Novo marco fiscal será teste decisivo para Haddad
O Globo
Ministro da Fazenda promete levar a Lula
nesta semana as regras que definirão sua política econômica
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad,
voltou a prometer ontem que entregará a proposta de um novo marco fiscal ao
presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda nesta semana. Se cumprir a promessa,
será um passo decisivo para o governo conquistar credibilidade na política
econômica, área em que, até agora, confundiu muito e fez pouco. Lula faria bem
caso anunciasse as novas balizas fiscais que seu governo propõe antes de
embarcar para a China no final deste mês.
Quando a proposta se tornar pública, será
avaliada com base na seguinte pergunta: estabelece uma regra confiável para a
gestão da dívida pública no médio e longo prazos? Só uma resposta afirmativa —
e não o falatório inconsequente de Lula e de caciques do PT contra a
independência do Banco Central (BC) — permitirá que os juros caiam de forma
consistente. Até parece que os juros não caem porque o presidente do BC não
quer. É um disparate.
Não há mais tempo a perder. Será uma irresponsabilidade atrasar ainda mais medidas urgentes como as regras fiscais e a reforma tributária. O país deve se antecipar aos eventuais solavancos da economia mundial, como a quebra do americano Silicon Valley Bank (sobre isso, Haddad informou estar atento).
Pelo menos o governo conta com um ministro
da Fazenda que tem demonstrado bom senso. Seu diagnóstico — correto — é que o
Brasil precisa fazer a economia crescer e ser menos desigual. Nas últimas
quatro décadas, o crescimento do PIB tem ficado consistentemente abaixo da
média mundial. “A gente é campeão de perder tempo”, afirmou no evento “E agora,
Brasil?”, organizado pelo GLOBO e pelo Valor Econômico. Infelizmente, essa
perda de tempo se deve à visão equivocada que a classe política tem demonstrado
sobre nossas mazelas, sobretudo — mas não apenas — o PT e a esquerda.
Tanto no marco fiscal quanto na reforma
tributária, a incerteza recai sobre os detalhes. É na hora em que as propostas
adquirem forma concreta que surgem os problemas. Em especial no caso dos
impostos, será inaceitável piorar um sistema que já é péssimo. Mas há tantos
interesses e privilégios afetados, que será impossível não haver oposição a
qualquer proposta. Haddad declarou estar aberto ao diálogo, desde que os
ajustes não desvirtuem a essência da reforma: simplificação e transparência.
Pelo que ele disse, os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da
Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sabem da importância de aprovar uma reforma
tributária capaz de destravar o crescimento e terão um “protagonismo essencial”
nos próximos meses.
Questionado sobre política monetária,
Haddad demonstrou sobriedade — ao contrário do que tem feito Lula. Afirmou
haver “gordura” para baixar a Selic, sem transformar isso num cavalo de
batalha. Quanto à revisão das metas de inflação, defendeu uma discussão técnica
“sem ruído e com tranquilidade”. É uma posição sensata. O mais importante foi
ele ter afirmado não ter compromisso com dogmas, nem estar numa disputa para
ver quem tem a melhor ideia. Haddad disse querer apenas “acertar o máximo
possível”. Só é preciso ver se Lula deixará.
Vacina recém-aprovada contra a dengue
deveria ser incluída no SUS
O Globo
Brasil registrou em 2022 recorde de mortes
pela doença. Combatê-la exige atenção das autoridades
A aprovação, pela Anvisa, de uma nova
vacina contra a dengue é um passo fundamental para o Brasil combater a doença,
que há décadas fustiga a população e desafia autoridades sanitárias. Aplicada
em duas doses, a Qdenga, da farmacêutica japonesa Takeda, protege contra os
quatro tipos de dengue e, de acordo com a fabricante, tem eficácia de 80% para
prevenir casos leves e de até 95% contra hospitalizações e mortes. O uso,
recomendado para a faixa de 4 a 60 anos, já havia sido aprovado na União
Europeia.
No ano passado o Brasil registrou 1.016
mortes por dengue, 316% acima de 2021 e o recorde desde o ressurgimento da
doença nos anos 1980. Os casos em 2022 passaram de 1,4 milhão. A alta é
explicada pela temperatura elevada, combinada às chuvas; pela pandemia, que
prejudicou o combate a focos do mosquito transmissor da doença, o Aedes
aegypti; e pela sazonalidade. Nada indica que neste ano a situação melhorará.
