Cabe ao STF julgar militares acusados pelo 8 de Janeiro
O Globo
Decisão de Moraes mostra que, segundo a
Constituição, Justiça Militar não é o foro adequado
Foi acertada a decisão de Alexandre de
Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), de reconhecer a competência
da Corte para processar e julgar militares envolvidos nos crimes ocorridos no 8
de Janeiro. Moraes deixou claro que a Justiça Militar não é o foro previsto na
Constituição para esse caso.
Sua manifestação respondeu a um pedido de autorização da Polícia Federal (PF) para investigar integrantes das Forças Armadas e das polícias militares nos atentados contra a democracia na Praça dos Três Poderes. Com a deflagração da quinta fase da Operação Lesa Pátria, a PF concluiu, com base no depoimento de testemunhas, que houve omissão e participação nos crimes de integrantes do Exército ligados ao Gabinete de Segurança Institucional e ao Batalhão da Guarda Presidencial.
Na decisão, Moraes mencionou o artigo 124
da Constituição, que fixa as atribuições da Justiça Militar. Citando o
ex-ministro do STF Celso de Mello, escreveu que ela não julga crimes de
militares, mas sim crimes militares. Ressaltou que todos os crimes sob investigação
estão no Código Penal: atos terroristas, inclusive os preparatórios, ameaça,
perseguição, dano, incitação ao crime, incêndio, associação criminosa armada,
abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado. Por fim,
concluiu que inexiste competência da Justiça Militar para processar e julgar
esses casos. Bem embasada, a decisão de Moraes garante que todos os acusados
terão o mesmo tratamento perante a lei.
Ela foi tomada com base no mérito, como a
situação exigia, e terá como consequência um julgamento mais justo e mais
célere. Quase dois meses após os atentados, a Procuradoria-Geral da República
(PGR) já denunciou mais de 900 pessoas, enquanto o Ministério Público Militar
não apresentou nem uma denúncia sequer. Oito investigações preliminares em
andamento deverão ser agora transferidas ao Supremo, segundo informou a coluna
de Malu Gaspar, do GLOBO.
O futuro presidente do Superior Tribunal
Militar (STM), o ministro-brigadeiro Joseli Parente Camelo, que toma posse
neste mês, afirmou ao jornal Folha de S.Paulo concordar com Moraes. Camelo
lembrou a Lei 13.491, de outubro de 2017, que ampliou o escopo do STM,
permitindo que julgue crimes previstos na legislação penal comum. Mas desde que
o militar esteja em atividade e que o crime seja contra o patrimônio sob
administração militar. Os integrantes do Batalhão da Guarda Presidencial
estavam em serviço no dia 8 de janeiro, mas, como reconhece Camelo, o Palácio
do Planalto não é uma unidade militar.
A Constituição, desrespeitada pelos
golpistas por ação ou omissão, tem todas as respostas para garantir o devido
processo legal, com um julgamento justo e sem distinção entre civis ou
militares. É do interesse do Brasil e também das Forças Armadas que os
militares envolvidos em crimes no 8 de Janeiro sejam punidos. A democracia é
uma conquista do povo brasileiro. Quem ousou atacá-la agora terá de enfrentar
as consequências, sem recorrer a tribunais especiais apostando numa anistia de
ocasião.
Visita de Kerry ao Brasil contribui para
agenda global pela Amazônia
O Globo
Compromisso americano com fundo de
preservação traz credibilidade ao projeto ambiental do governo Lula
Na segunda quinzena de novembro, a mais de
um mês de sua posse, o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, e sua
futura ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, estiveram na COP27, em Sharm
el-Sheikh, no Egito. A viagem demonstrava a importância que a preservação da
Amazônia e do meio ambiente teria no futuro governo. Deu a Marina a
oportunidade de se reunir com o enviado especial dos Estados Unidos para o
Clima, John Kerry. Na visita de Kerry ao Brasil nesta semana, ficou claro que
ele se tornou o personagem central para ajudar o governo Lula a obter recursos
e tecnologia para implementar seu programa ambiental.
