quarta-feira, 22 de março de 2023

Lu Aiko Otta - A China no plano de voo do governo

Valor Econômico

Avaliação interna é polarização política segue forte e que a classe média brasileira é como os “swing states” nos Estados Unidos: oscila entre os extremos políticos e define eleições

A China, destino para o qual o presidente Luiz Inácio Lula da Silva embarca neste sábado, é peça essencial do plano de voo que o governo traçou para a economia neste ano.

Negócios com o país asiático serão o principal fator de animação do Produto Interno Bruto (PIB), na leitura do Ministério da Fazenda. Virá deles o contraponto ao quadro doméstico de desaceleração da indústria e dos serviços, enfraquecidos pelos juros altos.

O mercado chinês será destino de parte da safra recorde de 298 milhões de toneladas de grãos que se espera colher por aqui, com impacto positivo na atividade já no primeiro trimestre do ano. Além disso, a China deverá consumir mais minério de ferro, agora que sua perspectiva de crescimento é de 5,3%.

O reforço nas relações com o país asiático remete ao ciclo de commodities ocorrido no início deste século. Mas agora o governo vê à frente um desempenho moderado. Este ano, o PIB brasileiro avançará 1,6%, nas contas da Secretaria de Política Econômica (SPE).

O avanço será de 2,34% em 2024, já contando com alguma aceleração decorrente do corte na taxa de juros básica da economia, a Selic. Para 2025, a expectativa é de 2,76%. E em 2026, último ano do atual mandato presidencial, espera-se 2,42%.

Para comparar: no primeiro mandato de Lula, o PIB cresceu 1,1% no primeiro ano e depois começou o “espetáculo”: 5,8%, 3,2%, 4%. No segundo mandato: 6,1% e 5,1%, até que veio a crise. Em 2009, na chamada “marolinha”, o PIB recuou 0,1%. No ano seguinte, registrou 7,5%.

Neste terceiro mandato, ao lado da China, o mercado interno será suporte do PIB.

Aumentos reais para o salário mínimo, Desenrola, aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda (IR) e retomada do Minha Casa Minha Vida e do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) são exemplos de políticas nessa direção.

Está em preparação um pacote de medidas para estimular o crédito. Além disso, foi aprovada ontem pelo Congresso Nacional uma medida provisória (MP) editada pelo governo passado que amplia de quatro para seis anos o prazo de pagamento dos empréstimos do Pronampe, e estabelece carência de 12 meses.

Após os cem dias do atual mandato, Lula quer anunciar medidas para a classe média: isenção do IR até R$ 5 mil e um novo programa habitacional, segundo informou à “TV 247”.

Internamente, avalia-se que polarização política segue forte e que a classe média brasileira é como os “swing states” nos Estados Unidos: oscila entre os extremos políticos e define eleições. Assim, é um grupo a ser conquistado para a prometida reunificação do país.

Todas essas políticas de estímulo passam pelo Orçamento, e é aí que está o nó desta semana: a reação de Lula à proposta elaborada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para um novo arcabouço fiscal.

O presidente não deu o sinal verde quando lhe foram explicados os detalhes, na sexta-feira. E decidiu que a divulgação será em abril.

Assim, o clima ontem em torno de Haddad era de fritura em fogo brando. Em parte, porque ele próprio alimentou a expectativa de anúncio nesta semana. Em parte, porque ficou claro que houve ressalvas da equipe de governo. Em parte, porque o “fogo amigo” se intensificou.

No último sábado, a presidente do PT, Gleisi Hoffman, escreveu em suas redes sociais que, a ser verdade o crescimento modesto previsto pelo governo para 2023, é hora de aumentar investimentos públicos e gastos sociais. Fazer uma política fiscal expansionista e contracíclica, defendeu.

Nesta semana, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) realizou um seminário em que foram apresentadas ideias na mesma linha defendida por Gleisi. Como mostrou o Valor, o professor da Universidade Columbia Jeffrey Sachs afirmou não ser este um momento para austeridade fiscal, e sim de investimentos em infraestrutura e capital humano.

Em entrevista ontem à GloboNews, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, tratou de pôr panos quentes: elogiou Haddad e disse que faltam detalhamentos técnicos.

Um deles se refere aos gastos com saúde e educação, contou. As regras de dispêndios mínimos nessas duas áreas, anteriormente estabelecidas na Constituição, não estão mais em vigor. Foram suspensas pelo teto de gastos. Dado que o novo arcabouço vai substituir o teto, é preciso detalhar como o novo regime tratará essas despesas.

Lula vem repetindo que saúde e educação não são gastos, e sim investimentos. E que o arcabouço fiscal precisa ter cuidado com isso.

No que parece ser uma forma de contornar as preocupações do presidente, passou-se a avaliar o anúncio de um novo marco legal para Parcerias Público-Privadas (PPPs) junto com a nova regra fiscal. Como já foi dito neste espaço, a fronteira de expansão desse mecanismo está em creches, escolas, unidades de saúde, aluguel social.

O problema, disse Costa à GloboNews, é o custo de capital. Não há PPP ou concessão que se sustente com uma taxa de juros de 13,75%.

Ataques ao atual nível da taxa Selic foram a tônica também no seminário do BNDES. Críticas partiram de vários palestrantes, do vice-presidente Geraldo Alckmin ao Nobel de Economia Joseph Stiglitz.

O próprio Haddad disse na semana passada que a taxa Selic tem “gordura” para ser cortada. A tensão no mercado financeiro internacional reforçaria a falta de espaço para apertos na política monetária no mundo.

No entanto, a aposta majoritária dos analistas de mercado é que o Banco Central manterá a Selic em 13,75% em sua reunião de hoje.

Tudo indica que o ajuste fiscal buscado por Haddad vai se apoiar em crescimento econômico, fortalecimento da arrecadação e juros menores, mais do que em regras draconianas para conter despesas. Resta saber se o desenho será capaz de criar nos agentes econômicos a confiança de que o endividamento público está e estará controlado. Num quadro assim, enfraquecer o ministro da Fazenda não parece uma boa estratégia.

 

3 comentários:

  1. O Nobel de Economia Joseph Stiglitz disse que é CHOCANTE a taxa da Selic em 13,75%, a maior do mundo! Aqui, boa parte dos colunistas, papagaios do mercado, a maioria com parcos (ou porcos) conhecimentos econômicos, defende o bolsonarista presidente do BC e sua decisão de manter congelado este índice.

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  2. Já ouvi economista dizendo que o Nobel de Economia não entende nada de política de juros.Sei lá!

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