De acordo com os números mais recentes, em janeiro e fevereiro houve aumento de
46% nos casos, em relação ao mesmo período de 2022.
Antes da Qdenga, a Anvisa já licenciara
outra vacina, a Dengvaxia, do laboratório Sanofi. Mas ela não é usada em larga
escala. Aplicada em três doses, é recomendada apenas para quem já foi infectado
e esteja na faixa de 9 a 45 anos. Não está disponível no SUS, apenas em
clínicas particulares. O Instituto Butantan, em São Paulo, também desenvolve
sua vacina de dose única contra a dengue. Os estudos estão na fase 3, e a
expectativa é que os resultados sejam submetidos à Anvisa até o ano que vem.
O importante agora é incorporar a nova
vacina já aprovada ao Programa Nacional de Imunizações (PNI), para que possa
ser oferecida gratuitamente no SUS. Segundo o Ministério da Saúde, antes ela
terá de passar pelo crivo da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias
no Sistema Único de Saúde (Conitec). Espera-se que a burocracia não atrase sua
chegada a quem precisa.
Um dos principais desafios no combate à
dengue é que ele depende não só do Ministério da Saúde, de estados e de
prefeituras, mas também da população. Em geral os focos do mosquito se
concentram em residências ou áreas próximas e exigem ação constante. Nisso os
três níveis de governo têm falhado. Por reduzir a circulação do vírus, a vacina
ajudará a lidar com o desafio.
Convencer os brasileiros a tomar mais uma vacina é sempre difícil. Para isso existem campanhas de publicidade e outras estratégias. Nem todos precisarão tomá-la. De posse dos dados disponíveis sobre incidência, casos e mortes, as autoridades sanitárias definirão as prioridades. O essencial é dar aos brasileiros a chance de não morrer por uma doença para a qual existe vacina testada e aprovada.
Impactos da quebra
Folha de S. Paulo
Liquidação do banco SVB eleva temores e
pode afetar juros nos EUA e no Brasil
A corrida bancária que atingiu o Silicon
Valley Bank (SVB), o 16º maior dos EUA, elevou a percepção de risco nos
mercados internacionais.
Destino preferido dos recursos de empresas
e fundos do vale do Silício, o SVB
incorreu no erro mais básico que um banco pode cometer —descasar
de forma temerária os ativos (crédito e investimentos) e passivos (o dinheiro
dos clientes) a ponto de expor o caixa a perdas de grande magnitude.
Com a ampla injeção de liquidez na economia
americana durante a pandemia, a base de depósitos da instituição triplicou
entre 2020 e 2021, atingindo US$ 211 bilhões.
A contrapartida a esse salto repentino
foram alocações em ativos de longo prazo, na maior parte títulos públicos e
operações lastreadas em hipotecas, que perderam valor desde que os juros
começaram a subir no início de 2022.
As perdas, contabilizadas em valor presente,
foram suficientes para erodir todo o capital. O temor de insolvência se
espalhou rapidamente e levou à fuga em massa de clientes, desencadeando a
intervenção das autoridades na sexta (10).
No fim de semana veio a solução, anunciada
antes da abertura dos mercados nesta segunda (13) —a liquidação ordenada do
banco e garantia de todos os depósitos, mesmo os acima de US$ 250 mil que não
contavam originalmente com seguro do poder público. A providência também foi
estendida a outro banco regional, com ativos de US$ 110 bilhões.
Além disso, o Federal Reserve (o banco
central dos EUA) instituiu um canal de financiamento em termos generosos para
que mais instituições possam honrar a saída de depositantes.
Ao contrário do observado na crise
financeira de 2008, desta vez não houve proteção a acionistas e detentores de
outros títulos bancários. O valor do capital foi a zero, e muito provavelmente
os credores também sofrerão perdas.
O caso do SVB é de certa forma especial,
pois o banco tinha poucos depósitos de varejo. Não parece um evento de
proporções capazes de derrubar a economia, mas por ora o medo está instalado e
traz consequências.