Ficara acertado na visita recente de Lula à
Casa Branca que os Estados Unidos contribuiriam para o Fundo Amazônia,
administrado pelo BNDES e sustentado até agora por doações de Noruega e
Alemanha. Kerry chegou a Brasília no início da semana para dar sequência aos
entendimentos sobre o apoio americano à nova política ambiental brasileira, que
deverá ser apresentada em abril. Ao final da viagem, sem poder antecipar o
volume de recursos que os americanos destinarão ao Fundo Amazônia (decisão que
cabe ao Congresso), Kerry destacou que a proteção da floresta não será apenas
bilateral, mas global.
O chanceler da Alemanha, Olaf Scholz, já
anunciou a doação de € 203 milhões para ações da Amazônia (€ 35 milhões
especificamente para o Fundo Amazônia). A aproximação entre os Estados Unidos e
Brasil é vital para que haja recursos para virar o jogo na região, cuja
destruição alcançou níveis recordes nos últimos quatro anos. O apoio dos americanos
à nova política ambiental deverá estimular outros países ricos a se envolver.
Por enquanto, a Amazônia continua a sofrer
as consequências do descalabro a que foi submetida na gestão Jair Bolsonaro. Em
fevereiro, mesmo no período de chuvas, haviam sido desmatados até sexta-feira
passada 208,75 quilômetros quadrados, segundo o Sistema de Detecção de
Desmatamento em Tempo Real (Deter), do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe) — um recorde para o mês. De acordo como Marina, está em curso
uma “revanche” dos grupos criminosos que passaram a dominar a região com o
desmonte dos órgãos de fiscalização.
O apoio americano retoma a Iniciativa Conjunta sobre Mudanças Climáticas, firmada em junho de 2015 pelos então presidentes Dilma Rousseff e Barack Obama. Havendo boa vontade e seriedade das partes, há espaço imenso para acordos entre Brasil, Estados Unidos e União Europeia (UE). Marina afirmou que, depois de anos de encontros e debates, ficou claro que há duas tarefas fundamentais para debelar a crise climática: os países ricos têm de promover a transição de suas economias para fontes limpas de energia, e o Brasil tem de conter o desmatamento. Para isso, precisa de recursos e tecnologia. Com a visita de Kerry, essa agenda avança ainda mais para além das fronteiras brasileiras.
Vitória parcial
Folha de S. Paulo
Governo acerta ao reonerar gasolina, mas dá
mau sinal com imposto de exportações
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) acertou no
essencial ao promover a volta da tributação federal sobre a gasolina. A vitória
do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e da racionalidade econômica foi
manchada, no entanto, por uma medida abilolada que revela o quanto ideias
arcaicas da esquerda continental encontram abrigo no governo.
Nesta quarta-feira (1º), teve início a
cobrança de PIS e Cofins em R$ 0,47
por litro de gasolina e R$ 0,02 por litro de etanol, dando fim à
alíquota zero instituída por Jair Bolsonaro (PL) no vale-tudo eleitoreiro do
ano passado.
O subsídio tributário era socialmente
injusto, por beneficiar principalmente a parcela mais abonada da população,
detentora de automóveis. Ainda assim, o comando do PT e a ala política do
governo trabalharam por sua permanência, preocupados com a popularidade
presidencial no curto prazo.
Em consequência, a reoneração dos combustíveis
não se deu nos valores antes vigentes, de R$ 0,69 na gasolina e R$ 0,24 no
etanol —o que frustraria a meta anunciada por Haddad de arrecadar R$ 28,9
bilhões para reduzir o enorme rombo fiscal previsto para este ano.
Para contornar o problema, recorreu-se a
uma gambiarra da pior espécie. O Executivo decidiu cobrar Imposto de Exportação
(IE) de 9,2% sobre as vendas de óleo cru ao exterior por quatro meses.
Há erros de
diferentes tipos na invencionice. Para início de conversa, o
quase desconhecido IE não foi concebido para obter receita. Sua finalidade é
regular o mercado em situações muito peculiares. Em todo o ano passado,
amealhou míseros R$ 5 milhões.
