigente.
Caso a PEC seja aprovada tal como está na
CCJ, as instituições religiosas ficarão isentas de recolher ICMS, ISS e IPI ao
adquirir quaisquer bens e serviços que possam ser ligados à suposta atividade
espiritual. Por exemplo: o líder de uma determinada instituição religiosa
poderia adquirir um jatinho por um preço muito abaixo do que é cobrado de um
cidadão leigo alegando que a aeronave é imprescindível para sua presença diante
dos fiéis. A conta de energia das igrejas também seria muito mais baixa do que
as cobradas de outros estabelecimentos, criando no País uma distinção tributária
inconcebível entre cidadãos leigos e religiosos.
O que é isso senão a subversão do princípio fundante desta República, a igualdade de todos perante a lei? Hoje, já há muitas distorções ao texto constitucional. O País não precisa de outras.
Xi tenta moldar nova ordem global, visita
Putin e recebe Lula
Valor Econômico
Um alinhamento ideológico com Pequim seria
prejudicial ao Brasil, que sempre negociou com todos os países com
independência política e comercial
A China conseguiu um grande feito
diplomático, que pode ser um divisor de águas, ao mediar um acordo que
restabelece as relações entre dois países rivais cujas políticas dividem e
incendeiam o Oriente Médio: Irã e Arábia Saudita. Prospere ou não a iniciativa
- Riad e Teerã concordaram em reabrir embaixadas e reatar laços rompidos há 7
anos - ela é inédita para a China em uma região em que as relações políticas
dominantes eram determinadas pelos EUA e, em menor grau, pela URSS. O país
mudou e quer moldar o que chama de “novas relações internacionais”.
Após o acirramento da disputa geopolítica
entre EUA e China, iniciada com as sanções comerciais de Donald Trump, e
ampliadas pelo sucessor, Joe Biden, Pequim resolveu acelerar a formação de um
eixo de países não alinhados com os americanos. A base para isso foi, em
primeiro lugar, seu poder comercial, sobre a qual os chineses dão agora
tonalidades políticas. Ao longo das três últimas décadas, a China elevou suas
compras no Oriente Médio de 3% para 30%. É hoje o maior comprador de petróleo
do Irã e da Arábia Saudita e, desta última, o maior parceiro comercial.
Com a polarização e as intervenções
fracassadas dos EUA no Iraque, Líbia e Afeganistão, abriram-se flancos
vulneráveis nas relações de Washington na região. Isso já havia ficado evidente
na aliança entre a Síria do ditador Bashir Assad com a Rússia na sangrenta
guerra civil, onde a intervenção de Putin foi decisiva para a manutenção de
Assad no poder. Grande vendedor de armas para os tiranos da região, assim como
os EUA, que municiam a Arábia Saudita, a Rússia recuperou parte da influência
no Oriente Médio.
Irã, governado por xiitas, e Arábia
Saudita, por sunitas, sustentam uma disputa sangrenta no Líbano e, mais
recentemente, no Iêmen, onde o regime dos aiatolás fornece apoio aos houthis,
rebelados contra os sauditas.
O rompimento unilateral do acordo EUA-Irã
por Trump fez Teerã buscar apoio em outras partes, diante das sanções
americanas e aproximou-a da Rússia antes e, agora, da China. A Arábia Saudita,
um pilar de sustentação da ordem americana no Oriente Médio, ao lado de Israel,
coleciona dissabores recentes com Washington. Os EUA criticaram o assassinato
de um jornalista cujos rastros de autoria conduzem ao príncipe herdeiro
Mohammed bin Salman.
Salman tem projetos econômicos ambiciosos -
o principal é como usar as fortunas do segundo maior produtor de petróleo do
mundo para eliminar sua dependência dele - e poderio bélico suficiente para
ensaiar uma política menos alinhada com os EUA. Tem buscado armas na China.
No fim da reunião do Congresso Nacional do
Povo, Xi Jinping, que remodelou a burocracia do Estado e a cúpula do PC com
aliados fiéis, deu a linha futura - “participar ativamente da governança
global” e “adicionar estabilidade e energia positiva para a paz mundial”. Esses
votos vieram com a decisão de aumentar em 7% o orçamento militar do país, o
segundo maior depois do americano.
Após apresentar um plano de paz para cessar
a guerra na Ucrânia que favorece a Rússia, Xi Jinping se reuniu com Putin e
promete falar com Volodymyr Zelenski. A dependência russa do apoio de Pequim
torna a China o país com maior poder político para convencer Putin a aceitar a
paz. Assim como a rivalidade com os EUA criou um clima político para a
investida de Xi contra dissidentes reais ou potenciais no PCC e no Estado,
incentivou ao mesmo tempo a ofensiva diplomática para consolidar-se como
potência rival dos EUA.
Não há como a China colocar sua diplomacia
nessa altura sem romper com o isolacionismo que foi sua marca até há pouco. Apesar
dos tentos iniciais, a China terá de vencer a falta de tradição de uma
diplomacia ativa para atingir objetivos ambiciosos. Uma das vantagens de
relacionar-se com a China até agora se baseou em sua não ingerência nas
políticas domésticas dos países com os quais faz negócios. Ao engajar-se contra
os EUA, isto pode mudar.
A viagem de Lula à China dará pistas das
intenções chinesas. O Brasil não se alinha aos EUA, logo pode ser um aliado
importante na região que já foi o “quintal” americano. Ambos, mais a Rússia, se
reúnem nos Brics, que pode se tornar, por iniciativa chinesa, e oposição da
Índia, um bloco de oposição à política americana. Um alinhamento ideológico com
Pequim seria prejudicial ao Brasil, que sempre negociou com todos os países com
independência política e comercial.
Bom jogo de xadrez político.
ResponderExcluirLula pode surpreender.
Valor Econômico
ResponderExcluir"Um alinhamento ideológico com Pequim seria prejudicial ao Brasil, que sempre negociou com todos os países com independência política e comercial."
Nem sempre foi verdade. Bolsonaro se jogou no colo do trump. Todos vimos.
Ah, e no colo continua; estamos vendo a ânsia do genocida de com ele se reunir (e no colo continuar, claro).
O Dudu bananinha também gostava do colinho do Trump... Papai bananão queria indicar o bolsonarinho como EMBAIXADOR nos EUA porque o nanico era amiguinho da família Trump!
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