Uma delas é colocar em
dúvida o espaço para que os juros continuem a subir para combater a inflação.
Se antes havia expectativas de que a taxa básica nos EUA chegaria a 6% ao ano,
agora se espera quase manutenção em nível próximo ao atual, em torno de 5%.
O evento é um alerta dos riscos que cercam
todo ciclo de contração de liquidez no principal centro financeiro do mundo.
Para o Brasil, em tese, trata-se de mais um
fator a favorecer a queda dos juros. Isso dependerá, no entanto, de passos
prudentes na gestão do Orçamento público.
Alertas para desmate
Folha de S. Paulo
Dados iniciais de 2023 geram apreensão com
desmatamento na Amazônia e no cerrado
Os dois primeiros meses do governo de Luiz
Inácio Lula da Silva (PT) não foram animadores para a questão do desmatamento
na Amazônia e no cerrado. Ainda é cedo para falar em retrocesso ambiental, mas
a luz vermelha se acendeu.
Em fevereiro,
as derrubadas alcançaram níveis recordes. Foram 321,9 km² na
Amazônia (alta de 62% em relação a 2022) e 557,8 km² no cerrado (salto de 97%),
totalizando 879,7 km² de perdas (equivalente a meio município de São Paulo).
Na Amazônia, a cifra preocupa por se tratar
da estação mais úmida, quando o corte raso da mata é mais difícil. Na soma dos
59 dias decorridos desde a posse, o cenário melhora: registraram-se 489 km²,
menos que nos dois primeiros meses do ano passado (629 km²).
No caso do cerrado, a situação preocupa
porque fevereiro viu dobrar a taxa de devastação. Péssima notícia para uma
formação florestal que, sob a expansão da fronteira agropecuária, já perdeu 50%
da cobertura original (na Amazônia foram menos de 20%).
Mas cabem ressalvas para atenuar o alarme.
Os dados provêm do sistema Deter, criado para identificar áreas prioritárias
para fiscalização e autuação pelo Ibama, não tanto para computar taxas oficiais
de desmatamento —atribuição de outro programa do Inpe, o Prodes.
Com todos os aperfeiçoamentos feitos no
Deter, os
alertas precoces apresentam limitações que o Prodes corrige no
acumulado anual. Ademais, a variável cobertura de nuvens e outros fatores podem
influenciar a flutuação das áreas detectadas como floresta destruída.
Seria imprudente, contudo, descartar que
grileiros, madeireiros e garimpeiros estejam a aproveitar-se da transição
conflitiva de governo e do desmonte do Ibama efetuado no governo Jair Bolsonaro
(PL). A nova administração deu prioridade para o flagelo do garimpo em terras
yanomami, descurando talvez na vigilância de outras áreas.
O índice de 879,7 km² em fevereiro
impressiona, mas há que cotejá-lo com o total do Prodes em 2022, de mais de 22
mil km². Embora cada hectare desflorestado seja danoso para a crise do clima,
pois aumenta emissões de carbono, cabe assinalar que a primeira cifra
representa menos de 4% da segunda.
Marina Silva tem condições de retomar o desempenho de sua primeira passagem
pela pasta do Meio
Ambiente, quando obteve recuo de 54% entre 2004 e 2008 no desmatamento da Amazônia. Há muito trabalho pela frente, no entanto.
A retomada do pacto federativo
O Estado de S. Paulo.
Ao fechar acordo para compensar perdas com
teto de ICMS para combustíveis, União retoma diálogo com Estados, reconhece
autonomia dos entes federativos e cumpre a Constituição
Ao fechar acordo para compensar perdas com
ICMS para combustíveis, União retoma diálogo e reconhece autonomia dos Estados.
Oministro da Fazenda, Fernando Haddad,
fechou acordo com os Estados para repor as perdas impostas pelas mudanças na
legislação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre
combustíveis. Inicialmente, os Estados pleiteavam uma compensação de R$ 45
bilhões, enquanto a União defendia um ressarcimento de R$ 13 bilhões. Na
negociação, ficou acertado que o Executivo arcará com R$ 26,9 bilhões, via
transferências diretas e abatimento do valor das parcelas das dívidas dos
Estados com o Tesouro Nacional. “Acordo nunca é satisfatório para ninguém. É
uma conta que você faz com base em parâmetros técnicos”, disse Haddad.