Empregá-lo para obter R$ 6,7 bilhões em um
quadrimestre é uma excrescência que prejudicará operações no setor produtivo, a
começar pela Petrobras. Cria-se insegurança quanto a regras e risco de judicialização
—e isso sem mencionar a possibilidade nada desprezível de a cobrança acabar
mantida por prazo indeterminado.
Taxar exportações em larga escala é prática
evitada no mundo. Um funesto exemplo se dá na vizinha Argentina, em crise
fiscal e inflacionária crônica.
Por fim, trata-se de remendo orçamentário
precário e enganoso. Para reforçar seus cofres, o governo extrai dinheiro de
sua maior estatal por meio de um imposto dito temporário, movido por
conveniências políticas imediatistas e, na pior das hipóteses, por obsessões
ideológicas contra a exportação de produtos primários.
Um Congresso responsável deveria manter a
reoneração dos combustíveis sem a esdrúxula tributação das vendas ao exterior.
O reequilíbrio fiscal, imperativo para o combate à pobreza e à desigualdade,
precisa de bases estáveis.
Longe das encostas
Folha de S. Paulo
Verticalizar o litoral paulista aliviaria
falta de lotes, mas há outros desafios
Chuvas de mais de 600 mm em poucas horas
castigaram São Sebastião, localidade do litoral norte paulista mais atingida
pelo evento climático extremo que matou 65 pessoas no Carnaval. Não há solução
rápida para prevenir novas tragédias, mas urge mobilizar a comoção surgida para
formatar um projeto justo e exequível no médio prazo.
Antes de surgirem cerca de 2.000 novos
desabrigados, concentrados na praia de Barra do Sahy, o município já contava 25
mil habitantes em moradias inadequadas, sendo 9.000 em áreas de risco como as
encostas que deslizaram. Calcula-se que seria preciso erguer de 8.000 a 10.000
casas para sanar o déficit.
Mas a proximidade entre a orla e o paredão
da serra do Mar, a ocupação intensa por casas de veraneio e 70% de áreas com
restrições ambientais limitam a
disponibilidade de terrenos para erguer conjuntos habitacionais de cunho
social.
Assim, parece razoável a proposta do
governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) de verticalizar a região, elevando de 9
para 15 metros o gabarito máximo para prédios. A medida aliviaria em
parte a escassez de lotes, sem, no entanto, garantir que se superaria a
segregação social na região.
Em primeiro lugar, os pobres que prestam
serviços para turistas já careciam de saneamento básico em suas moradias
precárias. Não faria sentido sair a construir casas só para jogar mais esgotos
in natura no mar, agravando a saúde dos moradores permanentes e a deficiente
balneabilidade das praias.
Terrenos distantes das encostas perigosas,
ademais, são precisamente o alvo da especulação imobiliária. Construir novas
moradias nos extremos norte e sul, forçando trabalhadores a viagens diárias de
dezenas de quilômetros, só aprofundaria a estratificação social
O ideal seria edificar conjuntos menores,
verticalizados que sejam, nos lotes que restam perto do mar e dos locais de
trabalho.
Por fim, há uma preocupação pertinente
sobre a possibilidade de que futuros apartamentos sociais ou casinhas geminadas
venham a se tornar propriedade de forasteiros recém-chegados. Assim aconteceu
no passado com as casas de caiçaras na praia, e o resultado consternador está à
vista de todos nos dois lados da Rio-Santos.
Os mais pobres voltariam mais uma vez a ocupar os morros instáveis e as tragédias tornariam a repetir-se nos piores verões —assim como promessas de solução do poder público que nunca chegam.
Uma boa definição de coragem
O Estado de S. Paulo.
“Coragem
é se manter como instituição de Estado”, disse general sobre Forças Armadas.
Em 18 de janeiro, três dias antes de ser
nomeado comandante do Exército pelo presidente Lula da Silva, o general Tomás
Miguel Miné Ribeiro Paiva fez um discurso de dez minutos no Comando Militar do
Sudeste (CMSE), no qual defendeu a democracia, o respeito ao voto e a
alternância de poder. “Quando a gente vota, tem de respeitar o resultado da
urna”, disse.
Nesta semana, o podcast Roteirices divulgou
uma fala do general Paiva, feita no mesmo dia 18 de janeiro, para seus
subordinados no CMSE. Ao contrário do que alguns insinuaram, essa fala mais
longa – tem cerca de uma hora de duração – é também profundamente democrática e
em nada contradiz o discurso feito em público.
“A gente (Forças Armadas) participou da
comissão de fiscalização (das eleições). Não aconteceu nada”, disse o general a
seus subordinados, em referência às alegadas fraudes. E insistiu que o
resultado deveria ser acolhido, ainda que tenha frustrado “a maioria” dos
militares, como ele enfatizou. A mensagem é cristalina: as eleições foram
limpas e o respeito ao resultado das urnas não poderia depender da concordância
pessoal com o candidato vitorioso.
De resto, ao comentar que Jair Bolsonaro
era o candidato da preferência da maioria dos militares, o general Tomás fez
apenas uma constatação óbvia. Contudo, não faltou quem tirasse a declaração do
contexto para fazer parecer que o comandante do Exército exprimia resistência
pessoal ao presidente Lula. A leitura do inteiro teor da fala, no entanto,
mostra que o general estava justamente alertando que a percepção pessoal de
seus subordinados pode não corresponder à realidade do País. Desconstruía,
assim, a narrativa bolsonarista da suposta fraude nas urnas. “Todos nós somos
da bolha fardada, da bolha militarista, da bolha de direita, conservadora. A
maioria de nós é dessa bolha, raramente um de nós frequenta outra bolha”,
disse, defendendo que essa circunstância não pode interferir no funcionamento
constitucional – ou seja, apartidário – das Forças Armadas.
Faz muito bem, portanto, o Palácio do
Planalto em não cair na manobra dos que tentaram usar a divulgação da fala como
pretexto para criar atritos e tensões com as Forças Armadas.
O aspecto mais relevante da fala do general
Tomás a seus subordinados é a defesa das Forças Armadas como instituição de
Estado, e não de governo. O áudio vazado é importante diagnóstico do mal que
Jair Bolsonaro causou nos quartéis, com sua incessante tentativa de usar as
Forças Armadas para fins político-partidários.
O general Tomás citou, por exemplo, o
constrangedor episódio no qual o então presidente Bolsonaro tentou organizar
uma motociata partindo da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman). O plano
só não foi realizado porque os generais “conseguiram convencer o presidente que
não era uma coisa adequada ter uma motociata, que é um ato político de apoio ao
presidente, dentro da academia militar”.
Além de criticar o desfile de blindados da
Marinha em Brasília no dia da votação no Congresso da PEC do Voto Impresso, em
2021, e a tentativa de usar o desfile militar do 7 de Setembro para fins
eleitorais, em 2022, o general Tomás lamentou o modo como Jair Bolsonaro tratou
o comando das Forças Armadas. “No governo passado, tivemos uma coisa pouco
usual que foram as três mudanças de comandante de Força. Passamos pelo general
Pujol, depois o general Paulo Sérgio e depois o general Freire Gomes”,
relembrou. Todas as mudanças ocorreram depois de desgastes políticos causados
por Jair Bolsonaro.
Nada disso faz bem às Forças Armadas.
“Política partidária dentro da Força gera desgaste”, disse o general Tomás. O
alerta é necessário. Foi um tremendo erro de avaliação achar que “um mau
militar” – nas palavras de Ernesto Geisel – poderia ser um bom representante
dos interesses dos militares. A caserna não é para fazer política. Coragem não
é fazer ameaça, seja de bomba em quartel, seja de golpe de Estado. “Coragem é
se manter como instituição de Estado, mesmo que custe alguma coisa de
credibilidade e popularidade”, disse o comandante do Exército. Mais
constitucional e republicano, impossível.
O desafio do emprego
O Estado de S. Paulo.