A notícia é excelente – e por diversas
razões. O desembolso imediato para a União será relativamente pequeno, de R$ 4
bilhões neste ano, e o restante será diluído até 2026; outros R$ 9 bilhões já
foram compensados por meio de liminares que haviam sido concedidas a alguns
Estados no ano passado. Com o acordo, ambas as partes cederam para encerrar uma
controvérsia que poderia durar décadas e tomar proporções gigantescas – basta
lembrar que a disputa sobre as perdas com a Lei Kandir levou 25 anos para ser
encerrada. Para o governo Lula da Silva, trata-se de um feito digno de
comemoração sob o ponto de vista financeiro e político.
A Lei Complementar 194/2022 foi uma das
maiores excrescências eleitorais da história brasileira. Aprovada pelo
Legislativo no primeiro semestre do ano passado e sancionada em junho de 2022,
ela enquadrou combustíveis, energia e telecomunicações como bens essenciais e
estabeleceu um teto para as alíquotas de ICMS de uma hora para outra, ignorando
o fato de que os tributos sobre esses itens respondem, em média, por um terço
da arrecadação dos Estados.
Se financeiramente o projeto era
insustentável, politicamente ele era um acinte. Fossem tempos normais, uma
proposta como essa não teria a menor chance de aprovação no Congresso – mas não
eram tempos normais. De uma só vez, o governo responsabilizou os Estados pelo
aumento dos preços dos combustíveis, jogou a opinião pública contra os
governadores e pressionou os parlamentares a aprovar um texto que tinha como
principal objetivo criar uma bandeira política para a reeleição do
ex-presidente Jair Bolsonaro.
O rolo compressor funcionou bem. Ainda que
muitos parlamentares conhecessem os efeitos do projeto sobre as receitas dos
Estados – os principais responsáveis pelos gastos com saúde, segurança e
educação –, poucos manifestaram disposição para enfrentar a máquina
bolsonarista de destruição de reputações nas redes sociais. A ambiguidade da
redação final da lei, no entanto, garantiu aos governadores a possibilidade de
recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para se defender dos prejuízos.
Poucas vezes se viu tanta leviandade na
relação entre União e Estados como no governo Bolsonaro. Mais do que impor
perdas financeiras aos Estados e municípios de forma imediata, sua postura
inconsequente violou um dos princípios da Constituição – o pacto federativo.
Nem se discute que as alíquotas de ICMS cobradas em alguns Estados fossem muito
elevadas. O problema foi a forma extemporânea como a redução foi feita, sem
negociações prévias ou tempo para que eles se adaptassem a essa nova realidade.
O final dessa história não poderia ser mais
previsível. Sem as compensações, ou os Estados teriam de recorrer ao socorro
financeiro do Tesouro ou a lei estaria inviabilizada no médio prazo. Por meio
do acordo, a União se comprometeu, também, a apoiar os Estados nas discussões
que estão no STF envolvendo o ICMS – uma das principais demandas dos governadores
é rever a essencialidade da gasolina.
O mais importante, no entanto, não são
exatamente os detalhes financeiros do acordo, mas o que ele simboliza em termos
políticos: o resgate da interlocução entre União e Estados, o reconhecimento da
autonomia de cada ente federativo e o restabelecimento da atuação conjunta
entre União e Estados nos termos, responsabilidades e competências de cada um,
como determina a Constituição.
Um marco civilizatório sob ameaça
O Estado de S. Paulo.
Governo prepara revisão do marco do
saneamento sob pressão de estatais que, há décadas, têm sido incapazes de
oferecer um serviço de água e esgoto decente a milhões de brasileiros
O ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa,
indicou que o presidente Lula da Silva deverá editar um decreto nos próximos
dias alterando pontos essenciais do marco legal do saneamento, aprovado em
2020. Há motivos de sobra para apreensão. Não é trivial o risco de retrocessos
em uma área fundamental para dar dignidade a milhões de brasileiros que, em
pleno século 21, ainda não têm acesso à água tratada nem à coleta de esgoto –
além, é claro, de gerar uma insegurança jurídica que em nada ajudará o Brasil a
atrair investimentos privados.
Essa ameaça, a rigor, não era desconhecida.