Deve-se festejar a queda do desemprego, mas
não se pode ignorar a precariedade do mercado de trabalho, que demanda
políticas públicas sólidas, que o governo ainda não apresentou
A taxa de desemprego encerrou o ano de 2022
em uma média de 9,3%, no menor patamar dos últimos sete anos. Os dados da
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram uma substancial
recuperação do mercado de trabalho em relação ao ano anterior – no fim de 2021,
o desemprego atingia 13,2% da população.
No todo, trata-se de dados certamente
positivos. Foi o segundo ano consecutivo em que a desocupação caiu e, com o fim
das restrições impostas pela covid19, o emprego finalmente superou o patamar
pré-pandemia. No detalhe, no entanto, o mercado de trabalho ainda apresenta um
quadro com inúmeros desafios a serem enfrentados. O número de pessoas ocupadas
em 2022 atingiu 98 milhões, recorde anual da série, mas boa parte desse
contingente vive de bicos, o que traz implicações importantes para o Estado em
termos de arrecadação e proteção social.
A população empregada com carteira assinada
aumentou 9,2%, para 35,9 milhões de pessoas. No entanto, a média anual de
trabalhadores sem carteira subiu ainda mais – alta de 14,9%, para 12,9 milhões
de pessoas, o maior número da série. Somando os sem carteira aos trabalhadores
e empregadores por conta própria, domésticos e familiares auxiliares, os
informais somam 38,8 milhões, o que corresponde a uma taxa de informalidade de
39,6% no País.
A alta taxa de informalidade está
diretamente ligada a outro indicador que expressa a realidade do mercado de
trabalho e, também, da própria economia brasileira. A despeito da queda do
desemprego, a renda se mantém praticamente estagnada há dez anos, o que revela
a baixa qualidade dos postos de trabalho que têm sido criados. Em termos reais,
o rendimento médio foi estimado em R$ 2.715 no ano passado, 1% menor que o de
2021. No passado recente, esse valor supera apenas o que era pago em 2012.
Não são apenas as vagas criadas que deixam
a desejar em termos financeiros. A inflação elevada contribuiu diretamente para
mais um resultado ruim, corroendo o poder de compra de trabalhadores que já
ganham pouco, sem qualquer estabilidade ou garantia de reajustes salariais
comuns a empregados formais.
Também há aspectos preocupantes entre os 10
milhões de desempregados – pessoas com 14 anos de idade que estão sem trabalho
e continuam a procurar vagas. O desemprego foi maior no Nordeste (12,6%) do que
no Sul (5,5%). Também segue mais alto entre os mais jovens, os menos
escolarizados, as mulheres e os negros, retrato de nossas históricas
desigualdades regionais e sociais.
No trimestre encerrado em dezembro, a taxa
de desemprego atingiu 7,9%, um desempenho ainda melhor que a média anual. Mas a
queda na desocupação se deu menos em razão do aquecimento do mercado de
trabalho e mais pela queda da taxa de participação – a parcela da força de
trabalho que está ocupada ou à procura de emprego, que caiu de 62,7% para 62,1%
na passagem do terceiro para o quarto trimestre. Não é um fenômeno novo, mas parece
consistente, haja vista que cerca de 4 milhões de pessoas deixaram a força de
trabalho desde 2019. “Com o não retorno das pessoas à força de trabalho, a taxa
de desemprego não tem contado muito bem a história do mercado de trabalho”,
explicou o economista Bruno Imaizumi, da LCA Consultores.
Com a desaceleração da economia,
consultorias e bancos já projetam que o desemprego deve ficar estável ou
aumentar ligeiramente neste ano, o que tende a piorar os rendimentos. Nesse
sentido, o governo Lula tem muito o que fazer, a começar por não mexer no que
tem trazido resultados efetivos para o mercado de trabalho, como os termos da
reforma trabalhista aprovada em 2017.
A necessidade da criação de políticas
públicas que estimulem a formalização no mercado de trabalho é evidente. É
fundamental capacitar os trabalhadores – especialmente os desocupados há meses
ou anos – e prepará-los para empregos de melhor qualidade nos setores em que já
há carência de mão de obra. Nada disso terá efeito duradouro se o País não voltar
a crescer de forma sustentável.
Vícios privados, ruína pública
O Estado de S. Paulo.
Se nem o partido do ministro Juscelino
Filho o defende, é difícil entender por que ele ainda está no governo
As indecorosas revelações feitas pelo
Estadão nas últimas semanas a respeito do ministro das Comunicações, Juscelino
Filho (União Brasil), não deixam dúvida de que ele não deveria mais estar no
governo.
Uma das mais recentes dá conta de que o
ministro utilizou um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para ir de Brasília
a São Paulo participar de leilões de cavalos de raça, cumprindo uma agenda
quase inteiramente tomada por compromissos particulares. Pior: fez isso
alegando urgência e, claro, recebendo diárias da União. Eis uma conduta
inaceitável, ainda mais para quem tem assento no primeiro escalão do governo
federal.
A referida viagem ocorreu no fim de janeiro
e beirou o deboche, bem como a ilegalidade, já que Juscelino Filho recebeu
quatro diárias e meia, quando sua agenda justificaria apenas uma. Encerrados os
compromissos oficiais protocolares, que consumiram poucas horas, o ministro
ficou livre para um tour por eventos privados em que assessorou compradores de
cavalos, recebeu um prêmio de uma associação de criadores e inaugurou uma praça
em homenagem a um cavalo de seu sócio. Eis a programação − e as prioridades −
do titular do Ministério das Comunicações no governo do presidente Lula da
Silva. Um escárnio que terminou com o retorno a Brasília em avião da FAB,
bancado pelo contribuinte, obviamente.
O Estadão informou também que o ministro
não só é aficionado por cavalos, como omitiu um patrimônio de pelo menos R$ 2,2
milhões em animais da raça quarto de milha, ao declarar bens ao Tribunal
Superior Eleitoral (TSE), no ano passado, quando foi reeleito para seu terceiro
mandato como deputado federal. Nessa mesma campanha, Juscelino Filho apresentou
dados falsos à Justiça Eleitoral para justificar gastos com supostas viagens de
helicóptero: os nomes dos colaboradores que teriam utilizado a aeronave eram de
pessoas que afirmaram não ter qualquer vínculo com a candidatura dele.
Outro episódio nebuloso revelado pelo
Estadão envolve a destinação de verbas do orçamento secreto pelo então deputado
para asfaltar uma estrada de terra que passa na frente de sua fazenda, no
município de Vitorino Freire, no Maranhão, onde tem um haras. Detalhe: a
prefeita da cidade é irmã dele, e a empresa contratada pela prefeitura pertence
a um amigo que foi preso pela Polícia Federal meses após a assinatura do
contrato, acusado de pagar propina a servidores federais para obter obras na
cidade.
A trajetória política de Juscelino Filho,
seja como ministro ou, antes disso, como deputado do baixo clero ligado ao
Centrão, ilustra um velho e execrável vício nacional: a confusão entre o
público e o privado. O patrimonialismo corrói as instituições e prolonga o
subdesenvolvimento do Brasil − além de ser, claro, passível de punição pela
Justiça. De tão emblemáticos, os casos envolvendo Juscelino Filho apontam para
uma completa inversão de papéis: em vez de servir ao País, obrigação de
qualquer autoridade, é o ministro quem se vale da máquina pública para atender
a seus interesses particulares.
Se nem o partido do ministro o defende,
como se depreende das declarações de correligionários, é mais difícil ainda
compreender sua permanência no governo.
Falta ainda ao governo apresentar um
programa
Valor Econômico
Parece que as soluções do passado, que
deram muito errado, tentarão ser a salvação do futuro
Resolvida parcialmente a trivial questão de
repor impostos sobre gasolina e álcool e provisoriamente pacificada a disputa
de espaço entre a equipe econômica do ministro Fernando Haddad e a tal ala
política do governo, restam problemas um pouco mais complexos para os quais o
governo não apresentou um esboço de respostas. Aparentemente, parece que as
soluções do passado, que deram muito errado, tentarão ser a salvação do futuro.