Desde a transição, tanto o modelo de concessão dos serviços de saneamento à
iniciativa privada como o papel da Agência Nacional de Águas (ANA) na regulação
do setor, muito bem definido no marco legal, têm sido duramente criticados por
membros da atual administração e por parlamentares da base de apoio, sobretudo
o deputado Guilherme Boulos (PSOL-SP), um dos grandes menestréis do atraso
nessa seara, quase um lobista a serviço da insalubridade.
Em novembro, vale lembrar, Boulos afirmou
que “a posição da maior parte dos partidos que sustentam a coligação presidida
pelo presidente Lula, no próprio Congresso, quando foi votado o marco legal, é
que é muito prejudicial o processo de privatização do saneamento”. Ademais,
segundo ele, “é muito prejudicial você ter uma agência reguladora, como a ANA,
com superpoderes e sem controle da sociedade” (ver o editorial A vanguarda do
atraso no saneamento, 21/11/2022).
Ou seja, para alguns membros do atual
governo e da base parlamentar de apoio, o que o marco legal do saneamento tem
de mais avançado é visto como seus aspectos mais negativos.
Em frontal violação da Constituição, que
veda a contratação de serviços públicos sem licitação, salvo raras exceções, os
serviços de saneamento básico ainda são prestados no País quase que
exclusivamente por estatais gigantescas e ineficientes. Ao longo de décadas,
essas empresas têm sobrevivido, malgrado a prestação de serviços indizíveis,
porque seus contratos com Estados e municípios são renovados automaticamente,
sem fixação de metas e menos ainda de indicadores de qualidade.
Com todo esse tratamento privilegiado que
recebem há muitos anos, as estatais de saneamento ainda são diretamente
responsáveis por haver no Brasil, em 2023, cerca de 35 milhões de cidadãos sem
acesso à água potável e pouco mais de 100 milhões na indigência de conviver com
esgoto a céu aberto, sujeitos a toda sorte de doenças. O marco legal do
saneamento, como um salto civilizatório, veio mudar essa realidade primitiva ao
acabar com as renovações automáticas de contrato, obrigando as estatais a
participar de licitações, e ao garantir condições para que a iniciativa privada
invista em um setor custoso e até então pouco atrativo, liberando o
Estado para atuar nas áreas em que, de
fato, sua presença – sobretudo seus investimentos – seja necessária.
Rui Costa afirmou que o governo está
“produzindo um decreto que, em quase a sua totalidade, será consensual entre o
setor privado e o setor público”. Mas, ao contrário do que apregoa o ministro,
o que se avizinha tem causado apreensão entre os especialistas no setor e,
principalmente, em potenciais investidores. A julgar por tudo o que já foi dito
por membros do governo sobre o marco legal do saneamento básico até aqui, de
“consensual” o decreto não deve ter nada. Tudo indica que, mais uma vez, o
lobby das estatais tende a prevalecer, mostrando quão forte é a resistência
dessas empresas a quaisquer tentativas de mexer em seus privilégios.
É desalentador constatar que Lula se recusa
a olhar para a frente e mobiliza seu governo para mexer em temas já
encaminhados. O marco legal do saneamento foi um avanço. Há outros problemas
que clamam a atenção do governo.
Mas não há sinais de que a atual
administração esteja preocupada com os milhões de brasileiros que ainda vivem
em condições subumanas. O governo, na verdade, parece mais preocupado com a
proteção dos interesses corporativos dos servidores ligados às estatais de
saneamento e com a manutenção da esfera de poder político sobre o controle
dessas empresas.
O clube do atraso
O Estado de S. Paulo.
Ao sabotar a candidatura à OCDE,
lulopetismo mostra desprezo à governança política e econômica
O “custo Bolsonaro” foi salgado. O
ostracismo diplomático e ambiental causou duros impactos colaterais à economia.
Agora, alardeiam os petistas, “o Brasil voltou”. É relativo: voltou a alguns lugares;
de outros, se afasta.