Falta definir se o que se pretende é uma volta ao passado ou tentativas de
mudanças mais significativas e inovadoras.
Um programa de governo, que até agora não
apareceu oficialmente, teria de encarar pelo menos alguns dos assuntos a
seguir. O governo Lula acha que a inflação está alta? Acredita que possa
combatê-la ou, com IPCA perto de 6%, isso é irrelevante? Para mover os preços
em direção às metas, supondo que devam ser cumpridas, é valido usar uma taxa de
juros muito alta, como agora? Há déficit fiscal constrangedor ou ele não é
preocupante? É possível evitar a ameaça de insolvência das contas públicas,
impulsionando a economia por meio de estímulos para que ela cresça mais?
Como fazer com que a economia tenha
expansão significativa com inflação ainda fora de controle? Ou, como o
presidente diz, se gastos não são gastos, mas investimentos, transmutados em
formação bruta de capital fixo, diminuirá a relação dívida pública e PIB ou ela
explodirá?
Se a emissão de moeda doméstica para cobrir
despesas não é um fator restritivo, qual é o limite, se é que ele existe, para
os gastos públicos como estímulo ao crescimento? A partir de que ponto os
incentivos à expansão da economia definidos discricionariamente pelo governo
podem se tornar inflacionários, supondo que exista a relação de causa e efeito
entre uma coisa e outra?
Como um dos problemas principais do Brasil
é seu baixo crescimento, há outras formas de criar um período virtuoso e
sustentável de expansão que não dependa vitalmente dos gastos do Estado? Criar
um mercado dinâmico de consumo depende da renda das famílias e do nível de
emprego e salários, mas ambos deveriam estar mais relacionados à força das
empresas e da iniciativa privada ou da proteção e dos estímulos estatais?
Para que esses estímulos do Estado sejam de
magnitude relevante, será preciso que a arrecadação cresça sempre acima da inflação,
ainda que isso reduza a capacidade de consumo da economia? É possível ao mesmo
tempo taxar muito mais os ricos e desonerar as camadas de renda mais baixa de
modo que o saldo seja positivo para o crescimento? Nestas condições, os
investimentos deslanchariam ou não?
Sendo a taxa de juros real um dos
mediadores entre a poupança e o consumo agregado, é possível ampliar a poupança
para a expansão econômica diminuindo o custo do dinheiro para todos? Como
conciliar uma remuneração atrativa para a poupança financeira e ao mesmo tempo
para capitais investidos na produção? Em uma economia relativamente aberta,
como fazer com que o diferencial de juros entre taxas domésticas e externas
tragam mais fluxos de dinheiro para o país sem que os juros tenham de incorporar
grandes prêmios de risco? Um programa de aceleração do crescimento teria quais
efeitos líquidos no fluxo de recursos se os juros reais forem baixos?
Se o consumo interno é uma decorrência,
entre outras, do avanço real dos salários, como aumentá-los de forma a fazer
com que a produtividade cresça, mas não a inflação? Um salário mínimo com ganho
real ao longo de anos reduzirá consistentemente a pobreza, ou em algum momento
deteriorará as contas públicas e provocará mais inflação?
Como reduzir a inflação trazida por uma
mistura simultânea de restrições de oferta e deslocamentos anômalos de demanda,
como ocorreu na pandemia e segue ocorrendo? Se juros altos não são suficientes,
ou sequer necessários, para domar a alta dos preços, que outros instrumentos de
política econômica e monetária poderiam fazê-lo?
Como retirar os participantes do Bolsa
Família da dependência do Estado, oferecer-lhes empregos e garantir-lhes renda
satisfatória?
Como desenvolver uma indústria nacional sem subsídios desarrazoados ou fechamento comercial? Como fazê-la dar saltos tecnológicos apoiando-se em transferências de conhecimento externo e incentivos ao avanço do conhecimento doméstico?
"Uma boa definição de coragem"
ResponderExcluirBoa mesmo.
Rara, em tempos de general-anão poderoso