Sintomaticamente, na semana em que abriu 16
vagas diplomáticas na Venezuela, o governo desidratou a delegação junto à
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Já na posse,
extinguiu a secretaria responsável pela candidatura do Brasil à OCDE. No
encontro com o presidente Joe Biden, os americanos incluíram na minuta do
comunicado o apoio a essa candidatura, mas a comitiva brasileira solicitou sua
remoção. Gradualmente, o ingresso à OCDE volta à geladeira onde jazeu nos
governos petistas.
A OCDE é um fórum de políticas públicas
baseadas em evidências. Seus 38 membros incluem as principais democracias do
mundo e respondem por 70% do PIB global e 80% do comércio e investimentos. O
ingresso do Brasil – a segunda maior democracia do Ocidente e uma das maiores
economias do mundo – é natural. O País já integra vários comitês e é um
parceiro-chave. A solicitação de acesso, encaminhada pelo governo Temer, ativou
a avaliação da consonância das instituições nacionais aos princípios do grupo.
A participação serve de “selo de qualidade”
ao mercado internacional, comprovando regras que promovem um ambiente de
negócios seguro, aberto e competitivo, equilíbrio fiscal, transparência nas
contas públicas, estabilidade jurídica, políticas de inovação tecnológica,
combate à corrupção e investimentos sociais e ambientais. Dos seis candidatos,
o Brasil tem os maiores índices de aderência às convenções da OCDE. O
Ipea estima que o ingresso agregaria 0,4%
ao PIB anual.
Mas o “custo Lula” começa a cobrar seu
preço. Desdenhando a OCDE como “clube dos ricos”, Lula já recusou um convite
para ingressar na organização em 2007. Em coletiva com o chanceler (premiê)
alemão, Olaf Scholz, se disse disposto a discutir “condições de entrada”, mas não
como “um país menor”.
Ninguém sabe o que Lula quis dizer, porque
nem ele sabe: é só um pretexto cozido no caldo de ressentimentos petista para
melar o processo. A OCDE não tem membros com poderes especiais, como os do
Conselho de Segurança da ONU. Ela mesma não tem poderes reais: não empresta
dinheiro, como o FMI, nem arbitra disputas, como a OMC. Sua força está no
aconselhamento e na persuasão. O Brasil, como um dos maiores países em
desenvolvimento e uma potência agrícola e ambiental, estaria numa posição
privilegiada para influenciar diretrizes relacionadas à sustentabilidade.
Em resumo, a adesão aos padrões da OCDE de
racionalização e moralização da governança pública não implica ônus – exceto
para políticos demagogos, economistas heterodoxos e empresários
corporativistas. Não à toa, marcos que se aproximam desses padrões – como a
autonomia do Banco Central ou as Leis das Estatais e das Agências Reguladoras –
são ameaçados pelo governo e os rebanhos fisiológicos cortejados por ele.
A OCDE resume assim sua missão: “Melhores políticas para melhores vidas”. Mas o PT não quer o Brasil nesse clube.
Mercados apreensivos põem em xeque aperto
do Fed
Valor Econômico
Se o SVB-Signature foi um episódio isolado,
o Fed será pressionado a conter os juros ou reduzi-los quando a inflação não
deu passos firmes em direção à meta de 2%
A quebra do Silicon Valley Bank. que
financiava metade das start-ups dos Estados Unidos, e, na sequência, do
Signature Bank, levou o Federal Reserve a lançar um programa de sustentação de
liquidez para os demais bancos para os proteger de possíveis saques em massa
dos depositantes. As medidas são suficientes para estancar o temor de
quebradeira de bancos pequenos e regionais, como os dois sob intervenção, mas
os mercados viveram um dia de pânico e desconfiança ontem. O First Republic,
com ativos de US$ 213 bilhões, viu suas ações perderem 61% de seu valor.
Instituições similares tiveram enormes quedas. Os bancos europeus apanharam nas
bolsas. Os juros dos títulos do Tesouro dos EUA despencaram, indicando outra
possível vítima do episódio: a política de aperto monetário do Fed.
O SVB faliu por erros claros. Anos a fio de
desempenho esplendoroso das empresas de tecnologia e de valorização estelar de
suas ações, e o sucesso de muitas start-ups, podem ter cegado sua direção a
respeito dos riscos quando o ciclo econômico mudou de direção. A situação do
banco era peculiar e não generalizável ao sistema financeiro. Era um banco
concentrado em uma indústria (a das techs) e em uma região, o Vale do Silício.
Seus clientes são os mais arriscados e sujeitos ao fracasso - empreendedores
jovens e seus inventos promissores de fortunas rápidas.
Sua base de depósitos era concentrada, com
predomínio de fundos de venture capital e empresas tech. Mais de dois terços
dos US$ 212 bilhões em ativos pertenciam a apenas 37 mil contas. O SVB não
diversificou a base de crédito para reduzir o risco. Ficou quase um ano sem um
executivo de gerenciamento de risco. Seus ativos estavam alocados em títulos de
longo prazo do Tesouro e hipotecas, que não eram marcados a mercado porque não
eram vendidos.
Com o início do aperto monetário, os
títulos em carteira, adquiridos com juros muito baixos, trouxeram perdas
contábeis crescentes - US$ 16 bilhões, mais do que seu valor de mercado, de US$
6 bilhões. A procura do SVB por US$ 2 bilhões em empréstimos para fazer face ao
encolhimento dos depósitos, fruto da virada do humor dos investidores em
relação às empresas de tecnologia, foi um dos fatores que deslanchou a corrida
de saques. Em 48 horas, US$ 42 bilhões deixaram seus cofres. No fim de semana,
outro banco regional, o Signature, de Nova York, com US$ 110 bilhões em ativos,
sofreu intervenção.
O Tesouro, o Fed e a comissão federal de
garantia de depósitos, decidiram que todos os correntistas do banco terão seu
dinheiro de volta, algo estranho quando 95% deles tem mais dinheiro lá do que
os US$ 250 mil assegurados por lei. Não haverá dinheiro público e o que exceder
os ativos do SVB será pago com recursos de um seguro cobrado de todo o sistema
bancário. Para os demais bancos, foram abertas linhas emergenciais de liquidez
de um ano, garantidas por títulos do Tesouro, hipotecas e outros papéis de
baixo risco, pelo valor de face. Com isso, pelo menos em tese, podem enfrentar
saques pesados nos próximos dias sem terem de vender ativos a preços de
liquidação.
A falência dos bancos trouxe de volta
discussões sobre a regulamentação e a política de elevação de juros do Fed. A
régua para que bancos com ativos inferiores a US$ 250 bilhões tivessem
requisitos de capital e liquidez menores que os dos grandes bancos contribuiu
para que sinais de alarme sobre o SVB não tivessem soado previamente. A
definição ocorreu no governo de Donald Trump, em uma revisão da legislação
Dodd-Frank, aprovada após a grande crise financeira de 2008.
As expectativas em relação ao aperto monetário
do Fed mudaram radicalmente de direção. Boa parte dos investidores acredita que
o ciclo de alta não deve mais ir tão longe, ou deve ser interrompido, ou mesmo
revertido. As dificuldades dos bancos indicariam um país a caminho da recessão
e a necessidade de iniciar a reversão do aperto já este ano. Os juros futuros
mostram que a aposta certa em alta de 0,5 ponto na próxima reunião do Fed se
transformou em chances de 50% tanto para alta de 0,25 ponto quanto para nenhum
aumento.
Se o SVB-Signature foi um episódio isolado,
o Fed será pressionado a conter os juros ou reduzi-los quando a inflação não
deu passos firmes em direção à meta de 2%, tudo o que prometeu não fazer. Se
for mais que isso, o aperto geral de liquidez perderá todo o sentido diante da
possibilidade de nova crise bancária - hipótese muito menos provável.
"..., o Fed será pressionado a conter os juros ou reduzi-los quando a inflação não deu passos firmes em direção à meta de 2%, tudo o que prometeu não fazer."
ResponderExcluirNão entendi. A inflação, não dando passos firmes em direção à meta, pressiona o Fed a reduzir/conter juros?
No Brasil, nosso Bacen faz o contrário, aumentando-os, ou tô enganado?
As inflações estão parecidas nos EUA e no Brasil, em torno de 6% ao ano.
ResponderExcluirSubir mais os juros (que estão em 4%) não é bom para os EUA.
Manter os juros mais altos do mundo (13,75%) é bom pro Brasil.
Este editorialista de O Globo deve receber mensagens telepáticas do Jegues, ou então pastam juntos no mesmo potreiro.